Sexta, 8 de julho de 2011
Renata Albuquerque*
“Será
lindo que o mundo todo saiba que temos [entre nós, mulheres,] poetisas
declamadoras, cientistas, escultoras pianistas, engenheiras,
professoras, médicas, advogadas, e em futuro não muito distante, até
constituintes”.
O trecho acima foi recolhido pela antropóloga Mariza Corrêa; foi originalmente publicado no ano de 1931, pela Revista A Esquerda¹
e nos auxilia a perceber o quão antigas são as angústias em relação à
atuação da mulher na vida pública do país. A primeira mulher a fazer
parte do parlamento brasileiro foi Carlota Pereira de Queirós, eleita em
1933 para ser membro da Assembléia Constituinte Nacional. Carlota era a
única mulher entre 254 Deputados Federais. Hoje, em 2011, as mulheres
são cerca de 9,5% do Parlamento brasileiro, apesar se sermos cerca de
50% da população do país.
O espanto causado por
esses números com certeza é maior entre aquelas/es que participam ou
conhecem algum movimento social atuante em nosso país, que em geral são
espaços em que é possível notar com facilidade a atuação determinante de
um sem número de mulheres que dedicam sua vida à luta cotidiana por um
mundo mais justo, mais igual, menos opressor.
A
todas que conhecem o protagonismo político real das mulheres, no seio
dos inúmeros movimentos sociais brasileiros que figuram o cenário
político-social nacional, deve ter causado especial estranheza a
declaração do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que, quando da
aprovação na Comissão de Reforma Política do Senado da cota de 50% de
mulheres para as eleições proporcionais, afirmou que o número era
excessivo, que já havia grande dificuldade em “preencher” os 30%
anteriormente estabelecidos. De acordo com o senador, o difícil era o
“recrutamento” de mulheres pelos partidos, que não conseguiriam cumprir
suas cotas².
Enquanto mulher e militante política, mas antes disso, enquanto cidadã brasileira, me pergunto o porque de tanta dificuldade de alguns partidos em “recrutarem” mulheres para “preencherem” vagas. As respostas não são nada animadoras. Ainda hoje a representatividade das mulheres na política, quando tratada, é vista por muita gente como uma mera formalidade ou artificialismo. O público e o político permanecem sendo, no imaginário social, um espaço masculino – e a presença das mulheres incomoda.
Mas
se estamos nos movimentando em nossos bairros, nas escolas dos nossos
filhos, nas nossas universidades, nos grêmios das nossas escolas; por
terra, por trabalho, por creches, por educação, por saúde e – ainda hoje
– pelo direito de existir com dignidade, sem sermos violentadas; se
somos tantas em tantos movimentos, porque não estamos atuando também nas
instâncias de poder do nosso país? Porque não estamos legislando,
representando nossas lutas no Parlamento nacional?
O
espaço aberto pelas discussões em torno da Reforma Política permite que
façamos essas discussões mais a sério. A ex-Deputada Federal pelo PSOL
do Rio Grande do Sul, Luciana Genro, já disse que “nossa luta na reforma
política tem que ser para que as forças vivas da sociedade possam se
expressar nos processos eleitorais”³. Seguindo esse princípio,
defendemos que nossas bandeiras e nossas lutas estejam representadas por
nós mesmas, mulheres, na Câmara e no Senado nacional. Nós somos parte
pulsante da “força viva da sociedade”, e nossa atuação deve se expressar
também nos processos eleitorais.
O estabelecimento de cotas para mulheres no cenário político é um primeiro passo que, antes de resolver, revela
um problema que já há muito tempo é discutido pelos movimentos
feministas, o problema do caráter privado da vida e da atuação da
mulher.
Sem querer estender muito o assunto (que
demanda outro comentário só para si), nunca é demais lembrar do lugar
historicamente construído para as mulheres: o lugar do privado, a casa. Já é tempo de novos espaços serem construídos por nós,
mulheres, militantes, ativistas, agente políticas do nosso dia-a-dia.
Qualquer Reforma Política feita em nosso país deve ter como finalidade a
expansão da democracia; deve estar lastreada às demandas populares, às
lutas e à realidade dos movimentos sociais. De resto, não é a Reforma
Política que queremos, é a simples e (infelizmente) já conhecida
reprodução dos privilégios dos poucos barões do nosso país. É por
caminhos que nos levam a uma sociedade mais igualitária que queremos
caminhar.
¹Citação pode ser encontrada no livro Morte em Família (1983), de Mariza Corrêa
2 Declaração publicada e comentada no site vigilantesdademocracia.org.br
³Trecho do texto Na Contramão da Reforma Política, de Luciana Genro,disponível em lucianagenro.com.br
* Renata Albuquerque é cientista social, militante do movimento Juntas e do PSOL.