Quinta, 19 de março de 2015
Edwirges Nogueira – Enviada Especial da Agência Brasil/EBC
(Fernando Frazão/Agência Brasil)
A
agricultora Márcia da Silva Lopes, 46 anos, moradora da comunidade de
Bom Jardim, em Quixadá, perdeu quase tudo o que tinha plantado em
janeiro esperando que chovesse no início de fevereiro, primeiro mês da
quadra chuvosa no Ceará. As chuvas só chegaram no fim do mês, fazendo
com que ela tivesse que voltar a plantar as sementes de milho, feijão e
gergelim. Se não chove, Márcia depende da água de enxurrada acumulada na
cisterna para irrigar a plantação.
Os setores da agricultura
mecanizada não costumam se preocupar com a chuva, já que a irrigação é
feita por tecnologias que aspergem água independentemente do período do
ano. O diretor de Operações da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
do Ceará (Cogerh), Ricardo Adeodato, estima que 70% da água dos
reservatórios do estado são usados pela agricultura – mesmo percentual
calculado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em relação ao uso da
água de todo o planeta por essa atividade. Para Adeodato, a geração de
empregos por essa atividade justifica a destinação de um alto percentual
de água para a agricultura. O presidente da Federação da Agricultura e
Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Flávio Saboya, diz que a produção de
alimentos é o motivo e a justificativa para o uso da água em larga
escala.
Para
o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Alexandre Costa,
entretanto, a desigual distribuição da água – feita também a favor da
indústria – é uma “injustiça hídrica”, principalmente em um estado de
clima semiárido.
“É um absurdo você usar água do semiárido, na
quantidade que é usada no Ceará, para a fruticultura irrigada. O
primeiro discurso é sobre a produção de alimentos, mas quem produz os
alimentos que nós consumimos são os pequenos agricultores, que não têm
acesso à irrigação”, critica Costa que é PhD em ciências atmosféricas.
Segundo
dados da Cogerh, estão em vigor atualmente cerca de 3,5 mil outorgas
(autorizações) de uso da água dos reservatórios públicos, mas o diretor
de Operações da companhia garante que o fornecimento de água para os
setores produtivos sofreu redução devido à seca. O presidente da Faec
estima que, com essa redução, o uso da água na agropecuária esteja em
40%, mas ressalta que, mesmo sem os cortes, o setor não consome mais do
que 50%. “Setenta por cento é uma estimativa mundial. Não significa que,
no Ceará, consuma-se essa quantidade de água”, afirma. Segundo estudos
do professor Alexandre Costa, esse consumo chega a 60%.
Para o
especialista da Uece, regular o uso da água, priorizando a distribuição
para o consumo humano, deve estar no centro de qualquer plano
estratégico. No dia 25 de fevereiro, o governo do estado apresentou o
Plano Estadual de Convivência com a Seca que elenca uma série de ações
emergenciais (a exemplo da perfuração de poços e da instalação de
adutoras de montagem rápida) e estruturantes, como o Eixão das Águas e o
Cinturão das Águas.
O Eixão das Águas transpõe as águas do Açude
Castanhão, um dos maiores do estado, para Fortaleza e região
metropolitana e para o Complexo Portuário e Industrial do Pecém. O
Cinturão das Águas, ainda com trechos em construção, deverá receber as
águas da transposição do Rio São Francisco e distribuí-las nas bacias
hidrográficas do estado.
Embora reconheça a importância da
interligação das bacias, o professor destaca a necessidade de que essas
águas sirvam prioritariamente à população – o que não está expresso no
plano. “Continua-se falando em garantir água para a indústria e para o
agronegócio. Esse é o nó: precisamos, sim, de obras de adutora e de
interligação de bacias, mas desde que elas sejam planejadas e voltadas
realmente para atender à demanda da população. Mas não é só obra que
resolve. É política hídrica, com a substituição das atividades
produtivas que são grandes consumidoras de água por atividades
sustentáveis.”