Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Controle e liberdade de imprensa

Segunda, 29 de novembro de 2010
 Por Ivan de Carvalho
    O governo federal incorporou a diretriz programática do PT de que os meios de comunicação social devem ser submetidos a um “controle social” cuja definição pode ir de algo perigosamente amplo a absolutamente indefinido.
    Tentativas iniciais foram feitas durante o primeiro mandato do presidente Lula, com a tentativa de criação do Conselho Nacional de Jornalismo (que teria filhotes em cada unidade da Federação), sob a alegação de que apenas atendia-se a uma reivindicação dos jornalistas, por intermédio da Fenaj, quando se sabe muito bem que a Federação Nacional dos Jornalistas é colonizada por facções políticas, como, de resto, ocorre com sindicatos relacionados com numerosas atividades profissionais no Brasil. O citado conselho viria acompanhado de uma tal Ancinav – Agência Nacional de Cinema e Audiovisual –, o outro braço do controle que se pretendeu estabelecer então.
   Pode-se dizer que a colonização político-partidária de entidades de representação de categorias profissionais é um fenômeno de amplitude mundial. Daí que é preciso extremo cuidado quando entidades que oficialmente representam a atividade ou os profissionais do jornalismo passam a defender controles – a exemplo do tal “controle social” – sobre a atividade de comunicação social, o que compromete a liberdade de imprensa, aspecto mais vital, alicerce sem o qual ruirá toda a liberdade de expressão. Já escrevi aqui e repito: nenhuma liberdade sobrevive à morte da liberdade de expressão. Quem não gostar desta, gosta é de ditadura.
   A partir de dezembro de 2009, com a realização da Confecom (uma conferência de comunicação convocada pelo presidente Lula, que fez “recomendações” a serem implementadas), começou uma ofensiva muito mais ampla do que a tentada e fracassada no primeiro mandato do presidente Lula. O debate está aberto e esquentando. E vale registrar, além da frase arrogante do ministro Franklin Martins, lembrada pelo deputado democrata Gaban – “Com discussão ou sem discussão, nós vamos fazer” –, algumas outras observações de pessoas que exercem ou exerceram funções capazes de lhes dar uma visão multifacetada do problema.
   Uma, do ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito, praticamente repetindo o que já dissera dias antes, no julgamento de um mandado de segurança impetrado pela Folha de S. Paulo, o ministro Artur Vidigal de Oliveira, do Superior Tribunal Militar: “Não existe liberdade de imprensa pela metade”. Ayres Brito, em um seminário sobre liberdade de imprensa, dia 26, afirmou: “Para a nossa Constituição, a liberdade de imprensa não conhece meio termo, não é uma liberdade pela metade. Ou é total ou não é liberdade de imprensa”.
    No mesmo dia e no mesmo evento, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ser “impossível” não haver regulação da mídia no que diz respeito aos meios de difusão, “inclusive por causa das novas tecnologias e da convergência entre plataformas, que requerem alguma regulação”, mas destacou que o controle do conteúdo “é contrário ao espírito da democracia”. Acrescento: e à letra da Constituição, em suas cláusulas pétreas, o que o ministro do STF Ayres Brito seguramente tinha em mente quando fez sua assertiva (olhaí, palavra da moda).
    Com sua experiência de presidente da República durante oito anos, FHC disse que a regulação (técnica) dos “meios de difusão” deve demorar “muito tempo” e não deve ser colocada “goela abaixo” do Congresso e do país. “Estamos misturando a necessidade eventual da organização dos meios de difusão com aquilo que não requer regulação, que é o conteúdo”, ressaltou. FHC atacou o “monopólio estatal”, que considerou mais perigoso do que o monopólio privado, aos discorrer sobre os riscos da liberdade de imprensa. “Acho que o monopólio estatal é tão ruim quanto o monopólio privado. O risco maior é o do monopólio estatal, porque o Estado tem mais poder hoje em dia do que qualquer parte da sociedade".
    E, depois de outras observações muito pertinentes, o ex-presidente afirmou: “Eu ouvi, quando vinha para cá, as declarações do Franklin Martins. Um pouco impositivas. ‘Vai na marra’. Não, não vai na marra, não”. E concluiu que o PT “gosta muito de falar” em controle social. “Dá impressão que é uma coisa boa porque é social. Controle é sempre perigoso”. Mas lembrou que nem só o PT quer controlar a mídia – referiu-se a “Estados querendo criar conselhos” para isso.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.