Quarta, 18 de julho de 2012
Gilberto Costa e Guilherme Jeronymo
Repórteres da Agência Brasil
Brasília e Rio de Janeiro – A nova edição do Mapa da Violência, elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e editado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos (Cebela), traz grave alerta sobre o que chama de “epidemia” da violência no Brasil contra crianças e adolescentes.
Em um ranking de 92 países do mundo, apenas El Salvador,
Venezuela e Guatemala apresentam taxas de homicídio maiores que a do
Brasil (44,2 casos em 100 mil jovens de 15 a 19 anos). Todos os três
países têm economia menor que a brasileira, atualmente a 6ª maior do
mundo (segundo o Produto Interno Bruto), não dispõem de um sistema de
proteção legalizado como o Estatuto da Criança e do Adolescente (com 22
anos de existência) nem programas sociais com o número de beneficiários
como o Bolsa Família (que entre outras contrapartidas orienta o
acompanhamento da família matriculando os filhos na escola e mantendo em
dia a vacinação).
Na semana passada, durante a abertura da 9ª Conferência Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, a presidenta Dilma Rousseff
destacou que “uma grande nação tem que ser medida por aquilo que faz por
suas crianças e adolescentes, e não pelo PIB”.
As elevadas taxas de homicídio, segundo o coordenador do estudo, o
pesquisador argentino Julio Jacobo Waiselfiz, mostram uma triste
realidade: o Brasil e os países da América Latina são sociedades
violentas. Segundo o pesquisador, o crescimento dos dados guarda ao
menos uma boa notícia: a melhora da cobertura médica legal. “Dados da
OMS [Organização Mundial da Saúde] dão conta de que tínhamos, até os
anos 90, algo em torno de 20% de óbitos que não eram registrados. Os
corpos desapareciam, algumas vezes em cemitérios clandestinos. Hoje a
estimativa é de um recuo neste índice, para 10%”, afirmou.
Ele destaca ainda que as mortes no trânsito poderiam ser diminuídas.
“Faltam melhorias na infraestrutura. Quando analisamos os dados,
percebemos que os países com mais mortes no trânsito têm também piores
estradas. São mortes evitáveis”, destaca, afirmando que as autoridades
públicas têm, elas próprias, participação nessas mortes, ao se omitirem.
O pesquisador destaca que essas autoridades também têm culpa em um
processo delicado, que funciona como um dos motores da perpetuação da
violência, a culpabilização das vítimas. “Mulheres, crianças e
adolescentes são muitas vezes culpados pelas autoridades por estarem
expostos a situações de violência. Quando o Estado o faz demonstra ser
tolerante a essas situações”, explica.
Os dados apresentados também confirmam um diagnóstico feito
recentemente pela Anistia Internacional. Segundo Atila Roque, diretor
executivo da ONG no país, “o Brasil convive, tragicamente, com uma
espécie de 'epidemia de indiferença', quase cumplicidade de grande
parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada
como uma verdadeira calamidade social. Isso ocorre devido a certa
naturalização da violência e a um grau assustador de complacência do
estado em relação a essa tragédia”, resume, em trecho citado no Mapa da Violência.
Segundo o relatório de Júlio Jacobo, foram registrados em 2011 no
Brasil 7.155 casos de estupro entre 10,4 mil casos de violência sexual
(que incluem assédio e atentado violento ao pudor), a maioria praticada
pelos próprios pais (além de padrastos) contra as filhas de 10 a 14
anos; ou por conhecidos próximos (como amigo ou vizinho) no caso de
meninas de 15 a 19 anos.
O abuso sexual agrava os riscos de violência doméstica. Segundo dados do Ministério da Saúde, analisados pelo Mapa da Violência,
a residência é o principal local de agressão declarado no socorro das
vítimas de até 19 anos pela rede pública. Mais de 63% dos casos de
violência ocorreram na residência e cerca de 18% acontecem na via
pública.
Os dados analisados (relativos a 2010) também verificaram que a
violência não se distribui de maneira uniforme pelo país. O etado de
Alagoas, com a maior taxa de homicídios (34,8 homicídios para cada 100
mil crianças e adolescentes), é dez vezes mais violento que o Piauí (3,6
casos). Maceió é capital mais violenta (com 79,8 homicídios).
As estatísticas indicam ainda a concentração da violência em 23% dos
municípios brasileiros (quase 1,3 mil cidades). De acordo com o Mapa da
Violência, 4.723 municípios não registraram nenhum assassinato de
criança e adolescente em 2010.
Entre outras causas “externas” de morte (diferentes das mortes
naturais causadas por problemas de saúde), o relatório chama a atenção
também para as mortes no trânsito. Entre 2000 e 2010, a taxa de
mortalidade de jovens de 15 a 19 anos no trânsito cresceu 376,3% (de 3,7
para 17,5 casos em 100 mil).