Quarta, 7 de dezembro de 2011
Da "Esquerda.net"
Várias cidades francesas adotaram medidas contra
os mendigos nos últimos meses. Na Alemanha, a instalação de uma vedação
para impedir os sem-abrigo de pernoitarem debaixo de uma ponte de
Hamburgo suscitou protestos. Por toda a parte, os sem-abrigo são
empurrados para fora dos centros das cidades por cercas, multas ou
milícias privadas.
Por Christian Jakob
Ponte Kersten-Miles em Hamburgo, na faixa pode ler-se: Exclusão!
A 17 de outubro, a cidade de Marselha aprovou uma portaria
antimendicidade para a quase totalidade do centro da cidade. Alguns dias
antes, a prefeitura de Paris proibiu a mendicidade nos Campos Elísios.
Outras medidas do mesmo tipo foram tomadas pelos presidentes das câmaras
de Nogent-sur-Marne (Val-de-Marne) e La Madeleine (Nord). A
municipalidade de Beauvais (Oise) teve mesmo a ideia de levar a tribunal
os sem-papéis instalados debaixo de uma ponte!
Este tipo de medidas não é específico da França. Em Hamburgo, a segunda
cidade alemã, a autarquia do bairro de Saint-Pauli desembolsou 18.000
euros em Agosto passado para erigir uma cerca por baixo da ponte
Kersten-Miles, onde dormiam pessoas sem-abrigo. Depois de fortes
protestos, a cerca foi finalmente removida no fim de setembro.
A caça aos sem-abrigo vai provavelmente prosseguir na Alemanha. Desde o
dia 1 de novembro, a Deutsche Bahn (o principal operador ferroviário)
dispõe de um “direito especial de utilização” dos terrenos em redor da
estação. Contra o pagamento de uma taxa, a sociedade dos caminhos de
ferro ficou com o direito de usufruto de uma zona até aqui pública. As
empresas privadas de segurança poderão agora decidir expulsar quem
queiram. Este procedimento poderá ser estendido a gares noutras cidades.
Para Stefan Karrenbauer, trabalhador social no jornal dos sem-abrigo de
Hamburgo Hinz & Kunzt, a vedação na ponte é “uma primeira
no país”. Mas as diversas tentativas de banir os sem-abrigo da cidade
“voltam regularmente”.
22.000 pessoas na rua
Na Alemanha, mais de 240.000 pessoas não têm habitação fixa, segundo os últimos dados publicados em novembro pelo agrupamento de associações BAWG (Bundesarbeitsgemeinschaft Wohnungslosenhilfe). São mais 10% do que em 2008. 22.000 encontram-se verdadeiramente na rua.
Segundo o diretor da BAWG, Thomas Specht, este número poderá descer
“para um nível mínimo” dentro de alguns anos somente graças a um
trabalho social de rua consequente e a uma política de construção de
habitação. Mas, para o militante, é também uma consequência do processo
de gentrificação (valorização imobiliária), que acontece em numerosas
cidades alemãs. As casas aumentam a seguir a “modernizações excessivas”.
As “habitações normais” tornam-se raras e a Alemanha não constrói
suficiente habitação social para compensar. “Em seguida, a pressão
aumenta também sobre a rua”, constata Thomas Specht.
Regulamentos de rua...
A vida torna-se então ainda menos confortável para aqueles que pouco
têm. E não só desde que a Deutsche Bahn começou, no quadro da sua
privatização, a vender as suas gares como centros comerciais. “As
condições de vida nos centros das cidades estão sempre mais submetidas
ao diktatdo consumo”, lamentava já em 2003 o diretor do serviço
de apoio à habitação da Caritas. Entre os meios de fazer pressão sobre
os mais pobres, os “regulamentos de rua” espalharam-se pelo país. “Quase
todas as grandes cidades adotaram um destes textos indignos nascidos de
um furor burocrático de regulamentação”, constatava ainda a Caritas.
Atividades totalmente legais na Alemanha, como a de dormir em parques ou
espaços públicos, ou consumir álcool em pé tornaram-se assim
“utilizações particulares” dos locais públicos, e portanto, proibidas.
Em caso de infração, há a multa.
