Do Blog Náufrago do Utopia
Por Celso Lungaretti
A distopia Fahreinheit 451,
que Ray Bradbury escreveu em 1953 e François Truffaut levou às telas em
1966, poderá se tornar realidade no Brasil de hoje: uma alta otoridade pretende banir um livro importante. Daí para começarmos a queimá-los será um passo.
Uma tal Nilma Gomes, que acaba de assumir a estapafúrdia pasta da Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(algo assim ainda faz sentido no Brasil, em pleno século 21?!), quer
obrigar Cid Gomes a se comportar como o pior dos seus antecessores: o
coronel Jarbas Passarinho, que, espantosamente, foi ministro da Educação (!!!) durante a ditadura militar.
Como uma Torquemada extemporânea, a tal Nilma exige que o livro Caçadas de Pedrinho,
uma das pérolas da nossa literatura infanto-juvenil, seja colocado no
index do Programa Nacional Biblioteca na Escola. Ou seja, reivindica,
explicitamente, seu banimento. A última vez que eu ouvira esta palavra odiosa foi quando o regime militar considerou banidos os presos políticos trocados por diplomatas.
A tal Nilma consegue ser mais intolerante ainda do que o tacanho
burocrata de um conselhozinho qualquer do Ministério da Educação que deu
o pontapé inicial nesta patética pendenga, ao pedir apenas a inclusão de notas explicativas no livro --o que, claro, emascularia grosseiramente a obra.
Nazistas queimando livros em 1933, na Alemanha. |
Ambos incorreram no mesmíssimo erro, o de responsabilizarem um escritor
pelas frases que este colocou na boca de um personagem com o qual não se
identifica.
Ou seja, a Emília realmente esculhamba a Tia Nastácia, disparando-lhe
pejorativos que o povo sempre usou, mas em nenhum momento Monteiro
Lobato lhe dá razão. Quem quer que tenha lido as aventuras do Sítio do
Picapau Amarelo, está careca de saber que Lobato falava pela boca da Dona Benta e do Visconde de Sabugosa, não pela da pirracenta e malcriada boneca de pano.
Espera-se que Cid Gomes se mostre à altura do cargo, rechaçando esta
nova investida inquisitorial. Desde que tal questiúncula foi levantada, o
então ministro da Educação Fernando Haddad e o ministro do STF Luiz Fux
já botaram os patrulheiros cricris pra correr. Mas, como hidras, parece
que será preciso cortar-lhes várias cabeças, até que desistam de
afrontar nossa Carta Magna.
Pois, lembro mais uma vez, o art. 5º da Constituição Federal estabelece
com máxima clareza que "é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença".
Quem tenta introduzir qualquer forma velada de censura está, portanto,
na contramão da nossa Lei Maior. Começa muito mal a tal Nilma.
Quanto aos diligentes garimpeiros de pelo em ovo que se autointitulam politicamente corretos,
atiro-lhes de novo na cara a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach: "Os
filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a
questão, porém, é transformá-lo".
Ou seja, quando pararmos de desperdiçar esforços tentando mudar a forma
como as pessoas se referem às coisas do mundo, talvez nos sobre tempo
para fazermos o que realmente importa: mudar o mundo.
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É proibido proibir
Caetano Veloso