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(Millôr Fernandes)

sábado, 23 de novembro de 2024

ATÉ A POUPANÇA REVELA A PROFUNDA DESIGUALDADE SOCIOECONÔMICA BRASILEIRA

Sábado, 23 de novembro de 2023


Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional

Brasília, 22 de novembro de 2024

ATÉ A POUPANÇA REVELA A PROFUNDA DESIGUALDADE SOCIOECONÔMICA BRASILEIRA

Em inúmeros escritos, destaquei uma boa parte dos expedientes de transferência de rendas que fariam Robin Hood morrer de raiva em terras tupiniquins. Abordei, entre outros: a) juros da dívida pública; b) benefícios fiscais; c) subsídios; d) operações compromissadas; e) swap cambial; f) formação de reservas monetárias; g) uso de cartões de crédito e de débito e h) a farra das bets (casas de apostas).

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) divulga um conjunto de dados muito esclarecedores. “Em 2023, o volume financeiro distribuído para os segmentos private e varejo somou R$ 6,5 trilhões contra R$ 5 trilhões de 2022, o que corresponde a um crescimento de 29,8% no período. O montante considera a previdência aberta de varejo, que passou a ser contabilizado em dezembro de 2023 e adicionou R$ 790 bilhões de reais ao total do ano” (fonte: anbima.com.br).

As informações mais significativas estão reservadas para a revelação dos maiores instrumentos de investimento para cada um dos três segmentos considerados (varejo tradicional, varejo de alta renda e private). O varejo tradicional considera consumidores de diversas faixas de renda, com foco no atendimento às necessidades diárias. O varejo de alta renda envolve consumidores com maior poder aquisitivo e que buscam produtos e serviços de luxo ou premium (classe alta ou média-alta). O "private" refere-se a clientes de altíssimo poder aquisitivo, popularmente conhecidos como “ricos” ou “super-ricos”.

Em 2023, segundo dados da ANBIMA, dos recursos investidos no âmbito do varejo tradicional, 46,9% estavam alocados na poupança e 19% em CDB/RDB (certificados e recibos de depósito bancário). Já para o varejo de alta renda, as duas maiores alocações eram: CDB/RDB com 22,5% e fundos de renda fixa com 17,9%. Para o segmento denominado de “private”, os dois maiores instrumentos de investimentos eram:  fundos multimercado com 25,3% e ações com 23,4%.

Sintomaticamente, o segmento “private” alocou somente 0,4% de seus recursos em poupança (o campeão disparado do varejo tradicional). Por outro lado, o varejo tradicional investia somente 3,6% de seus recursos em fundos multimercado e 4,5% em ações (os campeões do segmento “private”).

Não existe, portanto, a menor dúvida acerca de uma profunda disparidade de alocação de recursos para investimentos quando considerado o segmento socioeconômico. A faixa mais endinheirada da sociedade brasileira busca instrumentos com as maiores remunerações ou retornos. Por outro lado, os setores com recursos mais exíguos procuram depósitos na poupança (ou caderneta de poupança), inequivocamente a opção com mais baixa remuneração ou retorno.

Obviamente, a explicação para o fenômeno destacado não passa por nenhuma forma de masoquismo (individual ou social). Não parece crível que alguém conscientemente faça a opção por receber um montante de recursos financeiros menor quando poderia receber um maior. Ademais, para essas pessoas, com menos recursos, as menores diferenças decorrentes dessas opções podem ser decisivas em termos de sobrevivência e qualidade de vida.

Tudo indica que a razão fundamental para as discrepâncias aludidas reside em uma profunda assimetria de acesso às informações relevantes. Afinal, a mais elementar educação financeira é um artigo relativamente escasso na sociedade brasileira. Existe um efetivo e generalizado desconhecimento acerca das alternativas mais vantajosas em relação à poupança.

É incontestável que os instrumentos alternativos à poupança exigem um procedimento mais trabalhoso que a simples abertura de uma conta em um estabelecimento bancário. Entretanto, não se trata de algo extremamente complexo ou dispendioso. O problema fundamental é mesmo a falta de informação.

Observe-se que a alternativa mais imediata à poupança é o Tesouro Direto. Trata-se de um programa do Tesouro Nacional, lançado em 2002, desenvolvido em parceria com a B3, para venda de títulos públicos federais para pessoas físicas de forma 100% online. Inicialmente, as aplicações possuíam o valor mínimo de R$ 30,00 (trinta reais). Atualmente, os investimentos não contam com valor mínimo. Segundo o site do Tesouro Direito, esse instrumento “… oferece boa rentabilidade e liquidez diária, mesmo sendo a aplicação de menor risco do mercado”.

Para realizar o cadastramento perante o Tesouro Direto é preciso abrir conta em um banco ou corretora habilitada. “É por meio dessas instituições também que você disponibilizará o valor que quer aplicar e receberá seu dinheiro quando resgatar seus investimentos no Tesouro Direto” (fonte: tesourodireto.com.br). O site do Tesouro Direto lista as instituições, taxas cobradas (a maioria delas operam com taxa zero), prazo de repasse de recursos e dados para contato.

São justamente esses bancos e corretoras (instituições financeiras) que operam com aqueles produtos mais interessantes (com maiores retornos), como ações, fundos de renda fixa e fundos multimercados. Boa parte das instituições viabilizam a abertura de contas sem qualquer espécie de custo.

Percebe-se, portanto, que o quadro de profundas desigualdades socioeconômicas instalado no Brasil vai além de importantes ferramentas econômico-financeiras cuidadosamente institucionalizadas. Até mesmo o assimétrico acesso a informações financeiras básicas consolida enormes discrepâncias em termos de apropriação social das riquezas produzidas.