Por Celso Lungaretti
O
advogado Jonas Tadeu Nunes afirma que seu cliente Caio Silva de Souza e
outros jovens recebiam pelo menos R$ 150 cada para provocarem
distúrbios durante as manifestações de protesto. E que os contratantes
lhes forneciam, inclusive, as fantasias de black blocs.
Pode ser verdade. Afinal, é fácil e barato de se fazer. E há sempre
forças políticas interessadas em fomentar o caos, os famosos pescadores em águas turvas.
O certo é que, no fundamental, constata-se nas ruas um imenso desencanto com as consequências do capitalismo (embora a maioria ainda não esteja consciente de que seja ele a causa) e com os governos que para elas concorrem, inclusive os do PT.
O secundário são as peripécias das refregas que causam vítimas de ambos os lados.
Umas são pranteadas e praticamente canonizadas pela grande imprensa e
pelos defensores virtuais dos interesses petistas, como o cinegrafista
Santiago Ilídio de Andrade. Os responsáveis devem ser punidos, claro,
mas nem de longe se justifica tão histérica satanização de jovens que
não se davam conta do dano que poderiam causar.
Num país em que tantos matam premeditadamente e com extrema crueldade, é
patético que os maiores vilãos acabem sendo uns tolos que mataram sem
consciência e por inconsequência (se comprovado que terceiros guiavam
suas mãos, estes merecem castigo muito mais rigoroso, pois os mandantes
são sempre maiores culpados do que os executantes).
Outras vítimas são vergonhosamente escamoteadas pela mídia. O caso mais
emblemático e chocante não se deu exatamente no curso dos protestos, mas
tem de ser lembrado sempre: Ivo Teles da Silva, 69 anos, foi
bestialmente espancado pela PM de Geraldo Alckmin durante o episódio
conhecido como a barbárie no Pinheirinho,
por ela sequestrado e mantido longe dos parentes que o procuravam
desesperadamente. Tudo isto para esconder seu estado deplorável; para
que a opinião pública não tomasse conhecimento da barbarização de um
idoso. Só foi localizado 10 dias depois, teve alta mas acabou morrendo.
Luminares do Direito brasileiro, dentre eles Celso Antonio Bandeira de
Mello, Dalmo de Abreu Dallari e Fabio Konder Comparato, entenderam que
havia sido cometido um crime e como tal o denunciaram (juntamente com as
muitas outras ilegalidades perpetradas no Pinheirinho) à Comissão de
Direitos Humanos da OEA. A indústria cultural ignorou olimpicamente.
O fato é que as lágrimas de crocodilo só jorram profusamente quando um
cinegrafista de TV é morto por reais ou supostos black blocs, ou quando
um coronel é espancado. A indignação (seletiva) foi bem menor no caso
das várias dezenas de profissionais da imprensa feridos durante as
manifestações pela PM paulista, alguns dos quais sofreram lesões graves e
definitivas.
Ou quando um soldado apertou o gatilho desnecessariamente e colocou em
coma um bobinho que portava um estilingue... perdão, um canivete (é
quase igual). Tivesse Fabrício Proteus Chaves morrido, o volume das
lamentações seria o mesmo? Nem a pau, Juvenal!
Mas, repito, o principal continuam sendo os motivos -justíssimos- que levam os jovens às ruas. Como a Copa das maracutaias,
cuja realização a Fifa admitiria com apenas oito sedes, mas o governo
brasileiro preferiu fazer com 12, a fim de contemplar todo tipo de
interesse sórdido. O PT prometia abolir as práticas tradicionais da
politicalha, mas a elas aderiu alegremente.
Terem escolhido o Mundial de futebol como o principal alvo dos protestos
depois das queixas iniciais contra o aumento das tarifas dos ônibus
atesta que os indignados
brasileiros têm, sim, tirocínio político. Daí estarem sendo tão temidos
pelos que temem a voz das ruas -alguns dos quais, melancolicamente, são
os mesmos que há algumas décadas arriscaram a vida para que elas fossem
ouvidas. As voltas que o mundo dá.
Pior: alguns que tanto sofreram sob o AI-5 e outros, mais jovens, que
pretendem ser herdeiros dos ideais da resistência, estão entre os que
hoje surfam na onda de episódios infelizes como o da morte do
cinegrafista, aproveitando para pregar a igualação dos atos de protesto a
terrorismo (com penas mais pesadas do que por homicídio!!!), sua
transformação em crime inafiançável, a colocação das Forças Armadas nas
ruas para reprimir manifestantes e outras aberrações totalitárias.
Sem se darem conta, pois tudo que fazem atende à prioridade obsessiva de
perpetuação do PT no poder, estão clamando por um novo AI-5.
Não passarão!