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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 18 de março de 2024

Transição energética/ poder e farsas neoliberais de ontem e hoje

Segunda, 18 de março de 2024

O tolo casa boi com elefante”, provérbio da África Oriental (em Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, “Filosofias Africanas uma introdução”, 2012).

A política inglesa em relação aos povos que habitavam as áreas colonizadas foi, em regra geral, a do genocídio” (em Herbert Aptheker, “Uma Nova História dos Estados Unidos: A Era Colonial”, tradução de Maurício Pedreira para Editora Civilização Brasileira, 1967).

A transição energética para as primeiras energias, aquelas que auxiliaram o homem coletor-caçador e o já assentado homem agropastoril, é efetivo e verdadeiro retrocesso civilizatório. O caminho da espécie humana tem sido, com mais rápida ou lenta velocidade, pelo progresso contínuo no uso das fontes primárias de energia. Cada nova fonte vai promovendo maior desenvolvimento de tecnologias e, consequentemente, do conhecimento que se espalha por toda sociedade. O caminho do homem é o do desenvolvimento integral.

Começa com a descoberta do fogo, no alvorecer da espécie, há mais de 20 mil anos, passa pelas energias eólica, solar, das águas, dos fósseis, até chegar a da fusão nuclear, que hoje desenvolvem a República Popular da China (China), onde a pesquisa está mais avançada, e alguns países europeus, tais como França, Itália, Federação Russa (Rússia), além dos Estados Unidos da América (EUA).

Outra questão relativa ao domínio financeiro neoliberal diz respeito aos valores que circulam em torno do petróleo. Uma é o próprio preço do barril. Os analistas financeiros chegaram a prever, para 2024, o tipo Brent a mais de US$ 94,00/barril. No entanto, este ano ele tem oscilado entre US$ 80 e 84/barril. E a razão é só uma: a recessão que atinge o mundo ocidental, do Atlântico Norte.

A falta do suprimento da Rússia, diretamente devida à guerra que a OTAN trava contra este país na Ucrânia, seria motivo de aumento de preço. A empresa financeira Goldman Sachs atribui ao aumento da produção estadunidense, mas fica incongruente com as notícias dos crescimentos da energia fotovoltaica e eólica e com a recessão e desemprego nos EUA.

Vê-se portanto que as notícias oriundas do ocidente e dos países diretamente envolvidos em guerra não são confiáveis.

BREVE RELATO SOBRE AS ENERGIAS FÓSSEIS

A descoberta das Américas pelos europeus, nos séculos XV/XVI, provocou duas consequências quase imediatas: o maior genocídio da história, onde 90% da população nas Américas: do Norte, Central e do Sul, foram praticamente dizimadas e o rápido enriquecimento das potências europeias: Inglaterra, França. Espanha, Holanda e Portugal, com o ouro e a prata transferidos das Américas para os cofres de suas aristocracias.


Embora vigorassem as economias financeiras: a fundiária, ou seja, das terras, e a comercial prestamista, dos empréstimos; o enriquecimento trouxe como consequência a necessidade de mais produtos, o desejo de mais conforto, de mais luxo, que se espalhou pela sociedade com a demanda por serviços, por artesanatos e para insipiente industrialização.

Um resultado deste enriquecimento foi a descoberta do carvão mineral, fonte de energia mais poderosa do que a da queima de lenha, para mover máquinas e equipamentos. Este uso de carvão mineral, como fonte primária, é conhecido como Primeira Revolução Industrial (1760).

A Grã-Bretanha, extraindo cerca de 100 milhões de toneladas de carvão por ano, encabeçou a industrialização nesta fase que durou, aproximadamente, cem anos: 1760-1870.

Em 1876, os irmãos Nobel – Ludvig, Robert e Albert – fundaram a Nobel Brothers Oil Production Company que passa a produzir petróleo no Azerbaijão e no Turcomenistão. Entre 1877 e 1901, a empresa perfurou mais de 500 poços e produziu 150 milhões de barris de petróleo. Nos EUA, em 1859, são produzidos dois mil barris e, rapidamente, esta produção se eleva, chegando a dez milhões de barris em 1874. No Oriente Médio, o fundador da agência noticiosa Reuters, o barão teuto-britânico Paul Julius Reuter, negocia, em 1872, acordos com a Pérsia, que terão prosseguimento, em 1900, por William Knox d’Arcy, que dirigirá Anglo-Persian Oil Company (1909), mais tarde denominada British Petroleum (BP).

