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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Mobilização impediu ontem (11/7) Comissão Especial de votar o parecer do Escola sem Partido

Quinta, 12 de julho de 2018

Do Sinpro/DF
Por Maria Carla
Uma mobilização de parlamentares da oposição, juntamente com os protestos dos professores que estiveram no Plenário 12, da Câmara dos Deputados, na tarde desta quarta-feira (11), impediu a votação do parecer do relator, Flavinho (PSC-SP), ao Projeto de Lei (PL) nº 7.180/2014, de autoria do deputado federal Erivelton Santana (PSC-BA).
Esse PL institui a Lei da Mordaça, ou seja, o Escola sem Partido nas escolas públicas e gratuitas de todo o país. A bancada oposicionista apresentou nove requerimentos e dezenas de questões de ordem, o que barrou a leitura do Parecer e sua votação. Após as 19h, os deputados federais tiveram de encerrar a sessão da Comissão Especial para participarem da votação, no Plenário da Casa, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

A diretoria colegiada do Sinpro-DF informa que, com isso, a votação do Parecer foi adiada e nova data será estabelecida . “É importante a categoria estar mobilizada para impedir a aprovação de uma lei que, além de inconstitucional, irá instituir nas escolas públicas e gratuitas a inquisição religiosa e a perseguição política”.
CRIMINALIZAÇÃO
As lideranças sindicais do movimento docente explicam que, muito mais do que inconstitucional, o projeto da Lei da Mordaça, dentre vários malefícios à educação, irá impedir que as escolas públicas e gratuitas e suas comunidades se organizem para reivindicar mais direitos, mais respeito por parte do Estado e mais educação com qualidade.
A proposta da Lei da Mordaça (PL nº 7.180/2014) preconiza e criminaliza a organização dos professores junto à comunidade escolar para reivindicar construção de escolas, mais segurança, impedir manifestações, como as que ocorreram em várias escolas do Distrito Federal e no país aconteçam. Esse projeto irá impedir até as coisas mais simples, como, por exemplo, uma passeata da escola e sua comunidade para defender o meio ambiente.
“Se aprovada, a Lei da Mordaça irá impedir uma passeata com esse conteúdo, numa comunidade escolar, situada em regiões em conflito ambiental, como as Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste (Pantanal) e ser considerada doutrinação política. Essa lei poderá, numa passeata, por exemplo, pedindo segurança nas escolas, criminalizar professores”, alerta a diretoria.
Uma passeata pedagógica a favor do meio ambiente e que reivindique o fim da derrubada das florestas e uma passeata pela paz podem provocar crise entre madeiros e organizações criminosas contra professores. Políticos ligados a madeireiros que atuem nos Poderes Legislativos das três esferas da União podem usar a Lei da Mordaça para criminalizar as ações pedagógicas que debatam os fenômenos humanos, como a defesa do meio ambiente, a paz na cidade, a segurança nas escolas e outros temas do dia a dia das comunidades escolares e das disciplinas lecionadas.
Em vez de pensar em melhorias para a educação pública e gratuita, como, por exemplo, a revogação da Emenda Constitucional 95, de 2016, que congelou por 20 anos os investimentos do Estado nas áreas sociais, principalmente na educação e saúde, os deputados federais fundamentalistas elaboram leis – e são várias – que visam a atacar a categoria docente, a diminuir ainda mais a qualidade da educação lecionada nas escolas públicas e gratuitas do país.
FIM DA DEMOCRACIA NAS ESCOLAS
“Desde 2016, ou seja, quando esse PL iniciou a tramitação no Congresso Nacional, nós, dirigentes do Sinpro-DF, começamos a denunciar o seu significado.Trata-se de um projeto que cerceia o direito de ensinar, o de aprender; retira qualquer possibilidade de democracia na escola. E agora, mais uma vez, estamos aqui na Câmara dos Deputados para combatê-lo”, informa Cleber Soares, diretor do Sinpro-DF.
Ele ressalta que “esse PL é apoiado por um parlamentar do Distrito Federal e que, hoje, se coloca como um candidato a governador do DF, apoiado pelo senador Cristóvam Buarque, do PPS, que apoia um projeto que ataca o educador e a educadora, a educação e a escola pública e gratuita. Estamos aqui para garantir o direito que o estudante tem de aprender, o do professor de ensinar, a democracia, e, tudo isso, acaba se revertendo em escola pública e gratuita de qualidade. Tirar a democracia da escola pública é impedir que ela seja uma escola de qualidade”, adverte.
