Domingo, 8 de maio de 2016
Isabela Vieira e Tâmara Freire* - Repórter Agência Brasil
O
procedimento que permite o juiz ver a pessoa presa dentro de 24 horas,
chamado de audiência de custódia, não tem sido suficiente para
substituir o encarceramento de mulheres grávidas ou com dependentes, por
penas alternativas. A denúncia é da organização não governamental
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que há 15 anos monitora a
situação de mulheres presas no país.
Com as audiências de
custódia, determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em todo
país, desde fevereiro, e a Lei da 1ª Infância, a expectativa era que o
número de mães diminuísse. Sancionada no Dia da Mulher, a nova lei
flexibilizou a prisão de gestantes e de responsáveis por crianças até 12
anos, incluindo mães e pais, para beneficiar os menores.
Evidências
provam que manter mães em presídios compromete o desenvolvimento
psicológico, social, intelectual e até genético dos filhos. No entanto,
segundo o ITTC, as mães não são ouvidas nas audiências e poucas
conseguem responder pelos delitos em liberdade.
Segundo a
coordenadora do Projeto Justiça Sem Muros da ONG, Raquel da Cruz Lima,
os juízes continuam indo para as audiências “com a mentalidade do
processo em papel”.
“Ainda hoje, mesmo com as audiências de
custódia, em São Paulo, ainda têm mulheres gestantes que vão presas por
crimes muito irrelevantes com quantidades muito pequenas de drogas, sem
motivo nenhum, porque a lei autoriza manter as mulheres presas”,
criticou Raquel.
Para ela, os juízes trabalham com modelos
pré-definidos de decisão e endurecem quando o crime é tráfico de drogas,
mesmo que uma mulher reúna características para ser liberada. “Se é um
caso em que a mulher tem domicílio fixo, trabalho formal, é réu
primária, nunca cometeu furto, vai ser solta. Agora, se o crime é
tráfico, ainda que seja primária, não soltam”.
Mesmo antes da lei
da 1ª Infância, mulheres com sete meses de gestação ou responsáveis por
crianças até 5 anos, poderiam ter a prisão relaxada. Ainda assim, disse
Raquel, o Judiciário era pouco flexível com casos relacionados ao
tráfico de drogas sem violência.
Abrangência das audiências também preocupa
Outro
problema, denuncia a coordenadora do ITTC, é a curta abrangência das
audiências de custódia no país. Em São Paulo, Raquel deu exemplo de uma
mulher com a gestação avançada, com outros filhos, presa por furtar uma
bandeja de carne para alimentar a família.
“Esse é um caso que,
mesmo com juízes insensíveis, a mulher seria solta na audiência de
custódia. Mas ela foi presa na grande São Paulo, não passou pela
audiência de custódia, foi para prisão e ainda está lá”, denunciou. “É
dramático porque esse um daqueles casos que a Justiça consideraria de
menor relevância e ela seria sequer ser processada, mesmo assim, ela
está presa”.
No Rio de Janeiro, onde a Defensoria Pública do
Estado tem monitorado o Judiciário, quando a presa é gestantes, nas
audiências de custódia, o balanço é semelhante. Das 72 mulheres presas
em flagrante entre outubro de 2015 e janeiro deste ano, 54 delas
disseram ter filhos e 11 estavam grávidas. Dessas, oito conseguiram ser
liberadas nas audiências de custódia.
“Dificilmente, a gente
consegue obter a liberdade provisória nos crimes cometidos com por
violência, o que já era esperado”, disse o coordenador de Defesa
Criminal da Defensoria, Emanuel Queiroz. “Mas o grande crime, praticado
sem violência, é o tráfico de drogas. E existe um problema aí,
dramático, que não se refere só às mulheres, que é a política de
drogas”.
CNJ defende flexibilização de penas
Para
garantir o cumprimento das regras das Nações Unidas para o tratamento
de mulheres presas, com prioridade para medidas que evitem o
encarceramento, conhecidas como regras de Bangkok, o Conselho Nacional
de Justiça tem trabalhado para mudar a cultura do Judiciário.
Diretor
do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário
Nacional, Luís Geraldo Manfredi reconhece que os juízes têm receio de
recorrer as penas alternativas, com medo que elas não funcionem, mas
reforça que o encarceramento deve ser o último recurso.
“O dilema
das alternativas penas não é específico da questão de gênero, é um
desafio para o próprio judiciário, de compreender melhor os motivos para
evitar o encarceramento desnecessário, o rompimento de laços familiares
e a consequências deletérias da prisão”, disse.
O CNJ também
apoia o indulto (redução e perdão de penas) de mulheres condenadas por
até cinco anos de prisão por tráfico de drogas. O documento, em análise
na Casa Civil, pode ser assinado pela presidenta Dilma Rousseff nos
próximos dias. A campanha em defesa do indulto conta com apoio de cerca
de 200 organizações de defesa dos direitos humanos.
*Repórter do Radiojornalismo da EBC.
=======
Leia também:
=======
Leia também: