Sexta, 19 de abril de 2013
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Dona da empresa responsável por um enorme
desastre ambiental ocorrido na Índia em 1984, Dow Chemical se recusa a
reparar vítimas e danos que ainda afetam a saúde da população
Em 2010, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou a Dow
Chemical – uma das maiores fabricantes de produtos químicos do mundo –
como uma das 11 parceiras mundiais para as Olimpíadas. O apoio da Dow às
Olimpíadas em Londres foi de £ 7 milhões de libras, com a fabricação do
invólucro do estádio.
O anúncio transformou Londres em palco de uma série de manifestações
de ativistas de direitos humanos, políticos e atletas. A comunidade de
cerca de 800 mil indianos protestou em coro. O motivo: a Dow é dona da
americana Union Carbide Corporation que, por sua vez, tinha como
subsidiária a Union Carbide India Limited, responsável pela manutenção e
funcionamento da fábrica de pesticidas em Bhopal, na Índia, onde houve
um vazamento de gás em 1984. O vazamento ficou conhecido como um dos
maiores desastres ambientais do mundo.
Segundo a organização The Bhopal Medical Appeal, milhares de pessoas
pobres consomem a água contaminada pelo lixo tóxico enterrado nos
arredores da fábrica de pesticidas enquanto ela ainda estava ativa. É o
que a organização chama de “um segundo desastre”, que se revela na alta
incidência de casos de câncer e de defeitos genéticos em recém-nascidos.
Esses problemas resultaram em processos contra a Dow Chemical, que em
2001 comprou a Union Carbide, empresa que era dona da subsidiária
indiana responsável pelo desastre de Bhopal e pela construção e operação
da fábrica hoje abandonada. Mas a empresa contesta a responsabilidade
pela tragédia cometida pela gestão anterior.
A Dow Chemical, que já era patrocinadora da Olímpiada de Londres, foi
investigada pela Comissão para uma Londres Sustentável 2012 – criada
para monitorar e garantir o programa de sustentabilidade das Olimpíadas
em Londres. Meredith Alexander, membro da Comissão, renunciou em meio à
investigação: “Eu estava fornecendo informações sobre Bhopal para os
membros da comissão e fiquei chocada porque a comissão repetia
publicamente as falas da Dow de que ela não tem nenhuma responsabilidade
sobre Bhopal”, disse Meredith em uma carta explicativa publicada no jornal The Guardian.
A polêmica chegou a ameaçar a participação da equipe olímpica da
Índia. Os atletas do país discutiram a possibilidade de boicote às
Olimpíadas, mas não a levaram em frente.
No mesmo ano das Olimpíadas, em 2012, o projeto The GI Files, do
WikiLeaks, revelou que a Stratfor, uma empresa americana especializada
em inteligência global, tinha sido contratada pela Dow Chemical para
monitorar os ativistas de Bhopal e o impacto do caso sobre a imagem da
empresa. A maioria dos e-mails vazados
são de 2011 e trazem relatórios sobre as atividades de integrantes do
grupo ativista Yes Men e da The Bhopal Medical Appeal nas redes sociais –
chegando a identificar quem era o integrante responsável pela
comunicação da ONG no Twitter e Facebook.
O vice-presidente da Dow Chemical para operações olímpicas, George
Hamilton, explicou o interesse “olímpico” da empresa ao patrocinar o
megaevento, que será realizado em 2016 no Rio de Janeiro.
“Comercialmente, o Brasil, a Rússia e a China são mais importantes que
Londres,” disse Hamilton, em entrevista
à BBC de Londres. “Para nós, essa é uma grande abertura para entrar
nesses países, acelerar nossa participação e ter um retorno não só do
investimento dos Jogos Olímpicos, mas do legado que vem disso.”
O Comitê Olímpico Internacional também não reconhece o apelo das
organizações e ativistas sobre a situação em Bhopal. O contrato com a
Dow Chemical permanece até 2020.
Leia a seguir a entrevista via email com Colin Toogood, representante da The Bhopal Medical Appeal.
Como e por que essa parceria entre a Dow Chemical e os Jogos Olímpicos não é aceitável?
Nós todos sabemos que, em geral, os problemas dos patrocinadores dos
Jogos Olímpicos giram em torno de uma noção de que o debate está aberto e
isso é uma situação bastante conveniente. Significa que as questões de
“sustentabilidade” podem ser levantadas e “recomendadas”, como estava
sendo feito em Londres pela “Comissão para uma Londres Sustentável
2012”, mas significa também que os patrocinadores problemáticos não
podem ser desqualificados. Nosso argumento é que podemos dar exemplos
indiscutíveis do comportamento empresarial da Dow Chemical que a
desqualificam para se envolver com as Olimpíadas, se a Carta Olímpica
for interpretada corretamente.
Quais seriam esses exemplos?
É um fato absoluto que a Dow Chemical, graças à sua propriedade da
Union Carbide, tem dívidas pendentes em relação ao desastre de 1984 de
Bhopal e a um menos conhecido, um segundo desastre de contaminação
tóxica no mesmo lugar.
