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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 1 de março de 2023

Educação e energia: cidadania exige soberania — 2ª parte

Quarta, 1º de março de 2023

Educação e energia: cidadania exige soberania — 2ª parte

Da AEPET
Pedro Augusto Pinho

O golpe de 2016 começou a ser preparado quando foi confirmada a existência de petróleo na camada do pré-sal nas costas brasileiras, a mais de dois mil metros de profundidade, e haver tecnologia fora do Atlântico Norte para produzi-lo.

Dois eventos contestavam os interesses e as informações que as finanças apátridas vinham divulgando como verdades. O primeiro era o fim próximo do petróleo como principal fonte primária de energia. Não apenas se prenunciavam reservas consideráveis no pré-sal brasileiro, como se abriam novas áreas de pesquisa exploratória e o Brasil detinha capacitação tecnológica para procura-las e delas produzir. Associado a este fato objetivo, a compreensão que novas reservas de petróleo apenas dependeriam do avanço tecnológico para serem também descobertas.

Assim, longe de estar no fim (em 2001 estimava-se em torno de 40 anos o esgotamento das reservas), o petróleo continuaria por mais de um século a ser a fonte mais barata e mais utilizável pela indústria.

Da edição de 2002, da BP Statistical Review of World Energy (BPSR), temos que o preço do petróleo cru, ao iniciar o século XXI, flutuava entre 25 e 30 dólares estadunidenses o barril. Que nas últimas décadas haviam aumentado as reservas – o petróleo venezuelano ainda nem fora computado – e apenas na área da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elas decresceram. Mas o consumo continuava crescente em todo mundo.

Infiltrado por neoliberais, os governos Lula e Dilma davam pretextos para inquéritos midiáticos e parecia que o “mar de lama”, que levara o pai da Petrobrás, Getúlio Vargas, ao suicídio, voltava e atingia a empresa. Acredite quem quiser.

Construiu-se então o golpe cujo objetivo maior foi a transferência para o controle estrangeiro da produção de energia no Brasil e, em consequência, a transferência dos ganhos, do lucro do pré-sal para as finanças apátridas.

Os governos petistas não souberam ou não se interessaram em responder com a educação, tirar da ignorância a multidão de brasileiros que apenas a desinformação fazia aplaudir e incentivar os crimes cometidos pelo próprio poder judiciário: mensalão e lava-jato, tendo sempre como foco a Petrobrás e, secundariamente, a engenharia e a indústria brasileira.

E o político brasileiro que mais fizera pela educação, nos dois estados que governara (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro), foi descartado, construíram um bispo neopentecostal para lhe derrotar eleitoralmente no Rio de Janeiro. Faleceu em junho de 2004, sem ter conhecido e sofrido a perda da imensa riqueza descoberta pela Petrobrás.

Nesta terceira oportunidade (?) que os brasileiros lhe dão pelo voto, Luiz Inácio Lula da Silva mencionou a escola de tempo integral, mas sem exemplificar com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) ou a Escola Parque, de Anísio Teixeira.

Recordemos o que o genial Darcy Ribeiro nos deixou no Carta’15, editado pelo Senado Federal, em 1995, que leva título “O Novo Livro dos CIEPs”, dedicado a Leonel Brizola.

“A rica direita brasileira ...... jamais quis dedicar ao povo aquela atenção escolar minimamente necessária para a alfabetização generalizada. Não tinha para isso a inspiração luterana de ensinar a rezar nem a napoleônica de formar a cidadania”.

Na concisa história da educação no Brasil, que está no Prólogo da Carta’15, Darcy ressalta o “Manifesto dos Pioneiros da Educação” (1933) e o trabalho de Anísio Teixeira, que durante o governo do Prefeito Pedro Ernesto do Rego Baptista (30/09/1931 a 02/10/1934 e 07/04/1935 a 04/04/1936), no Distrito Federal, dirigira o Departamento de Educação e construíra cerca de 30 escolas municipais, a maior parte delas nas áreas pobres da cidade, e, em abril de 1935, inaugurara a Universidade do Distrito Federal.

E lembra que a explosão demográfica e a urbanização que se seguiu às iniciativas trabalhistas de Vargas, longe de “multiplicar as escolas para atender à nova clientela urbana, simplesmente desdobraram em turnos: 2, 3 e até 4. Abandonou-se o modelo mundial de escola de tempo integral que alfabetizou a população de todas as nações que deram certo, realizando suas potencialidades”.

