Quarta, 8 de setembro de 2010
Por Ivan de Carvalho

O ministro da Fazenda e a Receita Federal mesmos se encarregam de proclamar que o crime de violação do sigilo fiscal e de agressão à garantia constitucional que protege este sigilo é uma rotina, uma coisa corriqueira. E revelam-se números espantosos, que de fato confirmam aquela proclamação.
É verdade que tal proclamação e esses números em nada ajudam a encobrir a motivação e a origem da violação do sigilo fiscal de uma filha do principal candidato da oposição a presidente da República, José Serra. Aliás, o sigilo fiscal dela foi objeto de duas violações, em duas ocasiões diferentes e a partir de lugares diversos.
Em um dos casos de violação do sigilo fiscal de Verônica Serra houve até uma procuração falsa, com reconhecimento de firma falso, supostamente em cartório no qual a filha do candidato tucano não tem firma registrada, configurando um outro ilícito penal – procuração que tanto pode ter sido falsificada para obter fraudulentamente os dados como para encobrir a ilegalidade da violação do sigilo.
Junte-se a isso a violação, por várias vezes, do sigilo fiscal de Eduardo Jorge, vice-presidente nacional do PSDB e com parentesco por afinidade com Serra, bem como de quatro outras pessoas ligadas a ele por laços familiares ou políticos (caso do ex-ministro das Comunicações, Mendonça de Barros).
Ante tal quadro, seria infantil esperar que alguém minimamente informado incluísse a blitz político-eleitoral sobre o sigilo fiscal dessas pessoas ligadas a Serra e/ou ao PSDB à conta de uma rotina, um amplo balcão de negócios onde a mercadoria é a violação do sigilo fiscal dos contribuintes.
O balcão existe, sim, quanto a isto acredito no ministro da Fazenda e na Receita Federal. Mas é óbvio que as violações no entorno do candidato a presidente José Serra constituíram uma ação política com objetivo eleitoral específico e tão coordenada quanto maligna.
Maligna porque a espionagem clandestina (existe a que não é clandestina, quando autorizada por autoridade competente, mas também esta eventualmente pode ser maligna) com fins eleitorais agride e vicia a democracia assim como a obtenção de confissões mediante tortura sempre agrediu e viciou os julgamentos em que tais confissões foram aceitas, desde os tempos da Inquisição, e antes. Pode haver – por enquanto – diferenças de natureza e grau de malignidade entre os dois fenômenos, mas nenhuma diferença ética.
Até porque a espionagem criminosa, bem como a espionagem legal se não é praticada (e isso tem ocorrido amplamente) com o respeito total aos requisitos constitucionais vai, caso não seja punida e debelada, corroer os pilares de uma sociedade livre e plantar a semente de alguma ditadura, onde a tortura certamente terá amplo espaço.
Daí que é temerário, também, o presidente da República, em um comício de sua candidata, fazer, como fez, brincadeiras e ironias com esses flagrantes de violação de sigilo fiscal e as confissões de seu ministro da Fazenda e da Receita Federal. O assunto é muito sério para não ser levado a sério por qualquer pessoa que seja séria.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.