Sábado, 6 de abril de 2013
Do Blog do Porfírio
Tragédia
na Av. Brasil foi apenas mais uma de um sistema de transporte ditado
por interesses vorazes
Nos últimos quatro anos, a média foi de quase dois acidentes com vítimas por semana envolvendo ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Em 2011, houve o registro de 126 casos; e em 2012, 84.
Está na
cara: há um estreito grau de parentesco entre a tragédia da boate Kiss,
em Santa Maria, e o dramático desastre com o ônibus que despencou do
viaduto na tarde desta terça-feira, na mais importante artéria da cidade
do Rio de Janeiro – a Avenida Brasil.
Ambos têm no DNA a cumplicidade dos poderes públicos ante
os abusos e o primado dos interesses insaciáveis sobre instituições
absolutamente coniventes, degeneradas, desfiguradas e desmoralizadas.
O que aconteceu às quatro da tarde desse dia 2 de abril é o
que o lugar comum cataloga na surrada categoria de tragédia anunciada. A
excessiva sujeição da Prefeitura carioca aos gostos inescrupulosos das empresas
de transporte coletivo fatalmente produziria uma tragédia desse impacto, como exacerbação
potencializada dos acidentes rotineiros
provocados por uma frota em operação única e exclusivamente para super-dimensionar
os lucros já auferidos em um ramo da economia.
Qualquer que seja a causa oficial do acidente que ceifou na hora sete
vidas e pôs na fila da morte outras tantas chegará à insólita conclusão de que
é ABSOLUTAMENTE CRIMINOSO permitir que um único profissional trabalhe em ônibus
que podem transportar até 80 passageiros, atribuindo-se ao motorista às funções
de cobrador e do relacionamento com uma clientela heterogênea e ansiosa.
Sim, para os que não sabem, a quase totalidade da frota
carioca de mais de 9 mil ônibus dispensou a presença do cobrador para aumentar
a lucratividade de um cartel indiferente à natureza do seu serviço e sempre
generoso nas relações com as autoridades em todos os seus níveis.
Na tragédia desta terça-feira, testemunhas viram um cidadão
pular a roleta para ir à cabine do motorista discutir por que ela não havia
parado onde havia sinalizado. E não havia parado, segundo também disseram, por que
não queria pegar cerca de 15 alunos de escola pública com direito à gratuidade
que a matemática dos nossos dias compensa com verbas públicas.
O cartel que dá
as cartas
Esse cartel de meia dúzia de consórcios deita e rola, como
se fosse uma temível máfia com alto poder de corrupção e intimidação, em
manobras tão atrevidas que têm sob controle todos os personagens com que lidam,
inclusive as próprias lideranças do sindicato dos rodoviários.
Seu poder de
fogo é tal que só têm concorrentes entre as construtoras e empreiteiras
no gozo da influência sobre esses podres poderes, sendo as principais
razões de ser das
políticas de transportes no Estado do Rio de Janeiro, tão nocivas que
carreiam
para os ônibus quase 74% dos passageiros da Região Metropolitana, onde o
sistema de trens serve à metade do que transportava há 60 anos, quando a
população da cidade era a metade do que é hoje, e onde o metrô não passa
de um
brinquedo de pouca serventia em seus 44 Km de linhas, que alcançam
apenas 3% dos
passageiros nesse mesmo espaço.
O atual prefeito do Rio de Janeiro,como seus antecessores
afins, só tem olhos para o sistema de ônibus e investe pesado o que tem e o que
não tem para abrir corredores que se transformam em tapetes vermelhos desse
segmento empresarial.
São para estes os grandes investimentos viários do sr.
Eduardo Paes, que se serve de um escudo mágico para justificar os corredores em
implantação – os 15 dias dos jogos olímpicos de 2016.
Obras em
decomposição precoce
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Pista do BRT das Américas abriu crateras em vários pontos |
Com o poder de fogo e a grana fácil que pode distribuir o
cartel dos transportes rodoviários faz da sua fiscalização um bando de servidores
igualmente condicionados por seu império, por bem ou por mal:
O ônibus que voou do viaduto, com 46 multas somadas, não passou pelo
DETRAN em 2012, como é de lei, embora constasse com vistoriado pela prefeitura
em julho desse mesmo ano.
Como tantos outros que de vez em quando sobem às calçadas –
um chegou a matar 10 pessoas num ponto da mesma Avenida Brasil, em frente ao
Caju – são submetidos a manutenções precárias e entregues a profissionais
recrutados a laço numa categoria que só
vai procurar trabalho nas garagens em último caso, tal o salário miserável que
recebem e o nível de responsabilidade que acumulam.
A esse ambiente de cumplicidade, com uma tropa de choque na
Câmara de Vereadores e um poder econômico expandido a outros ramos, as empresas
de ônibus não reclamam das condições de
infra-estrutura de uma cidade que alaga a qualquer chuva e que é notável por
suas obras mal acabadas.
Nesse acidente desta terça-feira, ficou evidente que as muretas de proteção eram uma balela, erguidas certamente em desrespeito aos próprios projetos, conforme o facilitário de uma fiscalização de obras igualmente leniente e acostumada a vistas grossas.
A mais recente obra do prefeito Eduardo Paes, que foi usada
como trunfo na sua reeleição, está dando sinais de decomposição precoce, com
erupções de crateras em vários trechos da Avenida das Américas e uma constatação
afrontosa: a reserva de uma pista de rolamento exclusivamente para os 80 ônibus
do BRT não compensou o transtorno causado ao escoamento dos demais veículos.
Se nesse espaço fechado corressem trens de superfície, com
capacidade de transportar 8 vezes mais passageiros, teríamos justificado o
gasto feito ali, enquanto o viaduto do Joá, que liga a Barra à Zona Sul, expõe
suas vísceras danificadas pela corrosão e é condenado em estudos encomendados à
COPPE pela própria prefeitura.
Como em todas as outras tragédias, nos dias próximos ainda
sob a pressão emocional de uma população lograda, esse desastre rodoviário será
objeto de todo tipo de especulação de causas e de todo tipo de providências
prometidas.
Mas logo, logo tudo voltará à normalidade inercial, ao
regime da cumplicidade e da impunidade que são marcas explícitas desses dias de
administrações incompetentes e por
demais tolerantes com todo um ambiente esclerosado e ameaçador.
Em Santa Maria, pelo menos, oito pessoas foram denunciadas
pelo Ministério Público, incluindo, além dos protagonistas diretos, dois
oficiais do corpo de bombeiros acusados de fraude nos alvarás.
Aqui, infelizmente, pela que se viu em outras tragédias que
expuseram o despreparo e a incúria das autoridades, tudo continuará acontecendo
como antes. Como se nada tivesse acontecido.