Quarta, 23 de novembro de 2016
Flávia Villela - da Agência Brasil
Direito
humano fundamental, o acesso à água segura e ao esgotamento sanitário
não estão disponíveis da mesma forma para homens, mulheres e outras
identidades de gênero, mostra relatório da Organização das Nações Unidas
(ONU). O estudo foi coordenado pelo pesquisador brasileiro Léo Heller,
que é relator especial sobre o direito humano à água potável segura e ao
esgotamento sanitário da instituição. Heller, que também coordena o
Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Saneamento da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), contou que verificou que em quase todas as localidades
onde há falta ou má distribuição de serviços de saneamento são as
mulheres que coletam água para manter a higiene do lar.
“A
situação mais usual é que quando não há água nas proximidades da
residência, as mulheres e meninas são, na maioria das vezes,
encarregadas de buscá-la em algum lugar, o que demanda tempo elevado. Em
um país que visitei, o Tadjiquistão, um estudo mostra que as mulheres
demoram de quatro a seis horas por dia para fazer iss”, acrescentou,
ressaltando que essa situação reforça a dependência econômica delas dos
maridos, já que não são remuneradas por esse tempo. O longo percurso
também apresenta riscos a essas mulheres de sofrerem ataques de animais
selvagens e violência sexual, sobretudo no local onde lavam a roupa e
tomam banho.
O risco da violência sexual e o estresse também se
apresentam em situações em que as mulheres não têm acesso a banheiros e
precisam fazer suas necessidades básicas a céu aberto, o que as deixa
vulneráveis. Algumas mulheres e meninas relataram ter sofrido abordagens
grosseiras, lançamento de pedras, esfaqueamento e estupro enquanto
procuravam por locais para as necessidades básicas.
De acordo com
o relatório, essa falta prejudica a vida de muitas mulheres, que muitas
vezes preferem não sair de casa por não ter privacidade para a higiene
íntima, especialmente no período menstrual.
O problema também
afeta a saúde de muitas que seguram a urina por longos períodos de tempo
e deixam de ingerir líquidos, aumentando o risco de infecções de bexiga
e rins. O Brasil não é exceção e os casos mais comuns são vistos nas
zonas rurais, onde o problema da seca é uma constante.
Transgêneros
A
inadequação dos espaços públicos atinge ainda as mulheres trans que
ficam expostas a agressões morais e físicas ao usar instalações
sanitárias separadas pelo sexo biológico. Estudos feitos na Índia
revelam que os transexuais enfrentam dificuldades em encontrar casas
para alugar, sendo forçados a viver em favelas e áreas remotas, com
sérios problemas de esgoto e distribuição de água.
Outro grupo
atingido é a população em situação de rua. Em Belo Horizonte (MG), um
estudo coordenado por Heller mostra que os albergues e as unidades de
acolhimento não são em número suficiente para a quantidade de pessoas
sem moradia. Embora a maior parte desse público seja composta por
homens, são as mulheres que mais sofrem com a falta de privacidade.
Recomendações
O
pesquisador ressaltou que o estudo é importante para orientar políticas
públicas voltadas para serviços de água e esgoto. “Às vezes, a
legislação e as políticas públicas, quando são neutras em relação à
questão de gênero, acabam favorecendo os homens. Nesse caso, por
exemplo, se fazem necessárias ações afirmativas para mulheres”.
Uma
das recomendações do relatório é que essas políticas incluam mulheres e
grupos marginalizados na tomada de decisões de todas as fases do
planejamento e políticas e leis de saneamento, monitoramento e
avaliação.
O estudo sugere ainda que os governos criem um sistema
de indicadores de gênero para melhorar a coleta de dados desagregados
por sexo e outros fatores relevantes, que são necessários para avaliar o
impacto e a efetividade das políticas que visam à igualdade de gênero e
ao fortalecimento da fruição dos direitos das mulheres à água e ao
esgotamento sanitário