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(Millôr Fernandes)

sábado, 27 de agosto de 2011

Aeronaves perigosas

Sábado, 27 de agosto de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Voar tem sido sempre um desejo forte do homem. Desde tempos imemoriais ele vê as aves voando e as nuvens flutuando no ar e sempre desejou imitá-los. Começou pelos sonhos. E ainda nos tempos atuais, quem nunca sonhou que estivesse voando? Com o corpo na horizontal ou de pé, conforme a preferência de cada um.

    A mitologia grega nos trouxe o mito de Ícaro, em ousado vôo com suas asas postiças coladas com cera, que o Sol derreteu, provocando a Queda, que se aqui vai com inicial maiúscula não é por acaso.

Poema da antiga China nos conta de um arquiteto do imperador, que teria elaborado o projeto de um aeroplano e obtido autorização para construí-lo. Feito isto, sobrevoou com o maravilhado imperador grande parte do país, mas, no retorno, a surpresa: recebeu ordem para destruir tanto a máquina de voar quanto seu projeto, sob a alegação de que era perigosa demais – não porque pudesse cair, mas porque poderia ser (como mais tarde seria) usada para matar.

Mas as vimanas, eficientes máquinas de voar, usadas inclusive na guerra, povoam livros hindus escritos há três mil anos e que contam histórias ocorridas muito antes disso.

Outros “casos” poderiam ser citados, a exemplo da impressionante figura do “Astronauta” de Palenque, no México, tudo isso antes dos balões modernos e de Santos Dumont e os irmãos Wright inventarem (ou reinventarem) o avião, dos vôos de Gagarin, Armstrong, dos ônibus espaciais e da Estação Orbital Internacional.

Com esse atavismo, não é de surpreender que ministros e outros políticos se sintam irresistivelmente tentados a voar, com tal ansiedade que não se disponham a passar pelas esperas, burocracias e outros aborrecimentos dos vôos comerciais. O problema é que o conforto de vôos privados em aeronaves alheias podem acabar acarretando um desconforto para o político usuário.

Recentemente, o ministro da Agricultura, peemedebista Wagner Rossi, cuja pasta já vinha sendo alvo de algumas denúncias, foi obrigado a apresentar sua demissão do cargo quando se descobriu e divulgou que ele pegara carona em um jato – modelo Phenom, avaliado em US$ 7 milhões – da empresa Ourofino Agronegócios. A empresa tem negócios relacionados com o Ministério da Agricultura e a carona foi precedida por uma licença para que fabricasse e comercializasse uma vacina contra a febre aftosa, o que resultou no crescimento de 81 por cento no faturamento da Ourofino. Mera coincidência.

Logo em seguida, surgiu a denúncia da revista Época de que o ministro das Comunicações, o petista Paulo Bernardo, viajou em um avião da construtora Sanches Tripoloni, que faz obras para o governo federal. Uma reportagem do jornal O Globo mostrou ontem que ele, em 2009, quando era ministro do Planejamento, usou avião de um empresário ligado ao agronegócio e à construção de imóveis de luxo. Em nota, Paulo Bernardo admitiu que utilizou aviões de “várias empresas” no ano passado, no período de campanha eleitoral, mas ressalvou que as viagens foram pagas pelas campanhas e que ele não lembra “prefixos e tipos, ou proprietários, dos aviões”. O PPS vai pedir, na segunda-feira, à Comissão de Ética da Presidência da República, que se pronuncie sobre o caso do ministro das Comunicações, que, aliás, é marido da ministra-chefe da Casa Civil, senadora Gleisi Hoffmann.

Mas a sensação aérea de ontem foi a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, segundo a qual o presidente da Câmara dos Deputados, o petista gaúcho Marco Maia, usou aviões particulares para viajar nos fins de semana pelo país. No sábado passado, um avião e um helicóptero da Uniair, empresa de transporte aéreo da Unimed do Rio Grande do Sul. Ele admitiu ao jornal, na quinta-feira, cinco dias após a viagem, que o vôo não foi pago e ele é que vai pagar: “Eu ganho bem”. Mas se atrapalhou: “Neste ano foi a primeira vez que utilizei um vôo particular”, disse, antes de ser informado que o jornal descobrira outra viagem dele para ver um jogo da seleção brasileira de futebol em Goiânia e depois ir a Porto Alegre.

Como percebeu o imperador chinês, aeroplanos são muito perigosos.

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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.