Sábado, 5 de fevereiro de 2011
Por Ivan de Carvalho

Bem, certamente ocorreu aí uma falta de respeito, não tanto aos veículos de comunicação social, ainda que também a eles, mas à população brasileira e especialmente aos pelo menos 30 por cento de cidadãos brasileiros que habitam no Nordeste e na parte do Norte atingida pelo blecaute. As pessoas foram deixadas duplamente nas trevas, sem a capacidade de tentar fazer um planejamento pessoal mínimo para enfrentar o apagão, por sequer terem uma estimativa do governo – ao menos das autoridades da área elétrica – sobre as perspectivas de normalização, no tempo e lugares, do fornecimento de energia. Pessoas, indústrias e centros industriais, transportes e sistemas de controle de trânsito, hospitais precisavam desesperadamente de esclarecimentos de emergência que ninguém apareceu para dar. Ou todos se esconderam para não dar.
Não é este, no entanto, o “outro apagão” a que pretendia me referir ao escolher o título para estas linhas. A idéia veio de um dos fatos produzidos pelo apagão elétrico. No presídio Aníbal Bruno, em Recife, houve por conta da escuridão um tumulto que resultou na morte, à facadas, do preso Thiago Henrique Moraes da Silva, enquanto outro preso, Alexandre Gomes da Silva, ferido, foi levado a um hospital. A teoria das autoridades prisionais é de que aproveitaram-se as trevas para executar o preso que já estava marcado pelos “colegas” para morrer.
E é exatamente aí que se insinua à denúncia e ao exame a sombra sinistra do “outro apagão”. Assumiu recentemente a presidência da República a presidente Dilma Rousseff (ela ainda insiste em presidenta, não tanto por vontade própria, mas por disciplina quanto a seguir as orientações do seu marketing político) com um discurso de defesa verdadeira (não fingida e seletiva, como é quase a praxe) dos direitos humanos, tanto internamente quanto internacionalmente.
A iraniana Sakineh não pode ser apedrejada. Malvadezas em Cuba, na Coréia do Norte, na China, em Guantánamo não podem ser ignoradas. O Brasil respeita o princípio da autodeterminação dos povos, mas isto não significa a liberação da autodeterminação de governos criminosos para agirem à vontade, com o aval de nossa omissão diplomática e política ou até, como já aconteceu – caso Cuba – com a aprovação evidente da Presidência da República do Brasil.
Mas ao levantar a vista para olhar essas próximas ou distantes paragens planetárias, não temos o direito de continuar ignorando o “outro apagão”, que está sob os nossos pés, e mais uma vez insinuou sua sombra terrível no incidente do presídio Aníbal Bruno, em Recife.
É que na quase totalidade dos presídios brasileiros, onde apodrecem os presos comuns, homicidas, latrocidas, estelionatários, estupradores (estuprou, vai ser vítima de violência sexual no presídio, mas, se não estuprou, provavelmente será também, e tudo com o consentimento tácito das direções dos presídios), ladrões de galinha e até alguns inocentes condenados por equívoco judicial, os direitos humanos são teoria sem prática e a punição, por causa do desrespeito a esses direitos, vai muito além da pena estabelecida em sentença.
Há um permanente apagão dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro. E isso é, infeliz e incrivelmente, considerado normal pelas autoridades diretamente responsáveis pelo setor, que nem por isto são enquadradas pelas autoridades superiores. Esta concepção de normalidade é o mais aterrador – a parte mais escura – desse “outro apagão”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.