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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

2011: Imobilismo do movimento social permite nova ofensiva do grande capital

Quarta, 28 de dezembro de 2011
Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito
da Redação  do "Correio da Cidadania"

2011 encerra-se no Brasil, e no mundo, com muita história pra contar. Um ano que talvez seja tomado, em futuro nem tão distante, como sintético, na medida em que para ele confluiu uma série de acontecimentos marcantes, diversos e simbólicos, nos planos nacional e internacional. E também um ano paradoxal, já que pleno de uma efervescência popular em escala global que ainda não encontrou a sua plena significância.

A primeira mulher presidente do Brasil, Dilma Rousseff, não contou com a maré mansa na economia mundial que brindou, e blindou, seu antecessor na maior parte de seu mandato. Já em meados de 2011, a crise econômico-financeira mundial, que explodiu bombasticamente em 2008, saiu do aparente estado de dormência que era insinuado aos olhos do público. Os Estados Unidos e os países do velho continente passaram a amargar a quebradeira de seus orçamentos públicos, como conseqüência inevitável do pronto socorro que prestaram aos grandes bancos e grupos econômicos que ameaçavam falir a partir de 2008.

Da Primavera Árabe ao Ocupe Wall Street, no seio do Império, a população mundial mostrou a sua cara de intolerância crescente contra regimes ditatoriais de seus países e, principalmente, contra a ditadura da ortodoxia financeira. Ortodoxia que, mal iniciado 2011, e antes mesmo do recrudescimento da crise financeira mundial, irrompeu na política econômica de nosso país, com o corte de mais de 50 bilhões de reais no orçamento.

Tomando-se os retrocessos ambientais e sociais como os mais eloqüentes, em escala global, em momentos de recrudescimento no conservadorismo, o Brasil constitui exemplo digno de nota. Em 2011, foram notórios e emblemáticos os retrocessos na área ambiental – tomem-se Código Florestal, hidrelétrica de Belo Monte, genocídio indígena no Mato Grosso do Sul, grilagem de terras, políticas para os transgênicos.

Nosso escolhido como entrevistado especial para este abrasador final de ano é, portanto, o geógrafo da USP Ariovaldo Umbelino, um reconhecido estudioso dos processos ambientais de nosso país, tomados a partir de sua interconexão com a lógica e o histórico político, econômico e social - sempre marcado pelos falsos avanços de uma ‘modernização conservadora’, e pela ausência de consciência da sociedade civil quanto às reais intenções e procedimento das elites.

A tão aclamada, e jamais efetivada, reforma agrária é para Umbelino um exemplo clássico deste histórico. Trata-se, na visão do geógrafo, do único instrumento político que o Estado tem pra submeter a propriedade privada da terra ao cumprimento de sua função social, além de se constituir como único caminho que o país e a sociedade brasileira possuem na construção de uma política de soberania alimentar, de produção de alimentos para a sociedade. No entanto, reduziu-se na atualidade a uma luta levada a cabo unicamente pelos camponeses e posseiros, que passa ao largo dos movimentos sociais organizados, incidindo em um aumento brutal no número de conflitos e assassinatos.

Enfim, este é apenas um dos retratos da barbárie brasileira, que tem como seu maior substrato a incompreensão do Estado e, atualmente, do próprio Partido dos Trabalhadores, “que prometeu ao longo de toda sua história, desde sua formação, a reforma agrária como ação estrutural capaz de resolver o problema da pobreza e da miséria dessa parcela do campesinato brasileiro; 47% dos miseráveis estão no campo. E o governo não tem política de reforma agrária!”.

Mediante o descumprimento total das leis e da Constituição, com a conivência do Judiciário, Umbelino ressalta a urgência de que “a sociedade civil entenda todas essas contradições que vivemos e comece a elaborar cada vez mais Ações Civis Públicas no sentido de encurralar os governantes descumpridores da Constituição”.

Correio da Cidadania: Oito anos se passaram com Lula e agora finda o primeiro ano de Dilma, a primeira mulher a presidir o país. Como avalia, no geral, este primeiro ano transcorrido, à luz dos oito anos anteriores de um presidente que foi simbólico naquilo que se considerava como uma promessa de transformação? Como avalia, enfim, a condução do governo em áreas essenciais como as sociais, econômicas, políticas e ambientais?

Ariovaldo Umbelino: É preciso registrar que houve estratégias de enfrentamento à crise econômica mundial, tais como o alargamento do consumo via redução de impostos. Houve também alguns avanços na política social, certa queda no desemprego em função das obras da construção civil geradas pelos programas do governo – O PAC e o Minha Casa, Minha Vida. Houve aumento das exportações à China, nosso principal parceiro comercial. Deu-se continuidade ao Bolsa-Família, ao programa de aquisição de alimentos que permite aos agricultores camponeses, familiares, fornecer sua produção agrícola a merendas escolares e creches. De certo modo, tivemos elevação na renda familiar e ascensão da base da pirâmide social brasileira.

Mas é preciso dizer que não ocorreu nenhuma mudança estrutural, ou seja, apenas se redistribuiu uma pequena parte dos tributos arrecadados pelo Estado. Como gosta de afirmar o professor Chico de Oliveira, uma pequena parte do fundo público foi redistribuída socialmente - mas uma pequena parte.

E há exemplos inversos, em que o governo atuou no sentido contrário às ações que citei. Por exemplo, a reforma agrária foi substituída pela contra-reforma-agrária. Isto é, ao invés de optar pela reforma agrária e promover a distribuição de terras, o governo optou pela legalização das terras públicas griladas do INCRA na Amazônia legal – decorrência das MPs 422 e 458.


Outro ponto: não se elaborou o 3º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). O Brasil não tem mais um PNRA, o que significa que o governo só fará a reforma agrária se quiser, pois não há obrigação política, comprometimento do Estado. Ainda que a Constituição mande fazer a reforma agrária, o governo não tem o instrumento político para isso, que é o PNRA.

E o que é mais incrível nesse processo de contramarchas do governo petista é seu principal programa, de combate à extrema pobreza (Brasil Sem Miséria); 47% desses pobres que o governo brasileiro chama de “extremamente pobres” (se olharmos os parâmetros e dados da ONU, veremos que são chamados de “miseráveis”) estão na área rural, particularmente do Nordeste. Mas o plano da Dilma não fala da reforma agrária como solução estrutural de combate à miséria!

O que vemos é a continuação da concentração de terras, uma das razões estruturais, simultaneamente, da concentração da renda e, conseqüentemente, do aumento da pobreza. E o governo não ter feito as reformas estruturais é um grande dilema, pois, na hora em que as famílias saírem do Bolsa Família, não terão como se envolver em atividades produtivas geradoras de renda, capazes de resolver o problema da pobreza no Brasil.