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(Millôr Fernandes)

sábado, 16 de março de 2024

MPF denuncia quatro policiais rodoviários federais pela morte da estudante Anne Caroline Nascimento no Rio

Sábado, 15 de março de 2024

Órgão também quer prisão preventiva dos acusados, que devem responder por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e mais dois crimes

Arte: Comunicação/MPF

Do MPF
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou quatro policiais rodoviários federais pela morte da estudante de enfermagem Anne Caroline Nascimento Silva, de 23 anos, ocorrida em junho do ano passado. A jovem voltava de um restaurante com o marido quando foi atingida por um dos oito tiros de fuzil disparados contra o carro em que estava, na Rodovia Washington Luiz, no Rio de Janeiro. Anne Caroline chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos. Na denúncia, o MPF pediu a prisão preventiva dos quatro policiais.

Os quatro agentes da PRF devem responder por homicídio qualificado, crime cuja pena pode chegar aos 30 anos de reclusão. Eles ainda foram acusados de cometer fraude processual, tentativa de homicídio e lesão corporal grave na modalidade culposa, já que um dos tiros atingiu um Corsa Max que também seguia pela Washington Luiz, ferindo a diarista Claudia dos Santos. Ela foi atendida, passou por cirurgias e precisou ficar afastada do trabalho.

Na denúncia, o órgão ministerial narra que os policiais rodoviários federais Thiago da Silva de Sá, Jansen Vinícius Pinheiro Ferreira, Diogo Silva dos Santos e Wagner Leandro Rocha de Souza estavam de plantão no 17 de junho de 2023. Por volta das 22h, segundo depoimento de Alexandre Mello, marido de Anne Caroline, uma viatura policial, com os faróis apagados, se aproximou do Jeep Renegade que ele dirigia e passou a perseguir o carro. Pouco depois, os policiais ligaram o giroflex e, sem que houvesse tempo para ordem de parada ou qualquer outra forma de abordagem policial adequada, iniciaram a sequência de oito disparos de fuzil.

Sete tiros atingiram o Jeep Renegade e um deles feriu Anne Caroline. Imediatamente, Alexandre parou o carro e saiu com as mãos levantadas. Ao perceberem que havia uma pessoa ferida, um dos policiais assumiu o volante do Jeep e dirigiu para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, localizado no Bairro da Penha, Rio de Janeiro, com a viatura policial seguindo atrás. Enquanto Anne Caroline era atendida, os quatro policiais teriam adotado atitude de intimidação para com Alexandre, numa espécie de interrogatório prévio e informal. A jovem chegou ao hospital às 22h45 e teve a morte declarada às 2h50 da manhã.

Homicídio qualificado – Na denúncia, o MPF informa que o homicídio de Anne Caroline é qualificado, uma vez que a vítima não teve nenhuma chance de defesa, pois “os sete projéteis que atingiram o Jeep Renegade Sport foram disparados pela traseira do veículo, por meio de um fuzil de assalto de longo alcance e grosso calibre”. O órgão sustenta que os quatro policiais devem responder pelo crime, embora apenas um tenha feito os disparos. “A autoria delitiva não se resume à prática da ação nuclear descrita no tipo penal. Basta que haja prévia confluência de vontades para que se configure o liame subjetivo necessário à configuração da coautoria”, explica o procurador da República Eduardo Benones. Além disso, depoimentos mostram que o policial autor dos tiros teria sido instigado pelos colegas a disparar.

“Disparar oito tiros de fuzil contra a traseira de determinado veículo em movimento que, evidentemente, estava sendo conduzido por alguém, é um inegável atentado contra a vida”, afirma Eduardo Benones. O procurador da República sustenta que, ao atirar, os policiais teriam assumido o risco de matar alguém, circunstância que motivou a denúncia pelo crime de tentativa de homicídio no caso de Alexandre. Para o MPF, a morte do motorista do Jeep Renegade só não ocorreu por “circunstâncias alheias à vontade dos denunciados”.

Já no caso da diarista Claudia, que, de fato, foi ferida, o crime apontado é lesão corporal grave culposa. A denúncia destaca que a pena poderá ser aumentada em um terço se o agente não procurar diminuir as consequências do seu ato. “Ao longo das investigações, não foram encontrados indícios de que os denunciados tenham tomado qualquer providência para minimizar as consequências das lesões corporais suportadas por Claudia dos Santos”, explica o procurador.

O MPF sustenta ainda que, ao assumir o volante do carro alvejado e sair do local, os policiais denunciados teriam violado o dever funcional de isolar o local do crime e preservar os vestígios deixados na via e nos veículos envolvidos, o que configura fraude processual. De acordo com a denúncia, havia um destacamento da polícia a pouca distância do local. Os policiais rodoviários federais envolvidos poderiam ter pedido reforços para socorrer a vítima e, ao mesmo tempo, preservado o local do crime, atitude que é dever de qualquer autoridade naquela situação.

Prisão preventiva – Ao pedir a prisão preventiva dos quatro acusados, o MPF destaca que os depoimentos registram que os policiais teriam tentado intimidar Alexandre no dia do crime, enquanto Anne Caroline era atendida no hospital. Para Eduardo Benones, os “fatos objeto da presente investigação são de extrema gravidade, tendo sido cometidos, não só com violência e grave ameaça, mas no contexto de abuso da atividade policial”. De acordo com ele, os denunciados “no exercício de suas funções, valeram-se dos meios e recursos providos pelo Estado para a prática de crimes em flagrante violação de seus deveres funcionais, sendo evidente que suas condutas justificam, de maneira veemente, a prisão preventiva”.

O MPF pede, além do recebimento da denúncia e da condenação dos quatro policiais, indenização para reparação dos danos morais e materiais causados a Alexandre e Claudia, nos valores de R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão, respectivamente.