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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Campanha pelos 23 manifestantes condenados é lançada no Rio

Sexta, 27 de julho de 2018
Da

Por por Bruna Freire, especial para a Ponte

Centenas de pessoas participaram do lançamento da campanha ‘Não é só pelos 23, é por todas e todos que lutam!’, na Universidade Federal do Rio de Janeiro


Evento marcou resposta dos 23 manifestantes à condenação imposta pela Justiça do RJ | Foto: Bruna Freire

O lançamento da campanha “Não é só pelos 23, é por todos que lutam” aconteceu nesta terça-feira (24/7), no salão nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e reuniu centenas de pessoas, entre elas, representantes de movimentos sociais, jornalistas e fotógrafos independentes, e partidos políticos. A mediação da mesa ficou sob responsabilidade de José Pimenta, representante do Centro Brasileiro de Solidariedade Aos Povos (CEBRASPO). Doze dos 23 condenados compareceram: Elisa Quadros Pinto Sanzi, Rebeca Martins de Souza, Shirlene Feitoza da Fonseca, Eloisa Samy Santiago, Igor Mendes da Silva, Bruno de Sousa Vieira Machado, Emerson Raphael Oliveira da Fonseca, Felipe Frieb de Carvalho,Filipe Proença de Carvalho Moraes, Luiz Carlos Rendeiro Júnior, Pedro Guilherme Mascarenhas Freire e Rafael Rêgo Barros Caruso.

Elisa Quadros, conhecida como “Sininho”, afirmou, emocionada, que segue firme na luta por conta da solidariedade e carinho que recebe e defendeu a ideia de que “a luta não é uma condenação de 23 pessoas, é uma condenação de todas as pessoas que lutaram em 2013 e por todas as suas vidas”.

Elisa Quadros, conhecida como Sininho, discursa em evento | Foto: Bruna Freire

Elisa ponderou que a mídia tem sido responsável por criminalizar os movimentos sociais e a população pobre e negra. “A partir do momento em que se tem um monopólio midiático que condena as pessoas por serem militantes e ativistas, que condena jovens que são assassinados todos os dias nas favelas, colocando-os como criminosos e assim justificando seu assassinato, o assassinato de crianças, de uma população que está sendo exterminada todos os dias nas favelas e nas prisões, a responsabilidade é de todo cidadão e principalmente da classe jornalística não permitir mais que isso aconteça”.
Igor Mendes, que recentemente lançou o livro “A Pequena Prisão”, pela editora N-1, sobre os sete meses em que esteve preso no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, saudou as milhares de pessoas de “personalidade distorcida”, em evidente crítica ao que o juiz Flavio Itabaiana escreveu na sentença de condenação. Tendo em mãos o editorial impresso do Estado de São Paulo do dia 20/07, intitulado “A condenação dos black blocs”, leu alguns trechos e afirmou: “é de uma hipocrisia odiosa porque eles choram pelas vidraças quebradas, mas não choram pelos 60 mil assassinatos, pelo genocídio institucionalizado, pela repressão implacável no campo. São hipócritas!”, bradou.
Ausente, Caio Silva de Souza enviou um texto, lido pelo mediador, em que também condena o que chamou de “circo midiático” montado em cima da morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão em fevereiro de 2014. Junto com Fábio Raposo, Caio responde por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
“Venho aqui representar os jovens pobres e periféricos que sofrem constantemente com a segregação social. O que acontece com esse povo não aparece na TV. Experimenta nascer preto e pobre que você vai ver que as oportunidades são diferentes. Os nobres usam a pena, nós a resistência”, diz um trecho do texto. “Tentaram calar a nossa voz, mas não conseguiram. Passei por grandes torturas no sistema carcerário. Até artefatos foram jogados na minha cela com o intuito de me matar. Foi preciso eu passar por tudo isso para dizer a todos vocês que ‘resistir é preciso'”, escreveu Caio.

Presentes aplaudem leitura de carta de Caio, um dos condenados que não pôde comparecer | Foto: Bruna Freire

O farmacêutico e militante do Movimento Classista em Defesa da Saúde do Povo, Rafael Caruso, conclamou os presentes a continuarem se indignando com as injustiças. “Nossos inimigo de classe não têm [dúvida da capacidade de revolta do povo]. Eles se preparam antes para tentar contê-la através de um um golpe de Estado contrarrevolucionário preventivo que está em curso no nosso país. Isso é óbvio no nosso país, semi-feudal e semi-colonial, tomado por um latifúndio responsável pela miséria, fome, massacres, destruição a natureza e do solo”, afirmou.
Rebeca de Souza é professora de sociologia da Rede Estadual do Rio. Ela defende que sua história de militância começou muito antes de 2013, mas que naquele ano a luta se fortaleceu. “Eu me organizei na base, me organizei no chão de uma escola, como educadora que sou, comprometida com a educação pública desse país”, pontuou. Para ela, o processo é frágil, tanto na fase da denúncia, quanto na sentença. “Para vocês terem uma noção, fomos presos sob alegação de crime de informática e eu mal sei mexer em computador”, criticou. “É um processo que trabalha na base da especulação, teatralização, do espetáculo que é esse processo e perseguição políticos”, disse.

