Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 29 de novembro de 2024
Pindorama durante décadas lutou para consolidar sua jovem democracia. A fragilidade das instituições ficava patente a cada momento de maior tensão na arena política. Entretanto, nenhum contexto foi mais delicado e preocupante do que o intervalo de tempo entre a derrota eleitoral do Presidente Tairo Costanaro, candidato à reeleição, e a posse do opositor progressista, Lalor Inário.
A campanha foi marcada por uma altíssima temperatura. Os discursos inflamados, as notícias falsas e as ameaças veladas e explícitas de ruptura institucional dominaram praticamente toda a cena eleitoral. O apertado resultado do pleito contribuiu decisivamente para acelerar a degradação do ambiente político.
Tairo Costanaro construiu, para uma boa parte da sociedade de Pindorama, a imagem de “democrata”, “patriota” ou “vítima do sistema”. Trata-se de um processo inusitado para um personagem dos mais toscos. Afinal, Costanaro, ao longo de sua longa trajetória autoritária, defendeu o fechamento do Parlamento, lamentou o “baixo número” de mortos e torturados pela ditadura, pregou o fuzilamento de autoridades, destilou todos os tipos de ódios, discriminações e preconceitos e tratou adversários como inimigos a serem eliminados fisicamente.
Costanaro aproveitou sua estranha aceitação por dezenas de milhões de pessoas para iniciar uma cruzada contra o processo eleitoral, questionando, sem provas, a integridade das urnas e os resultados. Nos dois últimos meses no posto de Presidente da República, participou ativamente de conspirações pretorianas destinadas a romper a ordem democrática e constitucional.
A Polícia Nacional de Pindorama investigou e apontou, com depoimentos, documentos, conversas em celulares e outros meios, a existência da trama golpista. Provavelmente, o ponto mais agudo do inquérito conduzido por uma equipe de oito delegados foi o depoimento do Comandante-Geral das Forças de Defesa de Pindorama. O General Marcus Anterius Freixo Pontes, nomeado por Tairo Costanaro, relatou a reunião convocada pelo Presidente para buscar apoio para a decretação inconstitucional de Estado de Emergência, a partir de um quadro cuidadosamente provocado de “caos” social, caminho para evitar a posse do eleito, Lalor Inário.
Também foi identificada uma trama para assassinar o Presidente e o Vice-Presidente eleitos antes da posse nos respectivos cargos. Esse movimento causou especial espanto na sociedade, imprensa, meios políticos e judiciais. Segundo as investigações, chegou-se a cogitar o envenenamento das referidas autoridades.
Logo depois da divulgação das investigações da Polícia Nacional, a Universidade do Progresso (UnP), localizada na capital de Pindorama, promoveu um importante evento. O Seminário “Política ontem, hoje e amanhã” contou com a participação do público acadêmico, imprensa, parlamentares, advogados e magistrados.
A conferência de encerramento do referido seminário coube ao Professor Doutor Antônio Ulisses Queiroz, principal destaque do curso de Ciência Política da Universidade do Progresso. Obviamente, quase toda a exposição realizada por Queiroz abordou a tentativa de golpe investigada pela Polícia Nacional. Esse assunto dominava as avaliações políticas na grande imprensa e nas redes sociais, justamente buscando articular os acontecimentos passados, o contexto presente e as projeções para o futuro.
Ulisses Queiroz advertiu que não tinha competência técnica para opinar sobre os aspectos jurídicos da questão. A caracterização da prática criminosa de tentativa de golpe envolveria o enquadramento dos fatos, analisados com o devido cuidado, nas hipóteses previstas em lei.
O enfoque dado na conferência final foi marcadamente político. Entre outros, dois pontos foram destacados. Primeiro, o desfecho das investigações acerca da aventura golpista. O outro aspecto tratado envolvia o controle social sobre a formação institucional dos integrantes das Forças Armadas de Pindorama.
O renomado Professor Ulisses sustentou que politicamente só existe um caminho a ser seguido. No final da trilha, os golpistas de Pindorama serão penalmente condenados. Os envolvidos na aventura de tentativa de ruptura institucional serão denunciados pelo Procurador-Geral da República de Pindorama. Na sequência, depois de um processo penal que não invadirá o ano eleitoral, o Supremo Tribunal de Justiça, por ampla maioria, condenará todos os denunciados (ou a grande maioria deles).
Segundo Antônio Ulisses, o desfecho dos processos penais no sentido das condenações obedece a um raciocínio político fácil de ser entendido. Depois de uma ampla e demorada investigação, das denúncias e das ações judiciais criminais não é politicamente viável a absolvição. Esse resultado seria um verdadeiro convite a realização de outras tramas golpistas em futuros próximos e mais distantes. Os aventureiros tomariam absolvições como demonstrações de fraquezas a serem devidamente exploradas, inclusive como argumento de convencimento para os “golpistas medrosos”.
A segunda reflexão mais importante do Professor Ulisses abordou uma espécie de mecanismo preventivo contra futuros golpismos de origem militar em Pindorama. Para o renomado acadêmico, seria preciso construir fortes mecanismos de controle social acerca da formação do ethos institucional das Forças Armadas e de seus integrantes, notadamente os oficiais mais graduados. A abordagem foi muito incisiva no sentido de que a utilização de forte poder bélico atrai um conjunto de limitações correspondentes. A visceral incorporação dos valores de respeito à democracia e completo afastamento do cenário político deveriam ser pilares fundamentais da formação militar, tão relevantes quanto as noções de hierarquia e disciplina.