Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 1 de março de 2023

Educação e Energia: bases de dominação — 1ª parte

Quarta, 1º de março de 2023
Educação e energia: cidadania exige soberania — 1ª parte


Da AEPET
Pedro Augusto Pinho

Vivemos no Brasil e em grande parte do “Mundo Ocidental” sob a dominação ideológica do neoliberalismo.

Este pensamento representa, desde o século XX, o que no passado representou o colonialismo, a escravidão e outras ideologias que justificavam a submissão de pessoas e povos aos mais fortes ou mais ricos. Ainda que sob o manto da liberdade, do “empreendedorismo”, da democracia, o neoliberalismo conduz para permanente concentração de riquezas e rendas. E utiliza as mais avançadas tecnologias da comunicação, das múltiplas aplicações da cibernética para dominar.

Mas não surgiu de um rompante, da cabeça privilegiada de algum cientista ou político. O neoliberalismo foi se construindo nos escombros da dominação colonial das finanças inglesas, que entraram em choque com a necessidade do mercado consumidor pela industrialização, principalmente aquela desenvolvida nos Estados Unidos da América (EUA), com a ajuda do Estado, tanto nos investimentos a fundo perdido quanto na tributação, que, ao fim, sempre beneficiava os mais ricos.

Caros leitores, não há milagres; há o poder, seus interesses e suas formas de convencimento. E estas formas estão associadas às diferentes culturas, que valorizam comportamentos, pensamentos e ações. Ocorrem no norte e no sul, surgem no ocidente e no oriente, com as características físicas, climáticas e culturais, que as relações do homem com o meio ambiente foram construindo ao longo de séculos.

São os aromas, os sabores, os contatos e sensações que, desde o nascimento, nos chegam e que vão moldando nossas percepções e compreensões, constituindo elementos de confronto, e, finalmente, construindo as mais arraigadas sabedorias, os mais duradouros discernimentos.

E, como é óbvio, há sempre o poder que destas condições se arma, se aproveita para manter ou para conquistar novos dominados. E de tal forma isso nos é incutido que mesmo pessoas instruídas, profissionais capacitados, não se dão conta de serem vítimas da pedagogia colonizadora, da pedagogia colonial.

Dos grandes pedagogos brasileiros do tempo do Império, chegou-nos conferência, pronunciada em 1872, no Atheneu Pedagógico, no Rio de Janeiro, sobre as “escolas” que à época orientavam a educação. Foi proferida pelo baiano de nascimento, Manoel Olympio Rodrigues da Costa (1841-1891), autor da gramática e da aritmética utilizadas no Colégio Pedro II e de pareceres sobre questões educacionais para o governo imperial. Da conferência transcrevemos:

“‘Eu e vós, nossos pais, nossos avós temos sido criados quase convictos de que a natureza nos fizera inaptos para a indústria, para o comércio ou quaisquer outras profissões que exijam esforço e perseverança. Ingratidão manifesta! O Deus que dotara o Brasil com neve ao sul e o calor abrasador do norte, com a lua serena e meiga do estio e as noites nubladas do inverno, com o terreno fértil dos campos e as jazidas inesgotáveis das minas, com a variedade infinita das plantas e dos animais, não podia negar a seus filhos capacidade para todos os cometimentos. Mas qual de nós, não tem, embasbacado, diante do mais insignificante produto da arte bradar, cheio de pasmo imbecil: “isto é arte de inglês!”. Sim, meus senhores, o brasileiro não crê em si nem no poder do trabalho, e daí vem que só se educa para vida passiva do empregado”.

E, nesta mesma conferência, Rodrigues da Costa afirma: “A política, que tudo enreda em sua teia de Penélope, tem suas forcas caudinas, por onde passam muitas vezes as aspirações mais legítimas; ela é, como medida única de talento e de mérito entre nós, a ocupação mais digna dos homens, mas quem diz política diz clientela, a clientela traz a afilhadagem, o patronato, e vós sabeis que o patronato ou a proteção perverte a confiança, porque o indivíduo não a deposita no seu esforço individual, no seu mérito, mas nas boas graças dos outros”. E se a sociedade somos nós e a entendemos assim pervertida, cabe-nos reformá-la, e se não acreditamos no resultado de nosso trabalho, ao menos acreditemos ter diminuído, com trabalho e exemplo, o número de maus cidadãos.

