Domingo, 4 de janeiro de 2015
Duas postagem deste domingo do jornalista baiano Luís Augusto Gomes, no Blog Por Escrito:
"Crimes conexos": o perdão a desconhecidos
Data: 04/01/201511:41:05
A anistia política, em todo o mundo, em todos os momentos, constitui-se em ato do Estado para perdoar os que tenham, em certo período, cometido crimes por motivação política.
Seus beneficiários, portanto, são pessoas que hajam sido presas e
condenadas ou que estejam foragidas em razão das ações praticadas,
devidamente tipificadas na legislação penal.
No Brasil, em 1979, foi concebida para assegurar a liberdade e demais
direitos aos membros de organizações clandestinas ou não que lutavam
contra um regime ilegítimo, instalado após a quebra da normalidade
constitucional.
Mas, na legalidade precária que vivíamos na época, estabeleceu-se um
acordo pelo qual a Lei da Anistia alcançaria os praticantes de “crimes
conexos”, ou seja, não somente os combatentes contra a ditadura, mas
também os agentes do Estado que torturaram, mataram e ocultaram
cadáveres de suas vítimas.
Construiu-se, assim, uma espécie de anistia-jabuticaba – aquela que
só existe no Brasil, porque, além dos anistiados de identidade
determinada, chamados de “terroristas” e “guerrilheiros”, incluía
indivíduos que não se sabia quem eram.
Na verdade, tratava-se apenas de um desconhecimento oficial e
público, porque nos porões do regime eram amplamente conhecidos e faziam
parte de uma organização que, como ficou provado, tinha seu topo no
gabinete do general-presidente da República.
O mesmo espírito que patrocinou, há 35 anos, tal anomalia jurídica,
persiste até hoje, na resistência que os meios militares oferecem ao
pleno esclarecimento dos fatos, pois a questão não se resume a evitar a
condenação desses criminosos anônimos, mas fazer com que permaneçam
nessa condição pela História afora.
País não tem água suficiente para esperar a verdade
Data: 04/01/2015
11:38:20
11:38:20
O
trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que tem respaldo no
pensamento democrático de vastos setores da sociedade brasileira,
demonstra que é uma tarefa das mais importantes a que foi depositada nas
mãos do ministro da Defesa, Jaques Wagner.
Diz-se que sua carreira política nasceu justamente da oposição à
ditadura, que o teria levado a interromper o estudo universitário e
mesmo a mudar-se de Estado, fugindo aos rigores das perseguição
repressiva.
Não será, por isso, aceitável que ele trate dessa sensível questão
com um talento de frasista até agora insuspeitado, que o faz pretender
diluir “a água suja da ditadura” adicionando-lhe, “lentamente, água
limpa”.
É uma química perdulária, principalmente considerando-se a carência
do precioso líquido no país, que, se antes era restrita ao semiárido
nordestino, hoje se apresenta como “crise hídrica” até no mais
progressista e irrigado Estado federado.
Não se conhece o conceito wagneriano de velocidade, mas essa sujeira
toda está aí há 30 anos, e tudo indica que ele propõe mais 30 até “a
sujeira desaparecer”. Em outras palavras, o Brasil está longe de ver seu
caminho livre de fantasmas.