O relator Luiz Sérgio, que recebeu quase um milhão de reais das empresas / A. Cruz (AgBr)
"É deixar o vampiro cuidar do banco de sangue",
afirmou o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). A frase expressa o
descontentamento do parlamentar com a indicação dos integrantes da CPI da
Petrobras, criada na quarta-feira para apurar os desmandos na companhia. Ao
menos 15 dos 27 membros da comissão se elegeram com a ajuda de doações de
empresas pela operação Lava Jato.
Hugo Motta (PMDB-PB), presidente da CPI, teve 60% de sua campanha financiada
pela Andrade Gutierrez e pela Odebrecht (454.000 reais), enquanto que o
relator, Luiz Sérgio (PT-RJ), recebeu 40% de sua verba de campanha das
construtoras Queiroz Galvão, UTC, OAS e Toyo Setal (962.000 reais). Todas suspeitas
de pagamento de propina e formação de cartel.
O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara considera quebra de decoro que um
deputado “relate matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse
específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o
financiamento de sua campanha eleitoral”. A violação, em tese, é passível
de ser punida com a perda do mandato. No entanto, fontes ligadas à Câmara
afirmam que o Código é "letra morta", e que sua aplicação é cumprida
apenas quando há interesse político. Ou seja, apesar do próprio regimento da
Câmara, a criação da CPI com integrantes que não cumprem o que está escrito é
consensual.
A falta de isenção dos
parlamentares que integram a comissão não alterou a rotina na Casa: apenas
deputados do PSOL tentaram barrar as indicações com uma questão de ordem,
alegando a irregularidade nas nomeações. A moção do partido, no entanto, foi
derrubada, e agora a legenda estuda entrar com um recurso na Comissão de
Constituição e Justiça da Casa – que ainda não foi criada nesta legislatura – e
até na Justiça comum.
Alencar acredita que “os deputados estão tão comprometidos
com quem os financia e quem lhes garante o mandato, já que as eleições são
decididas com o poder do dinheiro, que fazem vista grossa aos preceitos do
Código de Ética”. De acordo com o parlamentar, os partidos poderiam ter
indicado outros membros que não tivessem ligação direta com as doações das
empresas."Do jeito que está, a CPI já nasce contaminada e sob
suspeição", conclui.
Gil Castello Branco, secretário geral da ONG Contas Abertas, é da
mesma opinião: “todos os parlamentares que receberam recursos das empresas da
Lava Jato deveriam se considerar impedidos de integrar a comissão, senão o que
temos são os investigadores sendo financiados pelos investigados”. Para ele, a
CPI começa com um vício de origem, ainda que as doações recebidas por seus
integrantes tenham sido legais e declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral.
“Estes deputados jamais poderiam participar de uma CPI com
este tipo de implicação. Isso revela o quão esculhambadas são as práticas
parlamentares do Congresso”, diz Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da
Transparência Brasil. Para Abramo, no entanto, é muito difícil encontrar algum
parlamentar de maior projeção que não tenha recebido doações destes empresas,
devido à visão estratégica das companhias, que pulverizam doações por diversos
partidos e candidatos. “Se tivessem que escolher gente que não foi financiada,
é provável que a comissão seria composta por políticos do chamado baixo-clero
[deputados sem visibilidade e expressão nas legendas], o que também poderia não
ser bom”, conclui.
“Estes deputados jamais poderiam
participar de uma CPI com este tipo de implicação. Isso revela o quão
esculhambadas são as práticas parlamentares do Congresso”
O relator Luiz Sérgio afirmou que "o assunto foi
profundamente debatido no início da instalação da CPI, a partir de uma questão
de ordem do deputado Ivan Valente, do PSOL”. De acordo com ele, o entendimento
do Plenário foi o de que não pode haver pré-julgamento dos parlamentares
indicados para a comissão, já que a lei estabelece o financiamento privado de
campanha. “Quem me conhece sabe que nunca atuei no parlamento como advogado de
empresas”, afirma.
Questionado sobre a irregularidade prevista no Código da
casa, Sérgio afirmou que a pergunta deveria ser dirigida ao deputado Arnaldo
Faria de Sá (PTB-SP), que presidia a mesa durante a sessão, e indeferiu a
questão de ordem do PSOL. O parlamentar afirmou que "cabe aos deputados
indicados se declararem impedidos por alguma questão de foro íntimo", e
que a comissão terá subrelatorias, logo o Código não será afrontado uma vez que
"o relator não fará o trabalho sozinho".
A reportagem tentou sem sucesso entrar em contato com o
presidente da comissão, Hugo Motta.
A CPI, instaurada na quarta-feira, terá o prazo de 120
dias - prorrogáveis por mais 60 - para concluir seus trabalhos. Especialistas
apontam que apesar de já haver uma investigação conduzida pelo Ministério
Público, pela Justiça Federal e pela Polícia Federal, uma comissão parlamentar
joga luz sobre depoimentos, acordos de delação e detalhes do caso que não
seriam de conhecimento da população, uma vez que as declarações feitas à CPI
são públicas. Além disso, a comissão pode motivar a elaboração de projetos de
lei para coibir a corrupção.