Alguns desses fatos estão, sem dúvida, abertos para o debate ou
sujeitos a audiências judiciais e isso dá à Dow – e ao COI (Comitê
Olímpico Internacional) – a saída conveniente de dizer que essa é uma
história incrivelmente complexa, e que os fatos estão submetidos ao
devido processo legal. Se isso é certo, nós não temos um argumento legal
válido contra a Dow por ela ser uma patrocinadora olímpica e devemos
contar com uma interpretação ética e/ou moral da Carta Olímpica.
No entanto, há (pelo menos) um caso em que a Dow é claramente culpada
de um grave abuso da lei: a Dow está ativamente protegendo uma
subsidiária integral de acusações criminais muito graves e, portanto, a
protegendo no devido processo legal.
A Union Carbide Corporation é detida 100% pela Dow Chemical. Na
verdade, a relação entre elas é tão estreita que os executivos de uma
sentam no conselho da outra. A Union Carbide Corporation foi acionista
majoritária (nunca possuiu menos de 50,9% da participação no controle)
da Union Carbide India Ltd., que é a empresa que detinha, e operava, a
fábrica de pesticidas que se tornou o local do pior desastre industrial
do mundo, o desastre do vazamento de gás em Bhopal, em 1984.
Em 1987 foi feito um acordo de US$ 470 milhões entre a Union Carbide e
o Governo da Índia e, na época, isso foi descrito como um final. No
entanto, em 1989, os tribunais indianos acusaram a Union Carbide do
crime de “homicídio culposo”.
Antes da liquidação inicial houve uma tentativa de levar a Union
Carbide aos tribunais dos EUA. Mas, temendo um nível muito mais elevado
de danos, a Union Carbide decretou que os tribunais indianos seriam o
fórum correto para o caso. No entanto, quando as acusações criminais
foram feitas, a Union Carbide, em seguida, declarou que os tribunais
indianos não tinham jurisdição sobre a empresa e repetidamente se
recusou a responder as acusações.
E como está a situação judicial hoje?
Em 17 de março de 2005, uma intimação judicial foi enviada pelos
tribunais criminais indianos à central da Dow Chemical, em Michigan,
pedindo que a Dow explique por que não produziu provas, favorecendo a
Union Carbide Corporation – que foi condenada em 1 de fevereiro de 1992,
pela Magistratura Judicial Central indiana. Ou seja, há mais de 12 anos
a Dow comete o delito de “abrigar um fugitivo da justiça”.
A Dow usou uma subsidiária, a Dow Chemical IPL, para escapar à
convocação, e essa alegou que “não tem nenhum nexo direto quer em termos
de participações, quer em termos de outra forma com a Dow Chemical EUA
e/ou a UCC” [Depoimento da DCIPL perante a Magistratura Judicial
Central, em Bhopal, datada de 03 de setembro de 2004]. E teve sucesso.
No entanto, o Magistrado Judicial central de Bhopal removeu a ordem
de bloqueio obtida pela Dow, em novembro de 2012, abrindo assim o
caminho para a convocação. Mas, até o momento a intimação não foi
emitida e a Dow continua a negar qualquer responsabilidade sobre o caso.
É um exemplo clássico de como a empresa acusada manipula os processos
judiciais. Como resultado, as vítimas do vazamento de gás estão longe
de alcançar a justiça no processo penal, já que o caso tem se tornado
quase uma farsa – o que, não é preciso dizer, cai muito bem à Dow
Chemical.
Nós levantamos outros pontos sobre a relação da Dow com Bhopal, e
muitas outras instâncias de seu comportamento ilegal em todo o mundo,
mas esta questão, do marcante processo criminal de Bhopal, nunca foi
respondida.
Com o anúncio do patrocínio às Olimpíadas, que iniciativa vocês tomaram?
Além da nossa organização, a Anistia Internacional e vários políticos
levantaram a questão ao LOCOG [Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos de Londres], ao Lord Coe (chefe do Comitê), e ao prefeito
de Londres. A questão também foi levantada na Assembleia de Londres e
no Parlamento inglês, mas não foi respondida. Ela não pode ser
simplesmente refutada, pois é um fato. Nós acreditamos que é um
escândalo esta empresa ser autorizada a patrocinar as Olimpíadas,
enquanto esta situação permanece.
Parece mais uma história do comportamento e/ou de abusos das
corporações, mas a diferença nesse caso é que estamos lidando com as
consequências do pior desastre industrial de todos os tempos. Um
desastre que não foi devidamente resolvido no âmbito legal e, pior
ainda, está ligado a outro desastre que tem envenenado milhares de
pessoas por décadas e nunca teve qualquer reparação. Nós acreditamos
firmemente que esse é um fato importante, seja qual for a cidade
olímpica: acreditamos que enquanto a Dow for patrocinadora, a
organização das Olimpíadas está em descrédito.
Fotos: David Graham/Bhopal Medical Appeal.