Vê-se, neste breve sumário, que nos últimos 30 anos do século XIX, o petróleo assume a condição de principal fonte de energia, quer pela quantidade de energia contida num barril, quer pela facilidade de transporte, quer, especialmente, pelo seu baixo custo.

E esta nova fonte irá permitir à industrialização assumir o protagonismo econômico e mudar os países detentores de maior poder.

A Primeira Grande Guerra consolida o fim da economia financeira e empodera a dominação da economia industrial, o que ficará ainda mais consolidado com a II Grande Guerra.

Ao fim de 1950, petróleo era o sinônimo de progresso e era procurado por todas nações.

As finanças, inconformadas com a perda de poder, iniciam campanha para desconstruir o petróleo, e criam o mundo de fantasias a respeito do seu uso, colocando até medo nas pessoas, com a falácia dos efeitos climáticos.

Basta estar atento ao número de erupções vulcânicas, tsunamis, movimentações tectônicas, ciclones e às explosões solares para concluir que a natureza está em intensa mudança. Não há força humana que se lhe oponha. É ridículo atribuir ao uso do petróleo, nos últimos 200 anos, as mudanças climáticas.

O PETRÓLEO E SEUS USOS

O petróleo é observado sobre a ótica de fonte primária de energia, porém é igualmente insumo industrial para diversificada gama de produtos: farmacêuticos, fertilizantes, detergentes, plásticos que substituem aço, tintas, solventes e uma miríade de equipamentos, de recursos domésticos, brinquedos e para instalações e objetos diversos.

Não se trata de mágica mas da composição de cadeias de carbono e hidrogênio, às quais se agregam nitrogênio, oxigênio, enxofre e diversos minerais que compõem as rochas sedimentares onde são formados.

O petróleo como energético reponde por 53% da matriz mundial (2021), estando o carvão mineral (27%), em segundo. Isto é, os combustíveis fósseis respondem por 80% das energias que movimentam as nações. E isso não se dá por qualquer acaso ou preferência ideológica ou religiosa.

É por serem as mais confiáveis e menos onerosas. Veja-se, por exemplo, as energias eólica e fotovoltaica. Elas são intermitentes, podem deixar hospitais, fábricas, residências desprovidas pelas simples questões da época do ano, geológicas e geográficas, ou seja, fora do controle humano.

Também a facilidade de manuseio e o custo de obtenção. Para que se tenha o equivalente a um metro cúbico de óleo combustível são necessárias 1.940 toneladas de carvão mineral. Em um barril de petróleo há 1.700 KWh de energia, não ao preço cobrado pelas concessionárias do Rio de Janeiro e São Paulo, ENEL Trading (US$ 400), mas a US$ 80, nunca superior, no século XXI, a US$ 120.

Por que então as campanhas midiáticas e das denominadas Organizações não Governamentais (ONGs) em favor de energias alternativas ao petróleo, mais especificamente, mas às fósseis, em geral? Pelo poder unipolar, global, do neoliberalismo.

Atualmente, o petróleo está distribuído quase integralmente em quatro polos. O de maior reserva (836 bilhões de barris, em 2020) está no Oriente Médio: Arábia Saudita (298 bilhões de barris), Irã, Iraque, Kuwait. O segundo maior polo compreende as reservas na América Latina, principalmente do país com a maior reserva mundial, a Venezuela (304 bilhões de barris, em 2020) e o pré-sal brasileiro, com valores muito reduzidos em face da avaliação geológica de mais de 100 bilhões de barris.

O terceiro polo compreende a Rússia e a Comunidade de Estados Independentes (CEI), surgida em 1991 do desmembramento da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Tem-se, em 2020, 146 bilhões de barris, 108 bilhões somente na Rússia.

O quarto polo está na África, que cresce com novos movimentos de independência e soberania, nesta terceira década do século XXI pelo continente. Os 125 bilhões de barris não representam adequadamente as reservas africanas; os trabalhos em Angola, no Sudão, na costa atlântica em torno da Guiné, indicam que muitos mais barris podem-se agregar a este número de 2020.

Nenhum dos quatro polos se submete aos interesses euroestadunidenses, como no passado recente do Consenso de Washington (1989).

Há, com a falência e descrédito no neoliberalismo, a ressureição fascista, de um lado, e, por outro, a defesa do mundo multipolar, com ressurgimento do nacionalismo, visto nos recentes discursos de Vladimir Putin, e na expressão “com características chinesas”, que acompanha as mensagens da direção da República Popular da China (China). Este país, não constituindo um polo petroleiro, tem reservas quase quatro vezes superiores a aquelas da Noruega, maior da Europa Ocidental.