A educação inexistiu no Brasil. Desde a primeira estrutura de estado, o estado colonial constituído em 1549 por Tomé de Sousa, a educação só veio dele participar com Getúlio Vargas, ainda presidente do Governo Provisório da Revolução de 1930, ao criar, na estrutura do Estado Vitorioso, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930) e no ano seguinte o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo do ministro da Educação e Saúde Pública nos “assuntos relativos ao ensino” (Decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931).

Os anos 1920 e 1930 foram importantíssimos para construção de projetos pedagógicos e de reflexões sobre como e o que ensinar.

Por todo século XIX e anteriores, a educação foi projeto elitista, a poucos atingindo, restrito aos que seriam dados, quase sempre por herança, poderes de mando. A influência da religião, vinda da Idade Média, ainda era forte na formação destas lideranças, principalmente nos países onde a industrialização mais custava a conquistar adeptos, os processos econômicos dependiam de braços escravos, como ocorria no Brasil.

O grande salto, que ocorre nos EUA, se deveu à mudança da principal fonte de energia: do carvão para o petróleo, no final do século XIX. Os mercados do século XIX eram dominados pelo carvão, que abundava na Inglaterra, e pelas finanças, que controlavam a economia nacional dos Reinos Unidos da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. Os EUA surgem com a perspectiva de dominação pela economia da compra e venda, do comércio, diferentemente da política territorial inglesa, e com a fonte mais produtiva e facilmente transportável de energia, o petróleo e seus derivados.

Quatro décadas e uma grande guerra mudaram, desde então, o panorama ocidental com consequência importante para todo planeta.

Os EUA surgiam como democráticos, o comércio aberto aos povos e nações, enquanto as forças armadas estadunidenses e o uso dos recursos da infiltração ideológica minavam as resistências nacionais. A propaganda, indispensável para os produtos, é usada para as ideias e construções políticas.

O Reino Unido e suas aristocráticas elites financeiras começam a perder para sua antiga colônia do Atlântico Norte, e sua nova matriz energética.

No campo psicossocial é a educação que vai marcar a diferença. Dois pensadores estadunidenses farão a construção ideológica: William James (1842 -1910) e seu seguidor intelectual, John Dewey (1859 -1952), ambos “pragmatistas”.

“Pensamentos e coisas são nomes de duas espécies de objetos que o senso comum sempre julgará serem opostos e sempre na prática oporá um ao outro. A filosofia, refletindo acerca dessa oposição, divergiu no passado, e se pode esperar que divirja no futuro. “Espírito e matéria”, “alma e corpo” representam um par de substâncias equipolentes, quase iguais, em importância e interesse. Acredito que a “consciência”, uma vez que se tenha evaporado nesse estado de pura diafanidade, está a ponto de desaparecer completamente” (John Dewey, “Does “Conciousness” exist?”, 1943).

Na Europa, a italiana Maria Tecla Artemisia Montessori (1870 -1952) desenvolvia materiais pedagógicos para atrair a atenção e unir os mundos interno e externo das crianças.

Porém a grande mudança pedagógica ocorre com a primeira revolução socialista do mundo moderno: a Revolução Bolchevique de 1917.

TALVEZ ESTE ARTIGO SEJA UMA IMPERTINÊNCIA

Assim Anton Makarenko (1888-1939) se referiu não a artigo, como o fazemos, mas a “O livro dos pais”, onde a educação é tratada como responsabilidade coletiva e não para promoção de indivíduos.

Poetas, escritores e pedagogos, logo após outubro de 1917, passam a discutir a nova pedagogia que tiraria a Rússia Tzarista da posição entre os países mais atrasados do mundo, com a maioria da população analfabeta: apenas 29% dos homens sabia ler e escrever, 13% das mulheres, e nas futuras repúblicas do Tadjiquistão, Quirguízia, Uzbequistão o analfabetismo atingia 98% da população.

A criação do ensino público e leigo foi unanimidade. Como já estava previsto, no Brasil, na Constituição Castilhista de 1891, no Rio Grande do Sul: Título IV “Garantias Gerais de Ordem e Progresso no Estado”, artigo 71, parágrafo 10º - Será leigo, livre e gratuito o ensino primário ministrado nos estabelecimentos do Estado.

