Sábado, 12 de julho de 2014
Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos
População de rua aumenta nos últimos anos e a resposta da
gestão pública é a violência, principalmente no entorno dos estádios da Copa
do Mundo.
A reportagem é de Viviane Tavares, publicada pela Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), 11-07-2014.
Publicado no mês de junho pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da Populaçãoem Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH),
o relatório ‘Violações de direitos da população em situação de rua nos meses que
antecedem a realização da Copa do Mundo’ mostra uma unidade nas ações nas
cidades-sede do mundial em relação a esta população. Até agora, cidades como
Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre já tiveram
denúncias de ações como as de limpeza urbana e remoções forçadas.
As denúncias, como aponta o texto, foram registradas pelo Disque
100, serviço de atendimento telefônico criado pelo Serviço da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, além de denúncias
recolhidas por instituições de segurança pública, polícia civil, Ministério
Público, sociedade civil organizada, movimentos sociais, denúncias
espontâneas feitas diretamente ao CNDDH e ainda a busca ativa em
veículos de comunicação. “Essas denúncias, em sua grande maioria, tratam de
violência institucional cometida pelo poder público e apresentam caráter
higienista, podendo apresentar relação com a preparação para a Copa do Mundo”,
explica o relatório.
Para o coordenador do Movimento Nacional dos Moradores de
Rua, Samuel Rodrigues, a questão não é apenas em grandes eventos.
“Na verdade, nós temos uma população de rua crescente e pouca política pública
voltada a ela. No lugar de políticas, encontramos serviço de abrigamento, mas
muito aquém do que este segmento demanda. Atrelado a isso, uma forte repressão
policial e de seguranças privados de lojas e shoppings. E é evidente que em um
período de mega eventos, de uma maior concentração de pessoas de outros países,
essa tendência aumente”, explica.
A advogada do CBDHH, Luana Lima, explica que
essas violações são mais recorrentes do que se imagina. “De várias formas,
principalmente, de iniciativas estaduais, tem violações que não podem ser
aceitáveis, como a questão do jato d’água em pessoas que estão dormindo,
agentes de fiscalização que passam e recolhem os pertences dos moradores, isso
pode ser considerado roubo. Mas vemos, como aponta o relatório que essas
estratégias durante a Copa foram reforçadas”, avalia.
Entre os exemplos que estão no relatório estão denúncias
como o que aconteceu em São Paulo, próxima a Arena Corinthians, onde 90
pessoas, incluindo crianças, foram retiradas sem aviso prévio. Na ação, da Guarda
Civil Municipal e do setor de Limpeza Urbana, houve cenas de
violência, pessoas machucadas, pertences retirados e barracos derrubados e
queimados. No caso do Rio de Janeiro, também houve ações por meio de uma Força
Tarefa composta pelas secretarias municipais de Governo, Desenvolvimento
Social e Ordem Pública, Comlurb, Guarda Municipal e
Polícia Militar, que além de violentas, levaram moradores de rua de maneira
forçada a abrigos lotados, como o Abrigo de Paciência, que recebe
constantes denúncias sobre superlotação e condições sanitárias.
Em Salvador, no mês de abril, a população em situação de rua
foi surpreendida por carros pipa e recebiam jatos de água no corpo. De acordo
com relatos, como aponta o relatório, as ações tinham o apoio de guardas
municipais em carros pequenos, sem identificação de nenhum órgão. Já os carros
pipa com jato de água possuíam identificação da empresa que presta serviço de
limpeza em Salvador, a Limpurb. As ações foram realizadas no centro de
Salvador e nos arredores da Arena Fonte Nova. No caso de Porto Alegre,
que ocorreu em maio, houve violência física por parte de policiais da PM
contra pessoas em situação de rua. O texto informa ainda que o denunciante teve
que ser incluído em um programa de proteção aos defensores de direitos humanos.
