Domingo, 8 de maio de 2016
Lava Jato apura se ex-senador transformou igreja em lavanderia de dinheiro com aval de padre
Por Ulisses Campbell - Revista Veja - 08/05/2016 - // Blog do Sombra
Moacir Anastácio Carvalho admitiu à PF ter recebido 950.000 reais de
empreiteiras do petrolão. Investigadores querem saber agora como ele
gastou o dinheiro.
Uma equipe de investigadores da Lava Jato vai fazer uma devassa nas
contas da Paróquia de São Pedro, em Brasília, para descobrir como o
padre Moacir Anastácio Carvalho gastou cada centavo de quase um milhão
de reais recebidos das empreiteiras OAS, Andrade Gutierrez e Via
Engenharia, em 2014. O Ministério Público suspeita que o ex-senador Gim
Argello (PTB-DF), preso e denunciado na Lava Jato, e o ex-governador do
Distrito Federal Agnelo Queiroz (PT) tenham transformado a Casa de Deus
em lavandeira com o consentimento do padre para legalizar dinheiro de
propina.
Em depoimento prestado na quinta-feira em Curitiba, ao qual VEJA teve
acesso, o religioso admitiu que costuma pedir dinheiro a empresários e a
fiéis que frequentam a paróquia que administra. Como justificativa,
Moacir alegou que a igreja possui uma área de 20,6 hectares e que está
construindo com muito sacrifício um templo de 12,2 mil metros quadrados
para acomodar uma das maiores festas religiosas do país, Pentecostes,
que começa neste domingo e reúne mais de 3 milhões de pessoas em três
dias de celebração. O evento a que o padre se refere é famoso em
Brasília por mesclar uma espécie de altar com palanque, no qual
políticos costumam pegar o microfone da mão do padre para pedir votos em
época de eleição ou exaltar os próprios feitos quando estão exercendo
mandato ou cargos no Executivo.
Ao prestar depoimento ao delgado federal Luciano Flores, padre Moacir
apresentou três recibos e um extrato bancário. Pelos documentos, o
religioso recebeu três repasses de empreiteiras em 2014. O primeiro, no
dia 14 de abril, foi de 300 000 reais e veio da Via Engenharia. Segundo
ele, a caridade foi obra de Agnelo Queiroz, que é investigado na Lava
Jato justamente por carregar nas costas a suspeita de receber propina da
empreiteira na construção do bilionário Estádio Mané Garrincha. A
segunda doação ocorreu no dia 19 de maio no valor de 350 000 reais.
Dessa vez o dinheiro veio da OAS e foi costurado por Gim Argello, que
frequenta a paróquia do padre Moacir há mais de 10 anos. Duas semanas
depois caiu na conta da igreja outros 300 000 reais, fruto da boa
vontade da Andrade Gutierrez, cujo ex-presidente, Otávio Azevedo, está
preso acusado de pagar propina na obra da usina nuclear Angra 3.
Os investigadores trabalham com a hipótese de que o dinheiro depositado
na conta da igreja de Brasília é parte da propina que Gim Argello
recebeu para manter executivos de empreiteiras bem longe das comissões
de inquérito que investigavam corrupção na Petrobras no Senado e na
Câmara, há dois anos. Gim, Agnelo, o padre e as empreiteiras negam tudo,
claro. "Os políticos disseram que iam conseguir dinheiro para a festa
junto a empresários, mas não mencionaram quais empresas", disse o padre
em depoimento. "Só tomei conhecimento que parte do dinheiro veio da OAS
quando fui intimado", completou.
Apesar de o religioso não constar na lista dos denunciados na de
sexta-feira, a Polícia Federal vai continuar em seu encalço. Os
investigadores vão analisar toda a contabilidade da paróquia para
atestar se a instituição foi usada para lavar dinheiro de corrupção. Em
depoimento, o padre jurou que não devolveu um tostão para Gim Argello e
Agnelo Queiroz. "Usei 800 000 reais na festa e o restante em obras de
terraplenagem do estacionamento do centro de evangelização", sustenta.
O advogado do padre, Wellington Medeiros, disse que o seu cliente não
teme a devassa da PF nas contas da paróquia e que até já se adiantou,
deixando com os investigadores da Lava-Jato uma mala contendo todos os
documentos contábeis da igreja, incluindo notas, extratos, cópia de
cheques e balanços. "Nem sempre as pessoas entendem que é muito caro
construir um templo de 12,2 mil metros quadrados em uma cidade em que
cada metro quadrado construído custa 2,2 mil reais", defende-se.
Apesar de ser obrigatório os sacerdotes selarem voto de pobreza no
momento da ordenação, o padre Moacir montou já usando batina uma empresa
chamada MAC - Livros e Artigos Religiosos para comercializar
publicações de sua autoria. O religioso também é proprietário de um
apartamento comprado em Fortaleza, em 2008, e mais dois imóveis na
cidade de Águas Claras, no Distrito Federal, comprados depois que passou
a se dedicar à igreja. Depois que o padre levou a sua paróquia para as
páginas da Lava Jato, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) determinou que ele não passe mais o microfone para políticos em
seus shows religiosos. Até segunda ordem.
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