O “Manifesto dos Pioneiros da Educação” redigido por Fernando de Azevedo, continha 26 assinaturas, não apenas de pedagogos, mais de intelectuais, políticos, poetas e escritores, lembrando a construção da pedagogia soviética uma década antes, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

E nele encontramos palavras do filósofo alemão J.G. Fichte (1762 – 1814): “Devemos, antes de tudo, proporcionar-nos espírito firme e seguro; ser sério em todas as coisas e não continuar a viver frivolamente e como envoltos em bruma; devemos formar-nos em princípios fixos e inabaláveis, que sirvam para regular de modo firme todos nossos pensamentos e todas nossas ações; vida e pensamento devem ser em nós uma só peça e formar um todo penetrante e sólido. Devemos adquirir um caráter e refletir, por nossas próprias ideias, sobre os grandes acontecimentos de nossos dias, suas relações conosco e o que podemos esperar deles. É preciso formar opinião clara e penetrante e responder de modo decidido e inabalável”.

Dentre os signatários do “Manifesto” estava o pedagogo paulista Manuel Bergström Lourenço Filho (1897-1970), cuja obra sintetizamos na reflexão que segue: “a Escola Nova respeita a personalidade do educando e reconhece sua liberdade, compreende que o processo envolve aspecto individual e social. Assim entende que o processo educacional é biológico, envolve saúde e desenvolvimento físico, é socializante, ensina o valor da cidadania e as práticas sociais e políticas, transmite a cognição que lhe prepara para realização no trabalho e para as mais altas expressões humanas”.

Lourenço Filho também estudou a educação em 10 países e os programas do ensino primário na América Latina. O período de estudo, da creche ao ensino médio, varia de 13 anos (Índia) a 17 anos (França e Alemanha). Os Estados Unidos da América (EUA) por não terem à época do levantamento de Lourenço Filho – continuam sem ter até hoje a orientação nacional e o ensino público – não ofereceram termo de comparação.

Na maioria têm início com dois ou três anos de idade, nas creches e maternais, e vai até 19 anos, escolas normais e preparatórias para universidade. O período do que denominamos ensino fundamental e médio acolhe as crianças e jovens de 6 ou 7 anos de idade até os 17 anos. A pesquisa, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), mostra que houve queda de cerca de 220 mil no número de matrículas no ensino médio entre 2017 e 2018, incluindo as redes pública e privada. É o retrocesso do governo Bolsonaro e o retorno da educação como elemento de distinção de classe.

E com maior ignorância da população, a alienação do patrimônio público e das riquezas naturais do Brasil para as finanças apátridas ficou facilitada e encontrou pouca ou quase nenhuma oposição. Teve ainda o auxílio das igrejas neopentecostais e outras denominações protestantes, principalmente pentecostais e calvinistas, e de algumas Católicas Apostólicas Romanas.

“UMA CRIANÇA SÓ PODE APRENDER QUANDO SE NUTRE, COME” (BRIZOLA)

O programa “Fome Zero” foi o principal a dar identidade ao governo Lula. Claro que o Brasil de famintos não se habilitaria para qualquer empreendimento. Mas a educação, no modelo dos CIEPs, também trata da saúde integral das crianças. E tem consequências nas próprias famílias.

O médico Hésio de Albuquerque Cordeiro (1942-2020), responsável pela coordenação da saúde nos CIEPs, escreve na Carta’15: “a proposta político-pedagógica teve como eixo norteador a integração da educação, saúde e cultura na formação da cidadania. A saúde é parte integrante dos CIEPs, inserindo-se no processo pedagógico através de ações no âmbito da promoção da saúde e da prevenção de seus agravos, envolvendo todos os setores da escola e estendendo-se às famílias dos alunos e às comunidades das quais são parte”.

Os CIEPs foram muito além da escola de tempo integral. Formaram um eixo de integração com instituições públicas, através de acordos, convênios, projetos comuns, que tratavam da construção da cidadania, em todos os aspectos. Tiravam as crianças da rua, onde se instruíam para vida de marginais, e lhes dava residência e família nos CIEPs.

O tempo integral não era apenas dos alunos, mas dos professores e de todos os funcionários dos CIEPs. E não se voltavam apenas para os que atuavam nos CIEPs, mas para toda comunidade onde se implantavam os Centros Integrados, com manifestações culturais, esportivas e políticas, estas últimas esclarecendo os fatos, as dificuldades e as respostas possíveis.

Como já se propunha na Constituição Castilhista de 1891, a educação é obrigação do Estado, leiga e gratuita, e se obriga a formar os melhores professores, desobrigando-os das farsas de “pesquisas” para auferirem melhor remuneração. Melhor magistério, mais forte a Nação.

Do mesmo modo que no Rio Grande do Sul, ao multiplicar as escolas públicas, Brizola convocava professores pelo rádio para prover todas as escolas, os CIEPs deixaram no magistério do Rio de Janeiro a sensação de cumprirem, finalmente, os seus objetivos profissionais. E as aprovações dos “ciepistas”, na continuidade dos estudos ou nos concursos para trabalhar, demonstraram a eficácia do que se implantou no Rio de Janeiro.

