Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Dia Seguinte

Quinta, 11 de abril de 2013
Por Ivan de Carvalho
         No dia seguinte ao que, durante uma reunião de líderes dos partidos representados na Câmara dos Deputados – que se dividiram – ficou excluída a possibilidade do deputado Marco Feliciano, do Partido Social Cristão, renunciar ou ser, por algum truque regimental, afastado da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a CDHM reuniu-se a portas fechadas (já que a portas abertas se revelou inviável ante a gritaria de manifestantes contrários e favoráveis a Feliciano).

         O presidente da comissão disse que esta está indo “de vento em popa”, tendo aprovado ontem “requerimentos e a realização de audiências públicas”. Admitiu, ante uma pergunta de jornalista, que a CDHM está “vazia de projetos”, explicando que existem nela “meia dúzia de projetos, a maioria polêmicos. Neste momento, eles só criariam uma celeuma”. E sacou uma frase cujo exato sentido, se alguém entendeu, eu não: “A Comissão de Direitos Humanos precisa ter projeto de integridade na sociedade”.

         Mas o essencial é a pauta e a alteração feita na pauta da CDHM pelo deputado Marco Feliciano, ao assumir a presidência. Ele retirou de pauta projetos polêmicos que nela estavam para serem votados. Vejamos. Um desses projetos prevê a convocação de um plebiscito para consultar a população (os eleitores brasileiros) sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo.

Outra proposta semelhante retirada de pauta é de autoria do deputado André Zacharow e estabelece que os eleitores brasileiros respondam a uma questão “Você é a favor ou contra a união civil de pessoas do mesmo sexo?”. A relatora da proposta é a deputada Erika Kokay, do PT, parlamentar ligada a entidades que defendem as reivindicações dos homossexuais. O projeto de André Zacharow, sob relatoria de Erika Kokay (PT/DF), começou a ser apreciado em dezembro, mas a votação foi suspensa por um pedido de vista (tempo para analisar) do deputado Ronaldo Fonseca, do (PR/DF). Agora, foi retirado da pauta de votação pelo presidente Feliciano.

Antes de Marco Feliciano ser eleito presidente da CDHM pela maioria evangélica da comissão, esta esteve por muitos anos sob controle do PT e de uma maioria de parlamentares de “esquerda”, o que talvez explique uma pauta de votação direcionada para questões defendidas por esses segmentos políticos. E certamente isso explica a razão de ter havido um estupor e estar havendo um choque profundo e de ampla repercussão ante o fato dos evangélicos, por “benevolência” do PT, tornarem-se maioria na CDHM e a presidência ter ficado com o deputado Marco Feliciano, que é pastor.

Também está na CDHM da Câmara dos Deputados um projeto de autoria do senador Paulo Paim, do PT, que busca definir com mais precisão os crimes resultantes de “discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”. Tramitando desde 2005 no Congresso, a proposta é relatada na CDHM da Câmara pela deputada petista Erika Kokay. Um outro projeto polêmico – e, por enquanto, apenas por enquanto, aparentemente irônico – constava na pauta alterada pelo presidente Marco Feliciano. É um projeto que criminaliza discriminação contra heterossexuais. Trata-se, evidentemente, de algo que busca responder à criação do crime de homofobia, que seria a discriminação (ou discordância?) de qualquer tipo em relação aos homossexuais.

A iniciativa desse projeto que pretende preservar os heterossexuais de qualquer discriminação é do deputado Eduardo Cunha, membro da bancada evangélica da Câmara e, atualmente, líder do PMDB na Casa. A proposta determina que as medidas e políticas públicas antidiscriminatórias atentem para a necessidade de preservar os heterossexuais de todo preconceito.

Em sua atual composição e sob seu atual comando, a CDHM seria um obstáculo a qualquer projeto que pretenda favorecer o aborto no país.

Ante o exposto, o leitor percebe facilmente a amplitude da guerra que está em curso. Os setores que se mobilizam “contra Feliciano” perderam uma batalha e um espaço – e eles não podem admitir isso como uma coisa normal, querem virar o jogo na marra por entender que ceder, conformar-se com um passo atrás, pode estimular o adversário a lutar e a ver que ainda tem condições para isso.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.