Domingo, 12 de junho de 2016
Sayonara Moreno - Correspondente da Agência Brasil
A continuidade da exploração do trabalho infantil pode alimentar
um ciclo difícil de quebrar. Um exemplo disso está na Região Nordeste,
onde cerca de 90% dos adultos resgatados do trabalho escravo são
egressos do trabalho infantil, segundo a juíza do Trabalho Rosimeire
Fernandes.
“São grandes os prejuízos que o trabalho infantil
causam, sobre o aspecto físico, emocional, intelectual e social da
criança, que é um ser em formação. Perpetua o ciclo de pobreza e miséria
e não promove a criança para a sociedade”, diz a juíza.
Devido a
esse tipo de prática, ainda comum no Brasil, sobretudo no Nordeste, a
data de hoje – 12 de junho – foi instituída como o Dia Mundial contra o
Trabalho Infantil. Profissionais envolvidos no combate e fiscalização
entrevistados pela Agência Brasil foram unânimes ao
falar sobre a dificuldade em lidar com a exploração ou utilização do
trabalho infantil, sobretudo no ambiente familiar e em cidades do
interior.
“Na Bahia, existe um alto índice de trabalho infantil,
de acordo com o Censo do IBGE, de 2010. Somos um dos estados com o maior
número de municípios com alto índice. São 125 cidades com mais de 400
casos, cada uma. Inclusive, a maior parte desses municípios é de pequeno
porte, o que caracteriza uma presença de mais de 60% desse tipo de
atividade, vinculado à agricultura familiar, na zona rural, com cadeias
produtivas. Além disso, temos crianças e adolescentes utilizadas para o
tráfico de drogas”, afirma a vice-presidente do Fórum Estadual de
Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente da Bahia
(Fetipa), Ivana Luna.
Segundo Ivana, esse tipo de trabalho é
considerado invisível, já que, em muitos casos, a fiscalização pode não
detectar. “Existe o trabalho infantil doméstico, que deixa as crianças
vulneráveis à violência sexual e a outros tipos de violência, mas é um
trabalho invisível. Há uma subnotificação, porque é difícil de
identificar, e há muitas crianças envolvidas com resíduos sólidos, além
de feiras livres, que já são mais comuns. Nesse caso, a fiscalização é
mais eficaz”, completa.
O trabalho de crianças e adolescentes em
feiras livres é apontado como grave e “bastante característico” no
estado da Bahia pelo superintendente regional do Trabalho, do Ministério
do Trabalho e Emprego, Flávio Nunes. Para ele, os carregadores de
compras, por exemplo, enfrentam condições degradantes e que fazem mal à
saúde, além de terem pouco tempo para se dedicar a atividades que
incentivem o conhecimento e o lazer.
“Essa realidade, a gente não
encontra apenas nas grandes cidades, mas nas pequenas do interior
também. Aqui no estado da Bahia, verificamos o trabalho infantil nos
mais diferentes setores da economia. Mas, nas feiras livre, isso existe
quase que como cultura: o adulto faz uma compra e paga a criança ou
adolescente para carregá-la até o seu carro ou sua casa. Isso não é bom,
não é correto, é ilegal. Porque não entendemos apenas que a criança não
pode trabalhar, mas que não pode trabalhar com isso, porque faz mal à
saúde”, destaca o superintendente.
Segundo o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador,
o trabalho infantil está ligado às “atividades econômicas e/ou
atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas
ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16
anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 anos,
independentemente da sua condição ocupacional”. O documento foi
elaborado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, do
Ministério do Trabalho.
Este ano, o Dia Mundial contra o
Trabalho Infantil tem como tema “Não ao trabalho infantil na cadeia
produtiva”. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca
de 168 milhões de crianças, em todo o mundo, são submetidas ao
trabalho, principalmente nas cadeias produtivas da agricultura,
indústria e construção.
Menor Aprendiz
A
Constituição Federal proíbe a realização de qualquer tipo de trabalho
por menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14
anos. Também é vedada a realização de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de 18 anos.
“A lei estabelece uma série de
regras e limitações. Por exemplo, um adolescente pode trabalhar na
condição de aprendiz, mas não na operação de máquinas ou na coleta de
lixo, por exemplo. Isso é atribuição de adulto. Quando a gente verifica
isso, mesmo em um contrato supostamente regular, nós temos que agir e
combater esse tipo de prática”, completa o superintendente regional do
trabalho, Flávio Nunes.
Penalidades
As
punições contra pessoas ou empresas que exploram essa atividade são
consideradas insuficientes. Com isso, mesmo com a constatação do
trabalho infantil em determinada situação, as penalidades são
consideradas brandas pelos especialistas.
“Na Justiça do
Trabalho, quando chega um processo, na maioria das vezes o trabalho
infantil já aconteceu ou, pior, um acidente envolvendo uma criança ou
adolescente. No caso do menor aprendiz, além do reconhecimento de
vínculo, há a assinatura de Carteira de Trabalho e todas as verbas
indenizatórias, porque [o adolescente] estava na condição de empregado.
Mas há ações civis públicas, em que o trabalhador usa essa prática do
trabalho precoce, antes da idade permitida, e pode responder, inclusive,
por dano moral coletivo. Nesse caso, são indenizações mais vultosas e
mais pesadas para corrigir a situação”, ressalta a juíza Rosimeire
Fernandes.
Para o superintendente Flávio Nunes, em alguns casos,
como as ocorrências em ambiente familiar, a orientação e o
aconselhamento são mais eficazes.
“São duas situações distintas:
uma é quando o auditor-fiscal se depara com uma criança sendo explorada
pelo empregador. A outra é quando você encontra uma criança sendo
utilizada pelos pais, prefiro não chamar de exploração, na venda de
pipoca, na venda de produtos, numa feira, por exemplo. O empregador você
pune com base na lei, porque ele está cometendo uma irregularidade,
explorando aquela criança. Nós resgatamos a criança e a encaminhamos aos
conselhos tutelares para cuidarem dela”, diz. “No caso dos pais, é o
trabalho de convencimento, porque não se pune o pai por utilizar o
filho. Temos que convencer as famílias que o mais importante é cuidar da
educação da criança”, completa Nunes.
Conscientização
Segundo
o superintendente, o caminho para a erradicação do trabalho infantil
passa pela junção de forças de instituições de combate e fiscalização e
requer ainda ações na área de educação e uma mudança cultural.
Distribuição de cartilhas, campanhas publicitárias, reportagens e
orientações a multiplicadores, como professores, podem ser uma
ferramenta eficaz contra o trabalho infantojuvenil, de acordo com Flávio
Nunes.
“Esse problema do trabalho infantil não se resolve apenas
com a fiscalização. Há algo muito mais amplo, nós temos que mudar uma
cultura. Em algumas oportunidades, a gente verifica que essas crianças
trabalham com os próprios pais. No carnaval de Salvador, por exemplo, a
gente encontra muitas crianças vendendo cerveja, o que é totalmente
ilegal e prejudicial para a formação dessa criança”, diz o
superintendente.