DISQUE-DENÚNCIA E ATAQUE AOS PROFESSORES
“Esse projeto ataca a educação como um todo, mas ataca diretamente a cada professor e professora porque parte do princípio de que todo professor e professora têm de ser vigiados(as) e propõe, permanentemente, a quebra da confiança entre estudantes e educadores. Em vez de respeito mútuo, a Lei da Mordaça institui uma espécie de disque-denúncia em sala de aula. Está no projeto de lei que todas as salas de aula terão um cartaz dizendo o que cada professor deve falar. Dependendo de como o professor ou a professora responder a uma pergunta, ele e ela poderão ser punidos(as)”, denuncia Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS).
DIRETRIZES FUNDAMENTALISTAS E A DESCONTEXTUALIZAÇÃO DO ENSINO
A deputada federal Érika Kokay (PT-DF) aponta os aspectos fundamentalistas, ultraconservadores, inquisitores e retrógrados da Lei da Mordaça. Alerta para o fato de que essa lei irá retroagir o Brasil para a Idade das Trevas.
“Esse projeto é tecido e construído com as tintas fundamentalistas e as tintas dos que querem calar as escolas. Para eles, as escolas representam um perigo porque elas são espaços naturais de diversidade e nós sabemos que, mesmo a aprendizagem conteudista, que eles querem instituir nas escolas públicas e gratuitas, precisa da contextualização, da consciência crítica, dos questionamentos para que possa se desenvolver. A inteligência humana pressupõe a liberdade de pensamento senão não a temos. E eles querem fazer da escola uma transmissão hierarquizada de conteúdos como se os e as estudantes fossem receptáculos vazios”, critica.
DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO E À LDB
Kokay explica que o PL 7180/14 fere a Constituição Federal porque obriga os e as estudantes a engolirem, como pílulas prontas, um conteúdo transmitido de forma hierarquizada. “Isso fere o artigo 205 da Constituição e também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB, quando essa lei estabelece que a escola é o espaço de construção de um saber.
LEI DO BULLYING E MARIA DA PENHA
O PL da Mordaça fere outras legislações, como a que ataca o bulliyng, construída para impedir o sofrimento nas escolas.Esse sofrimento foi o que levou a sociedade brasileira a construir essa legislação. Como é possível impedir o bulliyng se a escola estará impedida de discutir os fenômenos humanos, se a escola estará esterilizada para reconhecer e enfrentar a discriminação que leva ao bullying?”, indaga.
Ela mostra que essa Lei da Mordaça fere também a Lei Maria da Penha quando essa lei diz que as escolas são um espaço importante para que nós possamos assegurar que as mulheres vivam sem violência doméstica. Fere a lei que assegura o estudo da África nas escolas.
NÃO É CRISTOFOBIA: É A DEFESA DO DIREITO DE TODOS OS CREDOS
“É um projeto ilegal. E aqui eles têm razão. Tem razão o deputado que diz que as mordaças têm de existir sim porque elas impedem que se mordam a Cristo ou ao cristianismo. Ninguém está aqui falando de que existe cristofobia e perseguição a Cristo? Estamos falando aqui de liberdade de credo e de Estado laico. Se o Estado não for laico, é teocrático, e isso exclui a liberdade de credo porque segue uma única concepção religiosa”.
Ela informa que os parlamentares que se posicionam contra a Lei da Mordaça, enfrentaram, nesta quarta, o fundamentalismo que quer se apossar dos corpos das mulheres; que quer impedir a liberdade de existência humana à população LGBT; que quer impedir a liberdade de orientação sexual; que quer que as pessoas sejam discriminadas pela sua identidade de gênero.
OBSTRUÇÃO PARA DEFENDER A LIBERDADE DE CÁTEDRA
“O que fizemos hoje foi construir uma obstrução. Usamos os instrumentos que o Regimento da Casa nos oferta para que não tenhamos de pedir vista porque pedir vista é queimar vista, é o último recurso protelatório para apreciação imediata desse projeto. Se conseguimos impedir que se peça vista, quando retornar os trabalhos em agosto, e retorna em uma condição diferenciada porque em períodos eleitorais o funcionamento da casa não é normal, tem uma atipicidade, e, assim, a gente quer guardar o pedido de vista para que possamos fazê-lo em agosto e, entrando no processo eleitoral, possamos impedir a aprovação desse atendado à liberdade, à democracia e agressão aos educadores”, disse a deputada.
