Segunda, 23 de julho de 2012
Guilherme Jeronymo, repórter da Agência Brasil
O Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro
(Coren-RJ) anunciou que irá entrar com ação civil pública contra as resoluções 265 e 266/2012
do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj)
que proíbem a participação de médicos obstetras em partos domiciliares e
a presença das obstetrizes (profissionais que acompanham o pré-natal
das gestantes), doulas (acompanhantes) ou parteiras em ambientes
hospitalares.
“As resoluções do Cremerj inibem o direito da mulher de decidir onde e
por quem será acompanhada no seu parto, praticamente a obrigando a dar à
luz no hospital. O Cremerj desrespeita os preceitos dos manuais do
Sistema Único de Saúde (SUS) sobre os direitos sexuais e reprodutivos,
além dos decretos do Ministério da Saúde referentes à humanização no
parto”, afirmou a entidade em nota divulgada em seu site na
última sexta-feira (20). O documento é assinado pelo presidente da
entidade, o enfermeiro Pedro de Jesus. O Coren representa os
enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, além de obstetrizes.
Segundo a nota o Coren critica os vetos e os classifica de “atitude
arbitrária, inconsequente, antiética e ilegal”. A entidade informou que
finaliza um documento para ser encaminhado ao Ministério Público,
solicitando medidas contra as resoluções.
O Coren reclama ainda de um abuso de poder por parte da entidade
representativa dos médicos. “[O Cremerj age] impondo fiscalizações ao
trabalho de enfermeiras e parteiras, bem como das casas de Parto, quando
obriga as equipes de emergência a notificarem o Conselho de Medicina,
sempre que ocorrerem complicações em pacientes submetidas a partos
domiciliares e seus conceptos ou oriundas das chamadas casas de Parto.”
A coordenadora do curso de Obstetrícia da USP, Nadia Zanon Narchi,
disse que encarou com surpresa as duas resoluções do Cremerj, em
especial pela inclusão das obstetrizes. A USP formou, desde 2008, cerca
de 120 profissionais do ramo, que são registradas oficialmente como
enfermeiras obstetrizes no Coren, após quatro anos e meio de curso. Não
há notícias, segundo Narchi, de atuação desses profissionais fora do
estado de São Paulo, o que causa uma sensação de estranhamento diante da
inclusão da categoria na resolução.
“O mercado de trabalho exige uma mudança na forma como as mulheres são
atendidas. O atendimento obstétrico hoje é muito ruim, o Brasil consegue
ser o campeão mundial de cesáreas, hospitais privados não tem vaga, e
os médicos ficam loucos porque agendam cesáreas desnecessárias”, critica
Narchi.
Em relação à presença das acompanhantes nos hospitais, o conselheiro do Cremerj Luís Fernando Moraes esclareceu ontem (22), em entrevista à Agência Brasil,
que elas não têm nenhuma formação na área da saúde. “Pessoas leigas
dentro de uma sala cirúrgica, atuando, nós achamos que isso é inseguro
também para a paciente, porque essas pessoas não têm formação, não têm
noções de assepsia, de cuidados. Por isso, a gente tenta proteger a
paciente com essas resoluções”, disse. Além disso, segundo ele, o
Conselho Federal de Medicina e a própria Sociedade de Ginecologia
consideram o parto domiciliar “um retrocesso e inseguro”. O profissional
que desobeder a resolução responderá a processo disciplinar.
A Associação de Alunos e Egressos do Curso de Obstetrícia da
Universidade de São Paulo estuda entrar com ação, com auxílio do
Ministério Público paulista, contra as resoluções do Cremerj. Segundo
Narchi, aguardam somente a definição das formas legais que estão a seu
alcance para tal.
“Estamos em um processo mundial de fortalecimento da parteira, a
começar pela Organização Mundial da Saúde, dizendo que os países que
conseguiram melhorar os seus indicadores de atendimento a assistência
obstétrica foram aqueles países que inseriram obstetrizes e enfermeiras
obstetrizes na assistência. Os médicos ficam resistentes, eles têm medo
disso, por ignorância, medo por perda de poder, medo porque o mercado da
cesárea é um mercado altamente lucrativo, e começam a atirar em todo
mundo”, afirmou Narchi.
Principal programa do governo para a maternidade, a Rede Cegonha prevê
que a gestante conheça previamente a unidade de saúde onde terá o bebê e
tenha direito a um acompanhante, de livre escolha, durante a
internação. A Rede Cegonha, lançada em março de 2011, é uma estratégia
do Ministério da Saúde operacionalizada pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) e fundamentada nos princípios da humanização e assistência às
gestantes e aos bebês.