ENERGIAS ALTERNATIVAS NA LUTA PELO PODER



As mídias, quase integralmente sob controle neoliberal, ocultam os prejuízos e ônus sociais e financeiros das energias alternativas às fósseis.

Os projetos mais divulgados tratam das energias eólicas e fotovoltaicas. A energia eólica em mar aberto chega a ser ridícula, pois o material empregado na construção depende intensamente do petróleo.

Os danos ambientais também são muitos, tanto na produção em terra quanto no mar, conforme relatos de auditorias nas produções nos EUA e no Canal da Mancha.

A questão que se coloca é: por que gastar mais para ter energia de pior qualidade, de menor densidade por unidade, de maior custo e que não substitui o petróleo, tanto no estado líquido quando no gasoso?

É uma questão de disputa pelo poder.

Os EUA adotaram um projeto de expansão do poder territorial, em 1845, denominado “Destino Manifesto”, termo criado pelo jornalista John Louis O’Sullivan. Havia um fundo religioso, como entre os judeus, que se acreditavam escolhidos por Deus. Os estadunidenses das 13 colônias, representado menos de 10% da área continental dos EUA atual, acreditavam que Deus os escolhera para civilizar o Continente.

O que efetivamente ocorreu foi a contribuição estadunidense para o imenso genocídio das populações americanas, ao lado dos espanhóis, franceses e portugueses. Reduzindo-as a 10% da existente em 1491.

A Doutrina Monroe, enunciada em 1823, veio impedir que nas América se constituísse outro país tão grande quanto os EUA. Recordemos que a Espanha dividira suas colônias administrativamente em vice-reinos: da Nova Espanha que congregava o México e toda América Central, exceto o Panamá; da Nova Granada, com o Panamá, Colômbia, Venezuela e Equador; do Peru, com o Peru, a Bolívia e o Chile; e do Rio da Prata – Argentina, Paraguai e Uruguai. Por todo século XIX estas antigas colônias espanholas passaram pelas lutas pela independência.

A Doutrina Monroe, além de servir para subjugar aos princípios estadunidenses a política e a ideologia das novas repúblicas americanas, estabelecia um toma lá, dá cá, com as potências europeias: elas não interfeririam nas Américas e os EUA fariam o mesmo na Europa.

Escapou desta minutiarização o Estado do Brasil, pela argúcia de Dom João VI ao transferir a sede do Reino de Portugal para o novo continente.

FRACASSO NEOLIBERAL E AS ENERGIAS

Não se passaram 50 anos e o neoliberalismo sofre derrotas em todo mundo. Das desregulações dos anos 1980 até as crises encerradas com da Argentina em 2002, os capitais financeiros recuperaram os gastos com corrupções e subornos das décadas anteriores e lançando títulos sem lastro se apossaram da maior parte dos recursos existentes nos paraísos fiscais. Estes proliferaram dos nove de 1980 para mais de 80, em 2014.

As privatizações e crises econômico-financeiras transferiram recursos públicos para empresas privadas, controladas por capitais financeiros. Se as finanças eram, até então, formadas por capitais tradicionais: fundiários, comerciais e prestamistas, passaram a conviver com novos capitais, de origem marginal, como de contrabando de drogas, de pessoas e outros crimes. E dispondo estes últimos da liquidez inexistente nos outros, não é difícil concluir que tendem a dominar nas decisões.

As guerras, tão ao gosto dos capitais prestamistas, estão sendo transformadas em governos protetores da produção de drogas e de lavagem de dinheiro, como estamos vendo acontecer no Equador e no Haiti. Será esta sociedade do crime e da corrupção, sucessora do mundo unipolar do Atlântico Norte, que os nacionalistas que pretendem o mundo multipolar enfrentarão doravante?

A ausência de lideranças no Ocidente, como De Gaulle, Olof Palme e Konrad Adenauer e mesmo assassinos como Winston Churchill e Henry Kissinger trava a possibilidade de saída para esta crise promovida pelo capital financeiro.

As perspectivas são sombrias como se observa com Israel praticando genocídio dos palestinos, mesmo tendo a região marítima fronteira a Gaza possíveis grandes reservatórios de petróleo, como ocorrem no polo Oriente Médio.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

Fonte: Pátria Latina —em 16 de março de 2024