Quinta, 9 de junho de 2016
"O partido [PT] se deixou
contaminar pelo elitismo e a corrupção, em treze anos de governo não
promoveu nenhuma reforma estrutural, e calou-se quanto ao socialismo."
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Do Correio da Cidadania
http://correiocidadania.com.br/
por Frei Betto
Sou
vivido. Vi o Brasil passar por muitas crises. O suicídio de Vargas, em
agosto de 1954, estragou meu aniversário de 10 anos. JK soube, em 1956,
contornar a rebelião militar de Jacareacanga. A renúncia de Jânio, em
1961, me levou às ruas pela primeira vez, em defesa da democracia.
O golpe militar de 1964 me arrancou da faculdade de Jornalismo para
atirar-me nas masmorras do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha). O
AI-5 me desempregou do jornal e, meses depois, me conduziu a quatro
anos de prisão.
Meu sonho, ainda hoje, é o socialismo. Fora da Igreja há salvação.
Mas não há salvação para a humanidade fora de um sistema no qual haja
partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano, e onde os
direitos humanos estejam acima dos privilégios do capital.
Para um sonho se tornar realidade são necessárias mediações.
Busquei-as na Ação Católica. Os bispos, pressionados pela ditadura, a
desmantelaram. Apoiei organizações revolucionárias contra a ditadura. A
repressão as derrotou. Tornei-me eleitor do PT. O partido se deixou
contaminar pelo elitismo e a corrupção, em treze anos de governo não
promoveu nenhuma reforma estrutural, e calou-se quanto ao socialismo.
Hoje, voto PSOL.
Meu fio de esperança se prende aos movimentos sociais. Não são
perfeitos. Neles há também oportunistas e corruptos. Mas estes são
exceções. Porque a base da maioria dos movimentos é a gente pobre que
luta com dificuldade para sobreviver. Essa gente costuma ser
visceralmente ética. Não acumula, partilha.
Não se entrega, resiste. Não se deixa derrotar, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Não sei o que será do nosso Brasil nos anos vindouros. Sei apenas que
fora dos movimentos sociais a nação não tem salvação. O PT tentou e se
deu mal. Em uma sociedade tão marcadamente dividida em classes sociais,
somente o vínculo orgânico com os pobres nos mantém com os pés no chão, a
alma repleta de fome de justiça e a cabeça fiel à utopia socialista.
A democracia é uma senhora muito ciosa de suas origens. Todas as
vezes que tentam prostituí-la, sequestrá-la, corrompê-la, reage e
desmascara seus algozes. Ela prefere sempre se abrigar em seu ninho: o
protagonismo popular.
O capitalismo tenta nos ludibriar, convencer-nos de que democracia é
sinônimo de rotatividade eleitoral. Ora, a verdadeira democracia se
apoia na economia, na partilha das riquezas; na ecologia, ao cuidar da
proteção ambiental; na cultura, ao assegurar a todos o direito de criar e
se expressar; e na política, ao dotar todos os cidadãos e cidadãs de
poder para monitorar os rumos do Estado e, portanto, da sociedade.
Nenhuma esquerda ideológica se sustenta por muito tempo sem este
respaldo fisiológico: o contato direto com os movimentos nos quais os
pobres se organizam e lutam por seus direitos.
Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania