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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

MPF quer responsabilização da União por desvio de finalidade da celebração do bicentenário da Independência em Copacabana (RJ)

Segunda, 27 de fevereiro de 2023

Naves da Aeronáutica realizam manobras em Copacabana durante o bicentenário da Independência. Crédito: Agência Brasil

Não foram adotadas medidas suficientes e eficazes para diferenciar celebrações cívico-militares da manifestação político-partidária

Do MPF
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra a União pela omissão ou adoção insuficiente das devidas diligências e medidas preventivas de autocontenção na realização das comemorações cívico-militares do bicentenário da Independência do Brasil, em Copacabana, Rio de Janeiro (RJ).

Na ação, pede-se a condenação da União à reparação de danos causados por meio de medidas específicas, como pedido público de desculpas, elaboração de relatório circunstanciado sobre os fatos – com eventual adoção de medidas cabíveis no âmbito disciplinar em relação a todos os envolvidos – e medidas específicas e inibitórias de prevenção, como a regulação geral e abstrata de celebrações, a definição de local de celebração no Rio de Janeiro – com a proibição de acampamentos em frente às instituições militares – e formação sobre democracia e direitos humanos aos militares.

O MPF aponta, na ação, que os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, incumbidos por normativa do Ministério da Defesa da organização e do planejamento dos eventos do bicentenário da Independência, deixaram de adotar medidas claras, concretas, eficazes e suficientes para garantir que a celebração não servisse de palanque para manifestação político-partidária em prol do grupo político do então presidente da República.

Além disso, os comandantes tomaram decisões que favoreceram ainda mais a confusão entre os eventos, como a transferência do local tradicional de celebração (avenida Presidente Vargas), a instalação de espaço para autoridades a poucos metros do carro de som da manifestação na orla da praia de Copacabana, a não instalação de equipamentos que deixassem clara a diferenciação e praticamente nenhum fator de contenção quanto à confusão verificada.

O evento oficial foi realizado em um palanque na esquina da avenida Atlântica com a avenida Rainha Elisabeth (posto 6), ao passo que a manifestação político-partidária, com manifestação do candidato à reeleição em carro de som, ocorreu a apenas três quadras dali, na esquina da avenida Atlântica com a rua Souza Lima (posto 5).

Para os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Caixeta, autores da ação, a preocupação inicial de confusão entre os dois eventos se confirmou. “Não foram adotadas medidas suficientes e eficazes para diferenciar as celebrações cívico-militares da manifestação político-partidária que se realizou no local. Na organização do evento, inexistia separação física suficientemente clara, salvo para fins meramente operacionais, uma vez que o palco da celebração oficial estava a poucos metros do carro de som onde existiam manifestações políticas. Cabe ressaltar, ainda, que a área ‘oficial’ recebeu a circulação não apenas de autoridades, mas também de pessoas postulantes a cargos eletivos nas eleições que se dariam em outubro do ano passado. Em outras palavras, não era possível distinguir o evento oficial da manifestação político-partidária que estava sendo realizada”, concluem.

A ação aponta ainda as graves consequências da politização das Forças Armadas, ao abordar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. “Analisando os fatos em retrospectiva, não configura exagero afirmar que a postura da demandada quando da celebração do bicentenário da independência do Brasil, ao favorecer a diluição do evento com manifestação político-partidária do então presidente da República, estimulou a percepção de que as Forças Armadas tomariam partido na disputa política. Esta é uma das graves consequências dos fatos descritos na presente ação: ao não adotar medidas suficientemente adequadas para demonstrar neutralidade na disputa político-partidária e acabar por favorecer a diluição de eventos naquela data singular, a União, por meio das Forças Armadas, contribuiu para que setores da população acreditassem que a resposta antidemocrática ao resultado eleitoral teria respaldo oficial, por meio de golpe ou outro mecanismo autoritário”, destaca.

Pedidos – O MPF requer que a União seja condenada a realizar cerimônia pública de pedido de desculpas, no Rio de Janeiro, com ampla divulgação e participação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O ato deve ser divulgado em ao menos dois jornais de grande circulação nacional e ser precedido de publicidade em rádio, televisão e internet.

“O pedido de desculpas consiste no reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de forma expressa e pública, da responsabilidade pelo caráter partidário da celebração do bicentenário da Independência do Brasil. Um momento que deveria ser de união e festa acabou sendo contaminado pela disputa política”, detalha a ação.

O MPF quer ainda que seja elaborado relatório circunstanciado para esclarecer os fatos e identificar toda a cadeia de acontecimentos que permitiu a ocorrência dos episódios narrados na petição inicial, com a adoção das medidas pertinentes, caso sejam identificados ilícitos disciplinares envolvendo agentes públicos, que tenham concorrido para os atos e omissões.

Outros pontos que estão incluídos no pedido da ação são a regulação da participação das Forças Armadas em festivividades com características similares à da independência e a realização de curso de formação aos militares para enfatizar os princípios inerentes ao Estdo Democrático do Direito, aos direitos humanos e à neutralidade política das Forças Armadas.

Inquérito civil público – Após os eventos do bicentenário, o MPF converteu notícia de fato em inquérito civil público para apurar a responsabilidade da União na organização e realização, em possível desvio de finalidade, das celebrações.

O objetivo do inquérito foi avaliar a responsabilidade pelos fatos, com a eventual aplicação de medidas de reparação cabíveis, e evitar situações similares em eventos futuros.

A partir da apuração no inquérito, o MPF propôs a ação civil pública à Justiça Federal.

Ação civil pública 5012156-57.2023.4.02.5101