Quarta, 17 de novembro de 2010
Por Ivan de Carvalho
A liberdade de imprensa obteve ontem uma vitória indiscutível, ainda que atrasada. Como na oração latina Libertas quae será tamen, retirada de Virgilio pelos Inconfidentes para a bandeira da república que imaginavam fundar e afinal tornando-se a marca profunda da bandeira de Minas Gerais, estado natal da presidente eleita Dilma Rousseff.
A vitória, ainda que tardia, da liberdade, no caso, a de imprensa, veio ontem com a decisão do Superior Tribunal Militar, por dez votos contra um, desautorizando decisão do presidente do STM, ministro Carlos Alberto Soares, que recusara o acesso do jornal Folha de S. Paulo ao processo que levou à prisão – nos tempos do regime militar e da insurgência armada – de Dilma Rousseff.
O ministro Soares, mesmo diante de mandado de segurança impetrado no STM pelo jornal, negou-se reiteradamente a permitir o acesso ao processo que trancara no cofre da presidência da corte, sob a alegação de que queria evitar que se fizesse “uso político do caso”.
Ora, a Folha queria exatamente levar a seus leitores, antes das eleições presidenciais de 3 e de 31 de outubro, as informações que considerasse importantes no processo, exatamente para que, eventualmente, isso pudesse ser um dos elementos de decisão dos eleitores quanto ao voto que dariam ou não para presidente da República – e, mais especificamente, claro, em relação a Dilma Rousseff.
Não teve jeito. O presidente do STM não cedeu e o tribunal não julgou o mandado antes do primeiro turno. A votação foi suspensa duas vezes. A última, em outubro, antes do dia 31 (dia do segundo turno), mas nesta segunda votação no STM já havia se imiscuído no caso a Advocacia Geral da União (que até então não entrara e resolveu pedir para entrar no processo) e fez um pedido de vistas na sessão de julgamento, quando este estava no escore de dois votos contra dois. O pedido de vistas, é claro, empurrou o julgamento do mandado de segurança para depois da realização do segundo turno, objetivo evidente da AGU, que coincidia com o objetivo principal do presidente do STM.
Na nova sessão de julgamento, ontem, um dos ministros que votaram pelo indeferimento do mandado de segurança da Folha mudou de posição e votou a favor. Só votou contra o acesso do jornal o relator do processo, Marcos Torres, alegando que tal acesso iria invadir a intimidade e a privacidade da presidente eleita. A ministra Maria Elizabeth Rocha, que assessorou Dilma na Casa Civil, votou pela publicidade do processo, mas fez a ressalva de que todo e qualquer relato de tortura deveria ser mantido sob sigilo, para se preservar a intimidade dos envolvidos. O argumento também foi rejeitado pelo tribunal. "Não existe liberdade de imprensa pela metade", disse o ministro Artur Vidigal de Oliveira.
O jornal reclamara, no mandado de segurança, seu direito de acessar os autos do processo, evidentemente já encerrado. Na votação de ontem, um dos argumentos bastante usados foi o de que se trata de um “processo histórico”, de modo que o veto ao acesso do jornal e conseqüente publicação configurava censura, ferindo a liberdade de imprensa e, portanto, a Constituição (em suas cláusulas pétreas, entre as quais está a liberdade de expressão).
Em teoria, só a Folha se beneficia da decisão, podendo ter acesso ao processo, pois só este jornal litigou e venceu no STM. Mas se é um “processo histórico” e se impedir o acesso é censura e agride a liberdade de imprensa, difícil é imaginar que a teoria, na prática, não seja diferente. E se “não existe liberdade de imprensa pela metade” no sentido de poder divulgar uma coisa e outra não, também não deve prevalecer a idéia de que – parafraseando George Orwell em Animal Farm (A Revolução dos Bichos) – os veículos de comunicação são livres, mas uns são mais livres do que outros. Uns, livres “com acesso” e outros, livres, “sem acesso”.
Já que liberou para um, o STM deve liberar para todos. E afinal teremos um pouco mais de conhecimento, ainda que tardio, no sentido de que não será da candidata, mas já da presidente eleita e brevemente empossada.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.