Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Projeto de mestre

Terça, 6 de setembro de 2011 
Por Ivan de Carvalho

Surpreendente! Sensacional! Espetacular! Magistral!
    
Este grupo de palavras grandiloquentes (como faz falta o trema que o filólogo Luiz Inácio Lula da Silva baniu do idioma português brasileiro, mas não conseguiu ainda extirpar do português de Portugal e suas outras ex-colônias) costumava ser usado como propaganda dos melhores filmes exibidos no Cine Itiúba, que tinha o nome da amada terra da minha infância e primeira adolescência.
    
    Assim, só algo realmente extraordinário me faria ver justificativa para usar o venerado quarteto vocabular. E algo afinal de fato surgiu na forma de um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados pelo representante Maurício Trindade, do PR baiano e aspirante a ser candidato a prefeito de Salvador.
    
    Trindade quer tornar lei no país “a monitoração eletrônica de todos os ambientes da administração pública direta e indireta e autarquias da federação”. Ministros, presidentes ou diretores de agências reguladoras e todo o conglomerado estatal no país seriam acompanhados em tempo real, em áudio e vídeo. Só o gabinete da presidente Dilma Rousseff, infelizmente, de acordo com o projeto de lei, não seria incluído para mostrar o que se passa lá, mas a presidente poderia acompanhar cada gesto, cada olhar, cada grito ou cada cochicho de cada integrante da administração direta e indireta e das autarquias federais.
 
    Embora a nota do jornalista Lauro Jardim publica na coluna Radar da revista Veja não explique, estou convicto de que o deputado do Partido da República não faria a palhaçada de propor a montagem de todo esse sistema de vigilância somente para a presidente da República e seus auxiliares pessoais se deleitarem ou se indignarem com o que verão ou veriam.
 
    Não, o espetáculo com certeza foi concebido para dar transparência total à administração e, assim, levará imagens, gestos, palavras, sussurros e disfarçados sinais por baixo das mesas e dos panos a toda a população, que imediatamente esquecerá a existência dos ridículos big brothers a que vem tendo acesso – Big Brother, da Globo, Casa dos Artistas, do SBT, A Fazenda, da Record.
 
    Maravilha, porque assim o governo e o PT, mesmo usando a inteligência alheia, no caso, a do deputado Maurício Trindade, terão a oportunidade, pela qual tanto lutam, de aplicar uma caqueirada na mídia televisiva. Mas atingirão também em cheio jornais, telejornais e jornais radiofônicos, pois, se tudo do Executivo federal é mostrado em tempo real a todo mundo, o único cantinho a ser explorado jornalisticamente fica sendo o gabinete presidencial. E talvez o do vice-presidente, que, se temer, poderá pedir ao STF tratamento isonômico ao dado à presidente, já que sua função é a de ocupar o lugar desta quando ela der sopa.
 
    Ah, nessa república já quase petista, muitos Estados, que têm copiado estruturas paralelas às federais, como se papagaios fossem, criarão sistemas de monitoramento paralelos, excetuando a vigilância apenas quanto aos gabinetes dos governadores. E dos vices, se forem aos tribunais exigir isonomia.
 
   Pergunta-se: ninguém vai apresentar uma emenda, determinando que os carros das autoridades monitoradas tenham também escutas e câmeras? E os telefones, fixos e celulares? Hoje, conversa-se mais por intermédio deles do que no tête-à-tête.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.