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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quebra de paradigma

Quinta, 11 de novembro de 2010
Por Ivan de Carvalho
    Na disputa, que já começou, pelas presidências da Câmara e do Senado na próxima Legislatura, o PT introduziu ontem uma tese fundada em lógica muito discutível, para dizer o mínimo.
    Para tornar mais clara a ausência de fundamento lógico da tese petista, supostamente levantada pela bancada do partido na Câmara dos Deputados e já comunicada ao presidente nacional da legenda, José Eduardo Dutra, vale uma breve memória sobre o comando das duas casas do Congresso Nacional na atual Legislatura, que está para terminar.
    Foi assim. No Senado, onde o PMDB teve e tem nesta Legislatura a maior bancada e o regimento interno prevê que a maior bancada partidária indica o candidato à presidência (alguém pode desafiar essa indicação, pois se trata de eleição a ser decidida por voto secreto), esse partido tevê a presidência tanto no primeiro quanto no segundo biênio da Legislatura. Não houve contestação, reivindicações em contrário nem desafios.
    Na Câmara, o regimento não prevê nada a respeito, mas a tradição – não raro desafiada e até efetivamente contrariada – é também de que a maior bancada partidária indica o presidente, indicação a ser acatada pelas demais bancadas (a decisão final é sempre da votação pelo plenário, naturalmente). E, como no Senado, também na Câmara o PMDB teve e tem, na atual Legislatura, a maior bancada.
    Mas, generoso que só ele mesmo, o partido de Ulysses Guimarães, perdão, de Michel Temer, decidiu dividir suas regalias com o PT, numa óbvia gentileza ao governo Lula, ao qual quis se aliar após as eleições de 2006. Dão, cedeu ao PT o “direito” de indicar o presidente da Câmara dos Deputados para o primeiro biênio, reservando-se a presidência da Casa no segundo biênio. Tudo isso absolutamente independente do que se fazia na outra Casa do Congresso, o Senado Federal.
    O PT gostou do “acordo” de mão única, aproveitou e gozou de seus benefícios. Mas agora vai começar uma nova Legislatura e a situação mudou. Não no Senado, onde a bancada do PMDB continuará sendo a maior e com o “direito” regimental e a tradição de indicar o presidente da Casa. Mudou na Câmara, onde o PMDB não terá mais a maior bancada, mas a segunda, com 79 deputados, pois a maior será a do PT, com 88 deputados.
    Esta circunstância daria ao PT, não pelo regimento da Câmara, que, como assinalado, nada diz a respeito, mas pela tradição, desafiada com freqüência, o privilégio de indicar o presidente da Casa para os dois biênios da Legislatura. Mas é então que vem o PMDB e cobra: quando tinha direito à presidência em dois biênios na Câmara, cedeu o primeiro biênio ao PT. Agora quer reciprocidade: o presidente da Câmara no primeiro biênio seria um peemedebista. Conversando, conversando, quem sabe, o PMDB até poderia aceitar – mesmo sabendo que o futuro é incerto e a Deus pertence – um acordo que lhe dê a presidência da Câmara somente no segundo biênio.
    Até aí, tudo estaria dentro da normalidade. Mas então chega o PT, por sua bancada na Câmara – creio que acionada por controle remoto – e, revolucionariamente, quebra o paradigma: presidência da Câmara para o PMDB em um biênio, sim, mas só se o PMDB ceder ao PT a presidência do Senado (que não havia entrado na história) por um biênio.
    Não se trata de reciprocidade do PT a uma liberalidade feita pelo PMDB. Mas o paradigma quebrado para uma troca de presidências de Câmara e Senado, fazendo de conta que nenhuma concessão o PMDB fez na Câmara ao PT na atual Legislatura ou que o PT não tem nenhuma “obrigação moral” de retribuir a gentileza.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.