O DEBATE POLÍTICO LEGÍTIMO NÃO DEVE SER CONFUNDIDO COM A BARBÁRIE DESAFIANDO A CIVILIZAÇÃO
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 15 de novembro de 2024
Na última segunda-feira, dia 11 de novembro de 2024, fui honrado com a oportunidade de ocupar a Tribuna Livre pela Paz. Trata-se de um projeto promovido pela União Planetária e pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB (CEAM) na forma de um espaço de diálogo aberto e inclusivo para a expressão de ideias e opiniões construtivas sobre temas de interesse da sociedade.
Fiz, na ocasião, uma exposição acerca da “Dignidade da Pessoa Humana”. Destaquei, entre outros, os seguintes aspectos desse tema instigante, complexo e multifacetado: a) a consagração jurídica desse amplo consenso ético mundial; b) sua utilização como fundamento para a cultura da centralidade dos direitos humanos e fundamentais, rejeitando todas as formas de violência, opressão, discriminação e preconceito; c) sua incorporação nas declarações internacionais de direitos e nas Constituições e d) sua importância no processo de profunda transformação paradigmática do Direito (do império das normas-regras para a afirmação das normas-princípios).
Argumentei que é possível resumir a ordem jurídica brasileira dessa forma: “A República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana”.
Os debates que se seguiram à exposição foram extremamente ricos e permeados de profundas questões humanistas, éticas, filosóficas e espirituais. Surgiram questões como: a) o avanço da ideia de “dignidade da pessoa humana” para a consagração da “dignidade da vida”, contemplando os animais e a própria natureza; b) a constatação de que a democracia política é necessária, mas insuficiente para um convívio humano digno; c) a afirmação de que a democracia social, com o amplo usufruto dos direitos ao trabalho, à saúde, à educação, à cultura, aos esportes, ao lazer, ao transporte, e outros tantos, deve ser um desafio equacionado no ambiente das liberdades democráticas; d) o problema do nível de tolerância com os intolerantes com a democracia política; e) o princípio universal do progresso ou evolução, aplicável em todos os planos da existência (cósmico, planetário, social, biológico e espiritual); f) os profundos dramas socioeconômicos da atualidade e a constatação de que já avançamos alguns importantes degraus civilizatórios e g) a possibilidade de destruição do planeta e a existência de vida em outros mundos.
Um dos aspectos abordados na minha exposição tem íntima relação com o absurdo atentado ocorrido no dia 13 de novembro de 2024, na Praça dos Três Poderes e arredores. Segundo a imprensa: “Durante coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (14/11), o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, responsável pelas explosões na Praça dos Três Poderes, na noite dessa quarta-feira (13/11), tinha intenção de ‘matar ministros da Suprema Corte’, e que seu alvo principal era Alexandre de Moraes” (fonte: metropoles.com).
Sustentei, na exposição referia, que, sob a influência da ideia de “dignidade da pessoa humana”, não é viável confundir o embate entre civilização e barbárie com o legítimo debate entre as esquerdas e as direitas (acentuando os plurais necessários, como fiz em texto que trata especificamente dessas vertentes político-ideológicas).
Com efeito, o enfrentamento entre as esquerdas e as direitas está fundado nas concepções de prevalência da justiça social (foco no nós, no coletivo) ou da livre iniciativa (foco no eu, no individual). Sob essas influências básicas, serão discutidos temas como o tamanho do Estado, privatizações, formatação de políticas públicas e características fundamentais de uma rede de proteção social.
Quando a discussão (e a prática política) envolve temas como violências físicas e psicológicas, inclusive tortura, opressões, preconceitos, discriminações, ameaças, intimidações, disseminação em massa de mentiras, discurso de ódio e outras práticas deploráveis, temos, em verdade, a tentativa da barbárie afastar os avanços civilizatórios. O debate político-ideológico legítimo pressupõe o acordo de todos os atores acerca do mínimo civilizatório.
É preciso afirmar com toda a energia que o adversário deve ser derrotado politicamente. No processo democrático de debate político-ideológico, as ideias do oponente devem ser caracterizadas como equivocadas ou insuficientes. Assim, não vingarão ou não serão consagradas como posição majoritária. Esse é o exercício civilizado da política.
A eliminação violenta da discordância, personificada no cidadão ou na autoridade, é a consagração da barbárie. Esse tipo de atitude chega às raias da covardia extrema quando dirigida a familiares, muitas vezes crianças ou adolescentes. Temos, nesses casos, a mais vil negação da nobre condição humana.
O mais importante projeto existencial para a plena realização do ser humano pressupõe um caminho marcado pelo exercício das mais relevantes liberdades e direitos (incolumidade física e psicológica, orientação sexual, crença religiosa, convicção política, manifestação de pensamento, expressão artística, intimidade, imagem pessoal, inviolabilidade domiciliar, locomoção, reunião, associação, propriedade, trabalho, educação, saúde, alimentação, transporte, lazer, previdência, entre outros) e dos mais sublimes valores (solidariedade, fraternidade, pluralidade, generosidade, altruísmo, bondade, compaixão, coragem, empatia, gratidão, honestidade, honra, humildade, justiça, paciência, perdão, prudência, respeito, responsabilidade, solução pacífica dos conflitos, entre outros).