Brasília,
21 de março de 2015
Aldemario
Araujo Castro*
Segundo a Presidente Dilma Rousseff, “ela [a corrupção]
não só é uma senhora bastante idosa neste País como ela não poupa ninguém”.
Portanto, na visão de Sua Excelência, a corrupção é um problema antigo e
generalizado.
O Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), reunido na cidade de Florianópolis, Santa
Catarina, nos dias 5 e 6 de março de 2015, afirmou: “A gravidade e a
recorrência dos casos de corrupção demonstram que o problema possui abrangência
sistêmica no Brasil. Não são episódios isolados, mas integram um ambiente
geral, consolidado historicamente, que abrange todas as esferas da
administração pública brasileira. Problemas sistêmicos demandam soluções
sistêmicas”.
Registro que o vocábulo “corrupção” é tomado neste escrito
em sentido amplíssimo, tal como referido coloquialmente nos mais variados
espaços sociais. Envolve todo tipo de malversação do dinheiro público,
dilapidação do patrimônio público, atos de improbidade administrativa e outras
figuras assemelhadas com nomenclaturas jurídicas diversas e tratamentos legais
específicos.
Esse (a corrupção ampla e generalizada) é um dos
principais problemas na atual quadra histórica da nação brasileira. Importa
pontuar que os mais recentes escândalos de corrupção (“mensalão” e “petrolão”)
e a forma da cobertura midiática termina por encobrir outros problemas
igualmente graves ou mais graves. Cito, entre eles, o estratosférico pagamento
anual de juros e encargos da dívida pública, assunto praticamente esquecido na
(grande) imprensa e nos debates políticos e sociais. De todos, creio que o mais
relevante dos problemas do Brasil consiste na apropriação profundamente
desigual da riqueza produzida, viabilizada por um conjunto de mecanismos
políticos, sociais, financeiros e econômicos cuidadosamente construídos e
mantidos pelas elites dirigentes (latifundiários, banqueiros, especuladores,
grandes empresários e barões da grande mídia). É importante destacar que as
classes médias “tradicionais” não são as elites socioeconômicas do Brasil, como
verbaliza erroneamente parte dos setores que buscam sustentar o governo
Dilma/Lula/PT/PMDB.
Cumpre também observar que as passeatas e campanhas na
internet são providências necessárias, mas insuficientes, no longo e penoso
processo de combate à corrupção. São necessárias porque mantêm o assunto na
“ordem do dia” e definem o campo social majoritário contra a corrupção. São
insuficientes porque não atacam as condições objetivas viabilizadoras dos atos
concretos de corrupção que chegam, e que não chegam, ao noticiário da grande
imprensa. Não é possível alimentar a ilusão de que o combate à corrupção se
constitui numa cruzada contra os degenerados morais com vistas a conversão
ética desses.
O tratamento sério e consequente da temática do combate à
corrupção impõe o desenvolvimento de ações planejadas, organizadas, enérgicas e
permanentes que ataquem as causas do nefasto fenômeno e contemplem, com os
pesos ou ênfases pertinentes, as três vertentes fundamentais da prevenção,
controle e punição.
Assim, um conjunto consequente de medidas de combate à
corrupção, como fenômeno generalizado e complexo, precisa contemplar, entre
outras: a) o controle social sobre os gastos, órgãos e entidades públicas; b) a
profissionalização da Administração Pública com a redução drástica de cargos comissionados
e funções de confiança; c) profundas restrições na discricionariedade da
execução orçamentária por parte do Poder Executivo; d) uma profunda reforma
político-eleitoral com caráter popular e democrático que envolva: d.1) modelos
eleitorais que facilitem e aprofundem os vínculos dos eleitos com os eleitores;
d.2) eliminação do financiamento empresarial das campanhas; d.3) redução
radical dos custos/gastos das campanhas; d.4) fim das coligações nas eleições
proporcionais; d.5) fim da reeleição para os cargos do Executivo e d.6)
revogação de mandatos; e) valorização e fortalecimento dos órgãos e mecanismos
de controle, em especial da Advocacia Pública como um importantíssimo (o mais
efetivo) instrumento de controle preventivo de desvios e ilícitos das mais
variadas naturezas, com autonomias administrativa e financeira; e) adoção de
decisões colegiadas, no âmbito da Administração Pública, para tratar de certos
interesses particulares (fiscalização de contratos e pagamentos) e f) revisão e
racionalização cuidadosa dos procedimentos licitatórios e de realização de
despesas públicas.
Não se pode perder de vista, ademais, que o combate à
corrupção envolve um sério (seriíssimo, melhor dizendo) enfrentamento à
tolerância histórica com essa prática e outros procedimentos similares. Está
enraizada na formação da sociedade brasileira e na própria construção do Estado
a ideia de que o “esperto”, aquele que leva todo tipo de vantagem (lícita e
ilícita, em espaços públicos e privados), é merecedor de todos os elogios e é
sinônimo de sucesso. Vigora, de forma ampla, a hipocrisia de que “os outros”
são corruptos, “os meus” são “espertos”, “competentes”, “desenrolados”,
“jeitosos”, “maleáveis”, “flexíveis”, “compreensivos”, “habilidosos” ou coisa
que o valha. Até o conhecido “jeitinho brasileiro” em inúmeros casos e
situações descamba para justificar as mazelas mais condenáveis no cotidiano da
sociedade. Exemplifico, nessa linha, um conjunto de condutas, “socialmente
aceitas”, que merecem profunda reflexão justamente em função dessa “aceitação”:
“colar” em provas; copiar obras alheias sem declinar a autoria, “encomendar” a
elaboração de trabalhos acadêmicos, responder chamadas escolares por colegas,
subornar autoridades de trânsito, viajar em transportes urbanos sem pagar,
estacionar em fila dupla, dirigir sob a influência de bebidas alcoólicas,
fabricar atestados médicos, modificar dados em documentos, “capturar” o sinal
da tv a cabo, criar e alimentar várias modalidades de “gatos”, jogar (ou mais
propriamente, arremessar) toda espécie de lixo nas vias públicas, etc, etc,
etc.
Nessa linha, é rigorosamente risível o pacote (ou plano)
de combate à corrupção apresentado pela Presidente da República no dia 18 de
março. As medidas compreendem: a) criminalização do caixa 2; b) criminalização
da “lavagem eleitoral”; c) ação de extinção de domínio ou perda de propriedade
ou posse de bens; d) alienação antecipada de bens apreendidos; e) ficha limpa
para servidores públicos; f) tipificação do enriquecimento ilícito e g)
regulamentação da Lei Anticorrupção.
Observa-se que as causas mais relevantes da corrupção no
Brasil não foram atacadas pelo “pacote Dilma”. As ações preventivas não foram
prestigiadas e as instituições e mecanismos de controle foram esquecidos.
Apostou-se, quase que exclusivamente, por pura pirotecnia midiática, em medidas
punitivas aplicáveis depois de realizados e identificados os atos de corrupção.
Essa luta, portanto, precisa continuar nas ruas e nos
vários espaços sociais e institucionais. Infelizmente, a Presidente da
República e seu (des)governo não se apresentam como aliados sérios e
consequentes nessa importante batalha.
*Aldemario Araujo Castro é Mestre em Direito, Procurador da
Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília e Conselheiro
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/DF)
Site: http://www.aldemario.adv.br