Se preferir vá direto à fonte: Auditoria Cidadã da Dívida
Por Maria Lucia Fattorelli[i]
8/3/2015
As flagrantes injustiças sociais que
vigoram no Brasil afetam toda a sociedade. Apesar de sermos um dos
países mais ricos do mundo – atualmente 7a. maior economia do planeta – o Brasil amarga inaceitáveis indicadores sociais, tais como:
- Pior distribuição de renda do mundo[ii];
- 79º no ranking de respeito aos Direitos Humanos – IDH – segundo relatório divulgado pela ONU
- Penúltimo no ranking da Educação (Índice Global de Habilidades Cognitivas e Realizações Educacionais )
- 128o no ranking do crescimento econômico
A injusta situação social do país afeta
principalmente às mulheres, tendo em vista que o Brasil possui a quinta
maior população mundial, e que as mulheres já são maioria, constituindo
51% da população nacional[iii].
A pobreza e a inexistência ou insuficiência de atendimento aos direitos sociais previstos no art. 6o
da Constituição Federal – educação, saúde, alimentação, trabalho,
moradia, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade e à
infância, assistência aos desamparados – atinge fundamentalmente às
mulheres. São elas as primeiras a serem demitidas, e as mais
sacrificadas quando faltam serviços essenciais. A luta por igualdade de
oportunidade de acesso a postos de direção e políticos também tem sido
árdua para as mulheres, embora ocupemos a maioria das vagas nas
universidades brasileiras.
Apesar de existirem políticas
específicas de atendimento aos direitos das mulheres, a destinação de
recursos para tais políticas, por parte do governo federal, tem caído
nos últimos anos. O quadro a seguir compara dados de 2013 e 2014, e
mostra uma queda de quase 20% na destinação de recursos para as ações
referentes a Políticas para Mulheres:
[dê um clique sobre a imagem abaixo para ampliá-la]
A maioria das ações são referentes ao combate à violência doméstica devido às disposições da Lei Maria da Penha[iv].
Na prática, tal lei tem se tornado inócua na maior parte do país,
devido à inexistência dos instrumentos essenciais à sua efetividade,
especialmente as casas-abrigo e creches. Torna-se impossível para uma
mulher vítima de violência doméstica poderá denunciar seu
agressor/companheiro e retornar para a mesma moradia junto com ele.
Mas as atuais demandas dos movimentos de
mulheres vão muito além dessa questão: exigimos justiça social,
conforme direitos consagrados na Constituição Federal, e dignidade de
vida para todas as pessoas.
Temos razões de sobra para essas
exigências; não só devido à previsão constitucional, mas também tendo em
vista o fato de contribuímos de forma decisiva para o financiamento de
políticas públicas, por meio da elevada carga tributária que recai sobre
a classe trabalhadora e sobre os mais pobres.
A dura realidade é que apesar de sermos
um dos países mais ricos do mundo e de arcarmos com pesada carga
tributária, os direitos sociais previstos na Constituição Federal não
têm sido devidamente proporcionados pelo Estado, penalizando de forma
contundente às mulheres. Diversas razões históricas explicam esse
inaceitável paradoxo, porém, nas últimas décadas, o principal
responsável tem sido o Sistema da Dívida, que a cada ano absorve
quantias exorbitantes para o pagamento de questionáveis obrigações
financeiras vinculadas a dívidas que nunca foram auditadas..
O gráfico a seguir retrata a destinação dos recursos do Orçamento Geral da União Executado em 2014 e mostra que a dívida pública é a principal responsável pelo não atendimento das necessidades urgentes do povo brasileiro. O valor destinado às Políticas para Mulheres
em 2014 ficou 8.655 vezes menor que os R$ 978 bilhões gastos com juros e
amortizações da questionável dívida pública federal.
Orçamento Geral da União (Executado em 2014) Total = R$ 2,168 trilhão [dê um clique sobre a imagem para ampliá-la]
Fonte: Senado Federal – Sistema SIGA BRASIL – Elaboração:
Auditoria Cidadã da Dívida. Nota: Inclui o “refinanciamento” da dívida,
pois o governo contabiliza neste item grande parte dos juros pagos. Não
inclui os restos a pagar de 2013, pagos em 2014.
O ORÇAMENTO FEDERAL proposto pelo Executivo para 2015 reserva R$ 1,356 trilhão para os gastos com a dívida pública, ou seja, 47% de tudo que o país vai arrecadar com tributos, privatizações e emissão de novos títulos, entre outras rendas.
Este valor representa, por exemplo, 13 vezes os recursos para a saúde, 13 vezes os recursos previstos para educação ou 54 vezes os recursos para transporte.
Estes dados denunciam a necessidade de
maior envolvimento dos movimentos feministas no controle dos gastos
públicos e no conhecimento do “Sistema da Dívida”, uma engrenagem que
absorve elevados montantes de recursos públicos de forma contínua,
transferindo-os principalmente para o setor financeiro privado nacional e
internacional.
A dívida externa brasileira supera 549
bilhões de dólares e a dívida interna federal passa de 3,071 trilhões de
reais. Há muito tempo o endividamento público deixou de ser um
mecanismo de financiamento do Estado e passou a ser um veículo de
subtração de elevados volumes de recursos orçamentários, e subtração de
patrimônio pela imposição contínua de privatização de áreas estratégicas
como petróleo, portos, aeroportos, estradas, energia, saúde, educação,
comunicações, entre outros.
Por isso lutamos pela auditoria dessa
dívida, conforme previsto na Constituição de 1988 – violada há 26 anos –
para apurar os inúmeros e graves indícios de ilegalidades, tais como: a
aplicação de juros sobre juros (prática considerada ilegal pelo Supremo
Tribunal Federal); evidências de conflitos de interesses na definição
das taxas de juros, face à influência direta de agentes do mercado
financeiro; relevantes danos ao patrimônio público em sucessivas
negociações da dívida externa e interna que nunca chegaram a ser
auditadas; falta de transparência na publicação dos juros nominais
efetivamente pagos; contabilização de grande parte dos juros nominais
(despesa corrente) como se fossem amortizações (despesa de capital);
violação dos direitos humanos e sociais, dentre muitos outros crimes já
denunciados por comissões do Congresso Nacional, principalmente durante a
CPI da Dívida Pública realizada em 2009 na Câmara Federal[v].
Nossa participação institucional na CPI
da Dívida no Brasil e na Comissão de auditoria oficial da dívida do
Equador foram as principais tarefas já desempenhadas pela Auditoria
Cidadã da Dívida[vi]. O Equador conseguir reduzir 70% da dívida externa em títulos, o que
possibilitou triplicar os investimentos sociais. No Brasil, o efetivo
resultado virá somente a partir de efetivo engajamento social. Os
movimentos de mulheres têm importante papel a cumprir também nesta
seara. Vamos à luta, amigas. Participem dos núcleos da Auditoria Cidadã
que estão se formando em diversos estados brasileiros e ajudem na
socialização do conhecimento sobre a realidade financeira do país,
transformando esse conhecimento em ferramenta de luta social.
PARTICIPE DA AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA!
[i] Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br e https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina
[ii] http://iepecdg.com.br/uploads/artigos/SSRN-id2479685.pdf COMPARADO COM GINI index | Data | Table
[iii] Conforme dados do Censo Demográfico de 2010
[iv] Lei 11.340/2006
[v] http://www.auditoriacidada.org.br/clique-aqui-para-saber-como-foi-a-cpi-da-divida/
[vi] FATTORELLI, Maria Lucia. Auditoria Cidadã da Dívida: Experiências e Métodos (2013) Inove Editora, Brasília.