A maior parte destes regulamentos de rua surgiram nos anos 90. Os
debates da época são reveladores. A teoria americana das “janelas
partidas” (segundo a qual os mais pequenos problemas de degradação do
espaço público devem ser rapidamente tratados para não evoluírem para um
estado de degradação geral de bairros inteiros) encontrou adeptos na
Alemanha. “Onde há lixo também há ratos e onde reina a degradação também
há escória”, declarava, por exemplo, o deputado berlinense conservador
Klaus-Rüdiger Landowsky no parlamento local.
Os ladrões reincidentes banidos do centro
Em 1996, o antigo ministro federal do interior, o conservador Manfred
Kanther, tinha lançado com a sua “ação securitária” a primeira pedra dos
regulamento de rua e das parcerias para a ordem pública, que põem a
trabalhar em conjunto empresas de segurança privadas, comerciantes e
administrações municipais. À ação de segurança foi atribuído como
objetivo “a defesa da ordem pública contra os desordeiros”. Os seus
efeitos são visíveis ainda hoje. Mas é sobretudo pela interdição da
mendicidade que muitas cidades esperam desembaraçar-se dos indesejáveis.
Porém, vários tribunais decidiram que a mendicidade deve ser aceite
como um “fenómeno social”. Resta o conceito vago de “mendicidade
agressiva”, que se impôs nos regulamentos de rua.
egundo um estudo de Titus Simon, da universidade de
Magdeburgo-Stendal, 72% de 616 cidades alemãs sondadas indicaram ter
adotado tais regulamentos no final dos anos 90. Em 2005, a cidade de
Colónia ameaçou mesmo multar os que catavam o lixo – os sem-abrigo que
procuravam garrafas recicláveis. Os protestos impediram no entanto esta
medida.
A cidade de Celle, na Baixa Saxónia, foi mais longe. Desde os finais
dos anos 90, os ladrões de lojas reincidentes foram proibidos de entrar
na cidade. Se têm lá a sua habitação principal, deixaram de poder ir à
cidade velha e ao centro. “Nós fomos os percursores”, afirma o porta-voz
da municipalidade. Todos os anos, a cidade de Celle aprova cerca de 14
destas interdições, válidas por um ano. A infração custa 250 euros. “Em
geral, estas medidas dizem respeito a toxicómanos”, continua o
porta-voz. A cidade não conta mudar de prática, apesar da associação
BAGW a considerar contrária à Constituição. Mas os toxicodependentes
raramente processam as administrações vexatórias.
As gares, locais de encontro como os outros
Os municípios também atacam os sem-abrigo por meio de estratégias de
construção: sistemas de rega, planos íngremes, bancadas curvas, blocos
de cimento colocados nas superfícies planas, grades afiadas em torno dos
edifícios. “O mundo está cheio de arquiteturas que tornam a vida mais
difícil aos sem-abrigo”, constata Stephan Nagel, da Obra diaconal alemã.
Em Paris, o coletivo de artistas Survival Groupassumiu como missão o combate a este mobiliário urbano. “O espaço efetivamente público é capturado de maneira autoritária”, explica Arnaud Elfort, do Survival Group”: “Estas instalações modificam a atmosfera social. A cidade torna-se ameaçadora.”
A política de repressão conheceu no entanto um revés jurídico na
Alemanha, pelo menos para as gares. Em fevereiro passado, o tribunal
constitucional federal declarou que os equipamentos de transporte em
parte públicos continuam a ser “locais de encontro públicos”.
Concretamente, esta decisão permitiu realizar-se uma manifestação no
aeroporto de Frankfurt. “É uma excelente decisão jurídica, segundo
Wolfgang Hecker, professor de direito da Escola superior de polícia e da
administração de Hesse. Se o direito fundamental de liberdade de
reunião está garantido, isso vale sem dúvida ainda mais para o simples
direito de passar algum tempo nas gares”. As consequências são claras:
“A ninguém pode ser recusada a entrada numa estação simplesmente porque a
pessoa não se insere no conceito de marketing da Deutsche Bahn,
limitado ao consumo e ao transporte”.
Christian Jakob
Artigo publicado em Jungle World a 20 de outubro de 2011. Traduzido para francês e adaptado para Basta! por Rachel Knaebel. Traduçãode francês para português de Carlos Santos para o esquerda.net
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Este número engloba as pessoas que ficam em abrigos de emergência ou
num alojamento fornecido pelos municípios sem contrato de arrendamento.