Onde havia instrução, na Rússia pré-1917, esta era fundada em textos eclesiásticos e rudimentares conhecimentos de aritmética. Apenas 24 anos se passaram e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) vence uma guerra não apenas contra a Alemanha nazista e seus parceiros, mas contra todo mundo capitalista que desejava o fim da experiência exitosa de política com o povo. E este totalmente alfabetizado, homens e mulheres.

Não temos intenção de discorrer sobre a pedagogia socialista. Porém alguns autores, professores, políticos soviéticos foram fundamentais para a construção dessa escola socialista. Por primeiro, trazemos a mulher, esposa de Lenine, que jamais foi a primeira dama, sempre trabalhou por suas convicções, onde a pedagogia ocupou espaço privilegiado. Nadejda Konstantínovna Krupskaia (1869-1939) tem sua obra pedagógica publicada em dez volumes pela Academia de Ciências Pedagógicas da URSS e dela extraímos alguns textos:

“A educação colocada pela Igreja consistia na transformação da pessoa num servo de Deus, que não se atrevia a ponderar sobre coisa alguma”. Quanta semelhança, menos de um século após, nas propostas que a “Associação Escola sem Partido”, de nítida inspiração neopentecostal, fez correr em Assembleias Legislativas de onze estados e Câmeras de Vereadores de dezenas de municípios,do Brasil!

A coordenadora da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), Camila Croso, assim se expressou à revista Caros Amigos (ano XIX, nº 236, novembro/2016): “Representa um retrocesso sem precedentes na conjuntura latino-americana e mundial, e caminha na contramão de todos os tratados internacionais de direitos humanos”. E o governo golpista estabelecido naquele ano, conforme o Sindicato dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (ANDES) denuncia, “age indiretamente” no mesmo sentido.

Retomemos Krupskaia: “É evidente que na República Soviética não pode haver lugar para dois sistemas: um direcionado para educar os que dominam e outro para educar escravizados”, como não distinguirá escola para meninos e para meninas, “dando a igualdade de vida, igualdade de fato, à igualdade jurídica”.

Dois pedagogos soviéticos merecem referência: Moisey Pistrak (1888-1940) e Vassili Sukhomlinski (1918-1970). Do primeiro a compreensão de unir o conhecimento à prática de interesse social, as escolas do trabalho comunitário, do segundo a compreensão da integração da escola com a sociedade e o meio ambiente, “o ensino deve tornar as pessoas felizes, não só as crianças, também os mais velhos”.


LEONEL DE MOURA BRIZOLA

Gaúcho, que comemorou neste ano, em 22 de janeiro, 101 anos de nascimento, foi o político brasileiro que mais se preocupou e agiu em prol da educação em nosso País.

Antes de Brizola, a escola pública que mais se identificou com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), foi a Escola Parque, criada por Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), quando Secretário de Educação, no bairro popular da Liberdade, na capital baiana.

A Escola Parque – Centro Educacional Carneiro Ribeiro – mudou o sentido da educação, como os CIEPs e a Universidade de Brasília o fariam. Trabalhou com Anísio Teixeira e Brizola outro gigante da educação no Brasil: Darcy Ribeiro (1922-1997).

Todos sofreram perseguições, exílio e Anísio até assassinato, no Rio de Janeiro, recaindo sobre as forças de repressão do Estado as maiores suspeitas.

Na Mensagem encaminhada à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 1960, que tem título “Educação e Desenvolvimento: Decálogo”, traz o compromisso de construir, em cada município do Estado, uma escola técnico rural, para “melhoria das condições socioeconômicas da população interiorana”.

Em “Meu Avô Leonel”, Juliana Brizola e Rejane Guerra, escrevem: “nos anos 1950, criou o mais audacioso projeto educacional realizado no Brasil e construiu 6.300 escolas. Sendo que 1.045 escolas feitas de madeira, nas zonas rurais e periferias, ficaram conhecidas como “brizoletas” (LetraCapital, RJ, 2016). No Rio de Janeiro construiu 500 CIEPs que lhe trouxeram a oposição de todas demais correntes políticas, confortáveis com a ignorância do povo brasileiro.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi professor universitário, participou do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), é atual Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.