Plateia lotou auditório da UFRJ, no centro do Rio | Foto: Bruna Freire

Filipe Proença é militante do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE), organizado pelo Coletivo do Sindicalismo Revolucionário, e defende que o processo não criminaliza apenas as pessoas condenadas, mas organizações em geral. “Esse processo não é um ataque a OATL [Organização Anarquista Terra e Liberdade] ou ao MEPR [Movimento Estudantil Popular Revolucionário] ou aos 23. É muito mais que isso. Se vocês puderem acompanhar a sentença desse processo ele é um claro ataque ao direito de organização, ao direito de luta e ao direito de expressão das organizações que defendem os direitos do povo”, afirmou Filipe.
“A repressão aos movimentos sociais é um problema do Estado Brasileiro que desde 1500 massacra indígenas, quilombolas, massacrou o Quilombo dos Palmares, a Confederação dos Tamoios. Entra governo e sai governo essa repressão é uma constante, que é a fundação do Estado brasileiro”, concluiu.

“Eu sou 23 também”


Bruna Silva mostrando o material escolar que Marcus Vinicius carregava quando foi alvejado pela polícia | Foto: Bruna Freire

A mãe de Marcos Vinicius, Bruna Silva, foi prestar solidariedade e mais uma vez manifestar a revolta pelo assassinato do filho, morto pela polícia durante operação na Maré. “A minha luta é pra ter o direito de falar, eu tenho que falar, eles não podem fazer comigo o que fizeram com esses 23, prender porque falam”. E prosseguiu: “Em 93 eu tinha 11 anos quando passou o ato na Candelária na televisão, eu lembro que eu era pequena e estava na sala da minha avó vendo televisão. Quando essa notícia estourou na imprensa eu me lembro que minha mãe me pegou pelo braço e tampou meus olhos, pra eu não ver aquela barbárie na televisão. Mas eu tendo um pouco de curiosidade e sendo entendida, sai pra rua e procurei uma banca de jornal. Eu não sabia ler, mas eu queria ver as fotos. Gente, era tanto sangue! Por culpa do Estado, da Polícia do Rio de Janeiro, ontem eu estava na missa da Candelária, hoje eu sou uma mãe da Candelária”, contou em discurso emocionado. “Calaram meu filho mas a mãe dele está aqui pra falar”.
Outra mãe que perdeu o filho vítima da violência de Estado, Glaucia Santos compareceu ao evento e relembrou o dia que Fabrício Santos, com apenas 17 anos, foi assassinado no Complexo do Chapadão por um tiro de fuzil, segundo ela disparado pela PM, na noite de ano novo. “Eu não tive luto, tive luta. Por isso meu apoio não é só pelos 23, é por todos que nos apoiam, porque o caráter do preto, pobre e favelado é o mesmo. Hoje eu estou aqui para apoiar todos, é ombro a ombro que se caminha, juntos, para acabar com esse Estado fascista. Eu não dou nenhum passo atrás. As vidas faveladas importam”, afirmou.

Glaucia dos Santos perdeu o filho vítima de violência policial no Complexo do Chapadão | Foto: Bruna Freire

Jandyra Mendes, mãe de um dos processados, Igor Mendes, e membro da Comissão dos Familiares Presos e Perseguidos Políticos – RJ, se disse indignada com a condenação e manifestou apoio aos 23. “Nossos filhos são defensores do povo, porque eu sou povo, uma mulher do povo. Então eles nos representam e a luta deles é a nossa luta. Não vamos recuar, quando nós, as mães dos três, Igor, Caio e Fábio, saíamos do TJRJ e deixávamos nosso filho lá, no calabouço daquele TJ, era uma dor profunda no nosso peito, mas  a gente tinha a certeza que a nossa luta ia ser grande. Nós vamos conseguir!”, disse ao microfone.

Resposta às condenações

Em entrevista à Ponte, o advogado de defesa de 9 condenados, Marino D’Icarahy, vice-presidente da ABRAPO (Assosciação Brasileira de Advogado do Povo), disse que irá usar todos os recursos cabíveis para reverter a sentença. “No dia 25 de julho, nós protocolizamos o primeiro recurso, que é um recurso ainda no âmbito do Juízo na 27º Vara Criminal. É um recurso chamado ‘embargos de declaração’, que visa suprir dúvidas, obscuridades, omissões e contradições fundamentais e preliminares na apreciação da sentença capazes de serem relevantes na sua solução para a interposição dos recursos vindouros”, explicou D’Icarahy.
Quem decide sobre o pedido do advogado é o próprio juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau. Alguns dos questionamentos feitos pela defesa são: violação do tempo razoável do processo [a previsão de conclusão do processo era outubro de 2015], inclusão estapafúrdia da imputação do crime autônomo de corrupção de menores, a questão da própria competência do juiz para julgar esses jovens, tendo em vista artifícios que foram usados na formação do processo, que, na visão da defesa, são passíveis de nulidade nos tribunais.
campanha lançada na terça-feira pretende alcançar apoio internacional, com notas traduzidas para o inglêsespanhol e francês, e convoca movimentos populares, democráticos, revolucionários, entidades, sindicatos e apoiadoras e apoiadores independentes para uma plenária que irá construir um protesto contra a intervenção federal no Rio de Janeiro e pelo direito de manifestação e organização. O evento vai acontecer no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 02 de outubro, às 18h.