Sábado, 2 de julho de 2011
Alex Rodrigues e Pedro Peduzzi
Repórteres Agência Brasil
Repórteres Agência Brasil
Aos 75 anos, o inventivo multi-instrumentista alagoano
Hermeto Pascoal diz nunca ter pensado muito no futuro. Certo de que o
amanhã chegará, sempre procura viver o presente. Sem pressa ou qualquer
outra preocupação, além de cumprir com o que impôs como sua missão:
“compor a música livre de adjetivos”. Objetivo que, a julgar pelas
homenagens recebidas no seu aniversário, no último dia 22, parece ter
atingido.
“Meu desejo é, a cada novo dia, fazer mais músicas. Acho que sempre vão
faltar coisas para eu fazer, mas não abro mão da qualidade”, disse o
músico à Agência Brasil durante rápida passagem por
Brasília, no último dia 25. Embora saiba que “qualidade” não é algo
consensual, Hermeto dá pistas do que o levou a receber convites para
tocar com artistas como Miles Davis, John Lennon, Tom Jobim, Elis Regina
e Roberto Carlos, além de orquestras e músicos de vanguarda mundo
afora.
“Na música, o sujeito não pode ter uma balança com defeito [priorizando
a quantidade em detrimento da qualidade]. Cada nota tem que ser boa. E
eu também não faço nada para agradar o público. O que quero é compor o
que me agrade para só então tocar para as pessoas”, comentou o artista,
conhecido por fazer música não apenas com qualquer objeto, mas também
usando animais como porcos e galinhas.
SUBVERSÃO À LÓGICA - Somados o desprendimento e o
desejo de ver sua obra sendo executada, Hermeto acabou por se associar,
mesmo que sem muita consciência, ao movimento denominado Cultura Livre,
que prega formas de democratizar o acesso à informação e à cultura,
furando o bloqueio dos veículos de comunicação de massa a tudo que não
seja considerado “rentável” e subvertendo a lógica comercial de
gravadoras e rádios.
Em 2009, dez anos após causar polêmica ao declarar em uma entrevista
que queria ser “pirateado” para que, assim, sua obra fosse mais bem
divulgada no país, Hermeto começou a liberar, para gravações, os
direitos sobre 614 músicas já registradas em discos ou CDs. A declaração
de licenciamento, hoje disponível no site
oficial do artista, é reveladora quanto ao espírito livre do músico: um
bilhete escrito a mão e pintado pelo próprio Hermeto, que termina com
um “aproveitem bastante”, endereçado aos “músicos do Brasil e do mundo”.
“Minha música é de quem a quer. A ideia é liberar os direitos autorais
para dar a quem se interessar a chance de tocar minha obra”, disse o
músico, ao ser perguntado sobre o que o levou a tomar tal decisão,
estimulado por Aline Morena, a música gaúcha de 32 anos com quem Hermeto
vive há dez anos e com quem mantém o duo Chimarrão com Rapadura.
De acordo com Aline, algumas empresas não têm aceitado o singelo
documento disponibilizado por Hermeto. “Elas estão exigindo uma
autorização burocrática, específica para cada músico. Queríamos
desburocratizar as coisas com um modelo geral de autorização disponível
no site, mas cada vez que um músico quer gravar algo, temos que
enviar uma autorização específica". Com isso, quem quer regravar uma
música e procura a gravadora acaba tendo de pagar pela cessão do
direito, enquanto quem recorre diretamente ao artista recebe a permissão
de graça.
SEM MEDO DA PIRATARIA - “Se as gravadoras não levam
meu trabalho para as rádios, se ele não toca em nenhum lugar, para que
eu faço música? Não tive e nem vou ter nenhum retorno financeiro por
minha obra, mas meu prazer, minha alegria, continua sendo tocar. Por
isso, as minhas músicas eu quero mais é que sejam pirateadas. Quero mais
é que as pessoas toquem, ouçam, a conheçam. E, pra mim, quem reclama da
pirataria é quem faz música apenas para vender. Meu valor não são as
notas [de dinheiro]. São as notas musicais”, assinalou o artista.
Segundo Aline, menos de 300 das mais de 4 mil composições de Hermeto já
foram gravadas. Da obra total, 700 já estão à disposição de quem
queira. São as 366 cujas partituras foram incluídas no livro Calendário
do Som e cerca de outras 300 de sua discografia.
Além dessas, o pianista e arranjador Jovino Santos Neto digitalizou a partitura de 41 obras inéditas e as disponibilizou no site de
Hermeto. A proposta era a de que músicos do mundo todo que quisessem
homenagear o alagoano tocassem uma música de sua escolha. "Pessoas do
mundo inteiro deram retorno. Rádios da Alemanha, gente de todas as
partes mandou e-mail", contou Aline. “E vamos soltar mais coisas. Além do que, continuo compondo”, completou Hermeto.
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