Sexta, 14 de março de 2014
Requião, Simon e Cristovam apresentam
projetos baseados na reforma agrária e no conceito de empresa nacional
defendidos pelo ex-presidente. Reformas aceleraram o golpe militar há 50
anos
Ao lado da esposa Maria Thereza, João Goulart defendeu reformas, diante de 200 mil pessoas no Centro do Rio
No dia em que se completou meio século do discurso histórico que
acelerou o golpe militar de 1964, três senadores reapresentaram, em
conjunto, duas propostas que faziam parte das chamadas reformas de base
que o então presidente João Goulart pretendia implantar no Brasil. Em 13 de março de 1964, Jango discursou para 200 mil pessoas
na Central do Brasil, no Rio. Durante uma hora, ele defendeu a
implantação de uma série de medidas e reformas de caráter nacionalista.
Ontem (13 de março de 2014), exatamente 50 anos depois, os senadores
Roberto Requião (PMDB-PR), Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque
(PDT-DF) apresentaram uma proposta de reforma agrária e outra de
retomada da definição de empresa de capital nacional nos moldes
defendidos pelo ex-presidente. Ele foi deposto pelo golpe militar em 31
de março de 1964 – menos de 20 dias depois do famoso discurso que
provocou a reação de segmentos da sociedade, como empresários,
industriais e grandes fazendeiros.
Para os três senadores, as propostas de Jango, como era mais
conhecido, continuam atuais. Promover o debate sobre essas reformas e
aprová-las seriam uma reparação histórica e a melhor forma de homenagear
o ex-presidente, defendem. Na primeira proposta,
Requião, Simon e Cristovam retomam a ideia de João Goulart de
desapropriar as margens improdutivas de ferrovias e rodovias para
instalar, no lugar, agricultores familiares, voltados à produção de
alimentos. Já o segundo projeto recupera a definição de empresa nacional, alterada em 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Cinquenta anos depois, as reformas de base lançadas por Jango no
comício da Central ainda são um programa revolucionário de governo. E
tal qual meio século atrás, continuam necessárias e urgentes,para que o
país se desenvolva, torne-se menos desigual e firme sua independência”,
disse Roberto Requião, responsável pela iniciativa, que também tem o
apoio de Simon e Cristovam. Ontem, no plenário, os dois peemedebistas
provocaram os demais senadores a levar adiante o debate sobre as
propostas do ex-presidente. “Vamos ver o que pensa o PT sobre essas
matérias, o que pensa o nosso MDB”, provocou Simon, referindo-se ao
partido da presidenta Dilma e à sua própria legenda. “Quem era João
Goulart à época e quem somos nós hoje no Congresso Nacional?”, emendou
Requião.
Problemas atuais
Na apresentação do texto, os três senadores destacam que a proposta
de reforma agrária apresentada não é transcrição literal do decreto de
Jango, que causou reação de empresários e grandes fazendeiros. Trata-se,
segundo eles, de uma adaptação que preserva o ponto central do decreto
de 1964, ou seja, a declaração do interesse social, para fins de
desapropriação destinada à reforma agrária, de áreas rurais
improdutivas. A luta pela terra, lembraram, continua atual. “Cinquenta
anos depois, a reforma agrária permanece não implementada e como
elemento essencial para um programa de reformas necessário na luta por
justiça social em nosso país”, escreveram na justificativa da proposta.
No caso do projeto sobre empresas nacional, os senadores propõem que a
palavra final sobre o assunto seja da sociedade, por meio de referendo
popular, a ser convocado após decisão do Congresso Nacional.
“Recupera-se, assim, a definição de empresa brasileira de capital
nacional como aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente
sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e
residentes no país ou de entidades de direito público interno,
entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria
de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder
decisório para gerir suas atividades”, explicam.
Suspeita e reparação
No último ano, o governo e o Congresso tomaram iniciativas para
resgatar a memória de João Goulart. A Comissão Nacional da Verdade apura
a suspeita de que o ex-presidente foi assassinado por militares
enquanto vivia exilado na Argentina, na década de 1970. Para a família,
Jango foi vítima de envenenamento, como parte da Operação Condor, ação
coordenada entre os regimes militares de países sul-americanos contra
seus opositores.
No dia 18 de dezembro, os parlamentares devolveram, simbolicamente, o mandato
de Jango. A cerimônia, que contou com a presença da presidenta Dilma
Rousseff, de ministros de Estado e dos comandantes das Forças Armadas,
ocorreu após deputados e senadores anularem
a vacância do cargo em 21 de novembro de 2013. Por decisão do então
presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, em 2 de abril de
1964, o Parlamento aprovou um ato para depor Jango formalmente após o
golpe militar de dois dias antes. Ele estava no Rio Grande do Sul e teve
a localização informada pelo então deputado Tancredo Neves. Mesmo
assim, Andrade declarou a vacância do cargo com a justificativa de que o
paradeiro do presidente era desconhecido.