Érika critica os parlamentares favoráveis à Lei da Mordaça e assegura que, ao dizerem que os educadores são doutrinadores partidários é substimar a capacidade das pessoas de saber o que é doutrinação partidária e educação de qualidade socialmente referenciada, que trata das questões e fenômenos humanos e da construção cidadã do conhecimento científico e do pensamento crítico de uma sociedade.
“Nenhum educador, e eu digo educador na concepção de Rubem Alves, não se presta a ser doutrinador de partidos políticos, mas o educador de fato desenvolve a consciência crítica, contextualiza o ensinamento, sabe que a aprendizagem cresce à medida que crescem o debate, a consciência crítica e a cidadania. Escola não é só local de aprendizagem. É local de resgate de cidadania e de interesses humanos. Nesse sentido, foi importante, nesta comissão, aliado às estratégias que a oposição desenvolveu, de protelação ou de obstrução, a participação dos movimentos sociais”, disse a deputada.
PARTICIPAÇÃO DO MOVIMENTO DOCENTE E A FORÇA DAS MINORIAS
Kokay disse que nada é mais importante do que a particação dos movimentos sociais. “A gente transforma minorias em maiorias quando a sociedade se movimenta. A atuação do Sinpro-DF, cujas lideranças sindicais estiveram na sessão durante todo o tempo para defender a liberdade de cátedra nas escolas, o direito de ensinar ao professor, o direito de aprender ao estudante, o respeito ao estudante e, particularmente, aos educadores, foi fundamental. O Sinpro-DF participou passo a passo e trouxe um simbolismo que passou a ser incorporado por vários movimentos sociais que aqui estão, que é a mordaça. O Sinpro trouxe uma atadura para simbolizar a mordaça. Nada inquietou mais os fundamentalistas e esses que querem esterilizar a escola”.
POLÍTICOS DA LEI DA MORDAÇA QUEREM GOVERNAR O DF
A deputada petista considera essa situação que passa a política local muito contraditória e diz que não se pode homenagear essa contradição nas urnas, “sobretudo, quando vê parlamentares, como o senador Cristóvam Buarque, que se diz senador da educação e que sabe o que representa e o que é a educação que na sua história sempre defendeu a liberdade de pensamento e a consciência crítica apoiar e lançar para o Governo do Distrito Federal (GDF) o autor do projeto do Escola sem Partido, deputado Izalci Lucas (PSDB-DF).
“O autor de um projeto que, para além de ter todo um caráter cruel e amordaçador do Escola sem Partido, ainda propõe que em cada sala de aula haja um cartaz para que o estudante leia e diga que ele, o estudante, tenha de denunciar o professor, ou seja, a função que, na ditadura militar, era feita pelos agentes dos Estado infiltrados, eles querem que seja assumida pelos estudantes. Isso significa rompimento de vínculo e tentar fazer do estudante o títere (palhaço, bobo) de uma discussão de impedimento da liberdade de pensamento e da construção de consciência crítica”, diz Kokay.
INCONSTITUCIONAL E DESRESPEITA DECISÕES DO STF
Fátima Aparecida da Silva, diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), diz que o PL da Mordaça é a volta à Idade Média. “É trevas. Ele é maléfico para toda a educação do país e para todas as pessoas não só profissionalmente, mas também enquanto formação. No Brasil inteiro, depois dessa onda de fundamentalismo reacionário levantada por Bolsonoro, vários locais já tentaram aprovar a lei. Mas a militância tem impedido”.
CNTE GANHOU ADIN CONTRA MORDAÇA
Ela informa que a CNTE entrou no Supremo Tribunal Federal contra a Lei da Mordaça e ganhou. “Em Alagoas essa lei foi aprovada na Assembleia Estadual. Entramos com uma Ação de Inconstitucionalidade no STF e ganhamos dizendo que é inconstitucional. Mas esta Casa aqui insiste em impor algo inconstitucional e que já tem decisão judicial. O que nos resta é fazer a luta e a resistência, mesmo na diversidade. Não podemos deixar passar isso no Brasil e em brancas nuvens. É importante a participação da categoria em peso porque, hoje, ganhamos um round, mas tem muito mais pela frente e os que querem nos calar são maioria”, finaliza.

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