Os ricos e os entreguistas não podiam aceitar os CIEPs e seus êxitos.

Nunca houve tantos contrários com um único objetivo como ocorreu para destruição dos CIEPs e nos ataques, sem qualquer base de sustentação, ao Governador Leonel Brizola.

Quem mais perdeu foram as crianças, hoje vítimas de vida marginal e de assassinatos, e o Brasil, que se consolida como colônia de capitais financeiros apátridas.

Muito mais do que a perda do controle das fontes de energia, o Brasil perde o saneamento básico, ou seja, a saúde de seu povo, e a irrigação, a produção de alimento para população, com a alienação da Eletrobrás para os capitais financeiros apátridas.

Perde também o transporte fluvial, que a mente colonizada excluiu das opções brasileiras, como o fez com o transporte ferroviário, para investir o dinheiro público em transportes rodoviários e individuais, na contramão dos países mais socialmente adiantados, onde a prioridade é o transporte de massa. Mas aqui o grande lucro vai para empresas estrangeiras.

Muito mais do que o petróleo, o Brasil abre mão de seu sistema de produção, da pesquisa para adequá-lo aos diferentes reservatórios, para obter apenas maiores quantidades exportáveis, perdendo tecnologia e estímulo para os petroleiros.

E, além das crianças, perderam empregos gratificantes, por CIEP, médico, odontólogo, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e atendente de odontologia, além 34 profissionais de diversas qualificações nas atividades de apoio, fora os 46 empregados para as atividades diretamente vinculadas ao ensino global e inclusivo.

O fim dos CIEPs foi sentido nos empregos e na renda dos fluminenses. E suas consequências por todo Brasil.

Qual será o projeto que nos aguarda este terceiro governo Lula? Em 7 de setembro de 1979, em São Borja, voltando do exílio de 15 anos, Brizola exclamou: “não existirá força alguma na Terra capaz de impedir que o povo brasileiro realize o seu destino como nação livre e independente”.

Quando quero saber a posição política de alguém, sigo o conselho de Brizola: falo do CIEP. Se disserem que é caro ou colocarem dificuldade para difundi-lo pelo País, sei que estou diante de um colonizado ou de entreguista do Brasil e suas riquezas.

EDUCAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Ao longo da história, desde a antiguidade grega, o homem se preocupou em transmitir informações aos demais. Sócrates (470 a.C.-399 a.C), mestre de Platão, deixou-nos o seguinte texto:

“Então considere o seguinte: se nós estivéssemos para nos evadir daqui, ou como quer que se diga, viessem as Leis e a Cidade colocar-se diante de nós e nos interpelassem: dize-me, Sócrates, que tens em mente fazer? que outra coisa planejas com o que empreendes, senão destruir-nos, a nós, às Leis e toda Cidade, na medida de tuas forças?”

O ensino seria então subversivo? Justificaria a escola sem partido?

Verdadeiramente, a educação sempre foi, de algum modo, o instrumento de dominação de um poder sobre as pessoas que sua qualificação e força impunha. Assim podemos ver a educação nos senadores romanos, nos apóstolos de Cristo e em toda ampla gama de ensino para "salvação da alma", para crítica ou para o consentimento ou a convivência dos "princípios usualmente aceitos", para o adestramento, para a disciplina, e em todos que se dedicaram a refletir sobre este mister.

John Dewey (1859-1932), que influenciou bastante a educação no ocidente industrializado, escreveu ser a História da Pedagogia a oposição entre a ideia de um desenvolvimento da pessoa, de um lado, e da formação para aquisição de capacidades e aperfeiçoamento de dons naturais para realizar produtos. A escola, assim, optaria no “treinamento” ou na “consciência” como objetivo de sua atividade.

Não foi isso que as escolas de Leonel Brizola-Darcy Ribeiro construíram.

Mas discutir o CIEP é debater a posição do homem na sociedade, e cobrar a participação nas decisões que cabem apenas ao povo e não a qualquer elite adotar ou impor.

Sócrates, muito menos lido e citado do que Platão e Aristóteles, queria exatamente isso, que ganhássemos, pelo conhecimento, a capacidade e sentíssemos, como membros da sociedade, a necessidade de contribuir pelo seu desenvolvimento, pela inclusão, pela vida melhor para todos.

O tempo e período de aprendizado será consequência, não o fim para a educação. E esta formará quem lute pelo Brasil, pela sociedade de todos e para todos, para que a energia e os recursos naturais sejam desenvolvidos e aplicados no Brasil, para termos não apenas a nação potencialmente rica, mas que esta propicie vida fecunda, gratificante e feliz para todos.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi professor universitário, participou do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), é atual Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.