Domingo, 17 de novembro de 2024
Ato teve início na Rodoviária do Plano Piloto, com encerramento em frente ao Conjunto Nacional
Camila Araujo
Brasilia (DF) | 15 de novembro de 2024
PEC pela redução da jornada de trabalho mobilizou protestos pelo país nesta sexta, 15 de novembro - Camila Araujo
“Eu trabalho muito mais do que 44 horas semanais, por isso eu concordo com esse ato”, diz Vanessa*, vendedora de uma loja do shopping Conjunto Nacional, em Brasília (DF).
Com lágrimas nos olhos, ela observa o protesto pelo fim da escala 6x1 que se desloca da Praça Zumbi dos Palmares até a entrada do centro de compras, nesta sexta-feira, 15 de novembro. À sua frente, manifestantes gritam: “trabalhador, presta atenção, essa escala só é boa pro patrão”.
Organizações, movimentos populares, sindicais e partidos de esquerda se reuniram a partir das 9h na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília. Por volta das 11h, centenas de pessoas presentes se deslocaram para a Praça Zumbi dos Palmares, encerrando o percurso às 12h40 em frente ao Conjunto Nacional.
Estiveram presentes a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) e os deputados distritais Gabriel Magno (PT-DF) e Fábio Félix (Psol-DF).
Para Félix, a mobilização pela PEC é uma “janela de oportunidade” para engrossar a luta por direitos. “O mais importante agora é a gente não diminuir a mobilização popular e não confiar só na tramitação da PEC na Câmara, porque em geral o resultado não é positivo. Tem muita enrolação nesse processo e além disso o acordo final nem sempre é bom, principalmente para o trabalhador”, disse o parlamentar.
Deputado distrital Fábio Félix defende que a luta pelo fim da 6x1 vá para além do Congresso / Camila Araujo
Para o petista Gabriel Magno, a jornada de trabalho deve ter 30 horas semanais numa escala 4x3. “Nós temos que disputar com a direita, porque nós estamos vendo a disputa que a direita quer fazer pra ter corte no orçamento das políticas sociais. Se é pra ter corte, é pra ter corte nos privilégios, dos banqueiros, empresários, militares.”
Erika Kokay afirma que a mobilização nas ruas é pela pauta no Congresso que vai assegurar que “não arranquem nosso próprio tempo e a nossa própria vida”. “Nós estamos aqui para dizer que queremos vida além do trabalho, com direito ao estudo, ao lazer e ao descanso.”
O protesto no DF, realizado também em pelo menos mais de 25 cidades brasileiras, foi convocado pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT-DF) depois que a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) protocolou na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela redução do limite máximo de 44 para 36 horas semanais trabalhadas.
O VAT no DF foi articulado inicialmente pelo motorista de aplicativo Abel Santos, membro da Associação dos Trabalhadores por Aplicativos e Motociclistas do Distrito Federal e Entorno (ATAM-DF). À nível nacional, o movimento se relaciona com a atuação de Rick Azevedo, que ganhou notoriedade nas redes sociais após viralizar com vídeos no Tik Tok em que relata uma rotina exaustiva de trabalho. Nas eleições deste ano, ele se elegeu como vereador mais votado pelo Psol do Rio de Janeiro.
“Eu conheci o VAT pela internet, entrei em contato com Rick e ele me passou qual era o objetivo do movimento. Eu pensei logo no início que a gente tinha que trazer o movimento para cá, que é a casa dos deputados. Então a gente criou grupos e começou a fomentar a pauta aqui. Na última semana, batemos de gabinete em gabinete para coletar assinaturas para a PEC”, explicou Abel, desempregado desde que sofreu um acidente de moto e perdeu a função da mão direita.
Desempregado após acidente de moto, Abel Santos ajuda a organizar o VAT em Brasília / Camila Araujo
O texto de Erika Hilton, que cita o VAT logo no início da justificativa, precisava de ao menos 171 assinaturas para fazer a pauta tramitar no Congresso, feito que atingiu na quarta-feira, 13 de novembro. Atualmente são mais de 200 assinaturas de parlamentares conquistadas.
Celina Andrade, moradora de Planaltina, participou do protesto ao lado de suas filhas, Paula e Marcela. “Eu vi que teria o ato pela internet, minha filha pediu para ir e eu topei. Como eu trabalhei a vida toda, muitas vezes deixei de saber o que estava acontecendo na vida delas porque eu saia de noite e chegava de noite e perdia muito tempo no transporte”, explicou a mãe.
Protesto em família: Celina acompanha as filhas Paula e Marcela pela redução da jornada de trabalho / Camila Araujo
Já operadora de caixa Sara Cristina esteve presente para protestar por amigas que trabalham na escala 6x1, depois que ela mesma foi afastada do serviço por questões de saúde mental. “Essa escala está adoecendo todo mundo”, protestou a manifestante.
Caroline Vitória, bancária e militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), defende que a mobilização permaneça nas ruas para a conquista de direitos. “Mesmo que a PEC seja editada pelo Congresso, não basta a gente se acomodar e achar que apenas lá será feita a luta. A gente precisa ir para as ruas, trazer aqui para a rodoviária, junto de trabalhadores que enfrentam essa escala 6x1”, defende.
Breno Cavalcante, advogado da Associação de Juristas Brasileiros pela Democracia (AJBD), afirma que a organização a qual representa “entende que o movimento de bases populares é muito importante para conseguir conquistas concretas”. “Nossa geração precisa de pautas que unifiquem, precisa de conquistas, para seguir na luta. E o fim da escala seis por um é uma possibilidade palpável, factível, para a gente conseguir uma vitória”.
Para o Paique Duques Santarém, urbanista e membro do Movimento Passe Livre (MPL), articulação que encabeçou os protestos de 2013 por redução das tarifas do transporte público, “o Congresso só funciona sob pressão, não funciona por lobby”.
“A gente tem que atropelar ou convencer organizações e partidos, que topam fazer acordos pela governabilidade, a lutar radicalmente lá dentro”, acrescentou o militante, como contribuição do MPL para essa que promete ser a nova frente de mobilizações por direitos das e dos trabalhadores em todo o país.
Manifestação em Brasília teve início na Rodoviária do Plano Piloto e foi encerrada em frente ao shopping Conjunto Nacional / Camila Araujo
*Vanessa teve o nome verdadeiro modificado nesta reportagem para preservar sua identidade.
Edição: Flávia Quirino