“É necessário que haja investigação séria e que os agentes
públicos tenham os princípios da administração pública. As questões da
moralidade e da impessoalidade são importantes. É tratar o morador de rua como
qualquer outro cidadão. Além disso, que o Judiciário tenha uma
sensibilidade para tratar esta questão”, analisa Luana.
Resposta à população de rua
Luana explica
ainda que existem modelos e diretrizes a serem seguidos ao se tratar da
população de rua. O primeiro deles é o respeito à Constituição, que
determina o direito de ir e vir e permanecer no espaço público. “A questão de
estar em situação de rua já é uma violação aos direitos humanos. Até chegar à
rua, essas pessoas já sofreram diversas violações e não adianta ter uma
resposta emergencial, como é o caso dos abrigos, é ter uma resposta concreta”,
explica e completa: “Temos que ter em mente um plano de longo prazo, mas que
comece, por exemplo, com uma abordagem social adequada, e que ela tenha uma
retaguarda”, afirma e completa: “A assistência social tem que estar preparada
para abordar de maneira adequada, entender o fenômeno e a realidade da população
de rua. Não deveria ter nenhuma abordagem anterior à social”.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), um
dos parceiros do CNDHH produziu diretrizes de atuação para Copa do Mundo, entre elas, está a
recomendação para que membros do Ministério Público da União e
dos ministérios públicos dos estados atuem de modo a “assegurar que os agentes
públicos, no exercício de todas as atribuições com a população em situação de
rua, primem suas condutas pela urbanidade e pelo absoluto respeito à dignidade
da pessoa humana, sendo obrigatório que estejam identificados com o uso do
crachá ou de outra forma de identificação funcional”; “assegurar a obtenção de
documentos pessoais pelas pessoas em situação de rua” e “impedir a apreensão
ilegal de documentos pessoais e bens pertencentes às pessoas em situação de
rua”.
Para Samuel, o recolhimento nunca deveria acontecer.
“Temos que avançar na questão do abrigamento, sair desse patamar. Nós estamos
em um momento deste país na erradicação da miséria que esse seria um passo
fantástico para isso. Uma mudança importante seria trabalhar a questão da
moradia social e não como mercadoria, como ela é vista e posta hoje pela
sociedade”, pontua e completa: “Trabalhar a inserção no mercado de trabalho,
implantar equipamentos de apuração e denúncias são ações que poderiam diminuir
a população de rua”.
Política Nacional
Instituída em 2009, a Política Nacional para a População
em Situação de Rua estabelece princípios e moradias a serem pactuadas entre
os governos municipais, estaduais e federal. Entre eles, está o atendimento
humanizado e universalizado; responsabilidade do poder público pela sua
elaboração e financiamento; assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos
serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência,
assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e
renda.
Desde sua publicação até hoje, Samuel avalia que
pouca coisa mudou. “Temos o CNDHH com sete núcleos, o disque 100 e um
comitê trabalhando a política. Para além disso, são coisas locais, como em Belo
Horizonte, onde a população tem acesso à refeição sem precisar pagar por ela e
ainda uma política do bolsa moradia, mas muito pequena com 200 a 300 pessoas
atendidas”. Hoje não há estimativa, por exemplo, de quantas pessoas vivem em
situação de rua. A última pesquisa publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Social estimava
37 mil, mas não incluiu cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e
Recife. “Belo Horizonte fez um censo em 2005 e tinha 1.164 e voltou a fazer em
2013 e esse número cresceu 57%, com 1.857 pessoas. Embora políticas muito
focais ajudem a pessoas saírem das ruas, o número de pessoas que tem entrado,
por diversas razões, é infinitamente maior”, lembrou Samuel. A população
total de Belo Horizonte é de 2,475 milhões, de acordo o censo do IBGE em
2010.
Luana reforça a
questão do financiamento para a efetivação da política nacional. “Quando temos
a lei orçamentária, o que vai para o projeto das populações de rua é muito
pouco. Se fala dos problemas, aponta as violências, mas quando vai tratar o
assunto efetivamente com programas e projetos não tem recurso”, explica.