Quinta, 2 de setembro de 2010
Por Ivan de Carvalho
“Eu não sabia”. Esta foi a frase que entrou para a história do Brasil na qualidade de conjunto da defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escandaloso caso do Mensalão. Com esta única frase e a condescendência de grande parte das oposições – especialmente o PSDB – o presidente, ainda no seu primeiro mandato, conseguiu amortecer a disposição acusatória do Senado e passar à nação a idéia de que ele estava completamente alheio ao rio de lama que nascia sob o Palácio do Planalto e desaguava na Câmara dos Deputados.
“Eu não sabia” era uma frase que indicava passado. Uma vez que o Mensalão foi denunciado pelo presidente nacional do PTB, o então deputado governista Roberto Jefferson, o presidente da República passou a saber. Alegou, em sua defesa, que até esse momento – momento em que Jefferson disse a ele em audiência, antes mesmo de dar uma entrevista que detonou o escândalo – não sabia de nada.
Mas não chegou a dizer que continuava sem saber, embora haja continuado sem agir para investigar e afastar do governo e seu entorno os envolvidos. O procurador geral da República apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal, na qual qualificava o ministro-chefe da Casa Civil na época que estourou o escândalo do Mensalão de “chefe da quadrilha”. No STF, o ministro Joaquim Barbosa (aliás, escolhido e nomeado por Lula) aceitou a denúncia.
No entanto, José Dirceu demorou a perder, se é que algum dia perdeu (o presidente Lula pode esclarecer isso, inclusive com a alegação de que Dirceu ainda não foi julgado e, por presunção, portanto, é inocente) a confiança do presidente da República. Assim é que permaneceu, durante o escândalo, bastante tempo no importante cargo de ministro-chefe da Casa Civil, um cargo que, pelo poder que tem, daria ao seu titular, caso este quisesse, condições efetivas de embaraçar as investigações, pelo menos no nível policial, já que a Polícia Federal é órgão do Poder Executivo.
Agora, estoura um outro grande escândalo na República. O tema é o sigilo fiscal. O escândalo dos Aloprados (esse apelido quem botou foi o próprio presidente Lula, um apelido que esconde boa parte da gravidade do caso, fazendo-o parecer coisa de gente apenas sem juízo e não de criminosos de alto nível) foi algo minúsculo quando comparado ao caso de agora.
O Poder Executivo federal, por intermédio de um órgão importante que o integra, a Receita Federal, violou o sigilo de pelo menos cinco pessoas ligadas ao candidato a presidente do PSDB, principal partido de oposição no país, incluindo o sigilo do vice-presidente deste partido, Eduardo Jorge. Violou também – é a descoberta mais recente – o sigilo fiscal de uma filha do candidato José Serra, com a utilização, para isto, de um procuração falsa, com assinatura falsa, obviamente, e sem firma reconhecida e com reconhecimento falsificado de firma.
E diante desta agressão ao estado de direito e à Constituição, que assegura e garante, em suas cláusulas pétreas, o direito à privacidade, como também garante o sigilo fiscal (assim como o sigilo telefônico e o sigilo da correspondência), o que diz o presidente Lula?
Ele diz que considera a Receita Federal confiável (sic) e, ante a insistência de repórteres que argumentaram com a quebra de sigilo fiscal, disse: “Primeiro, vamos ver se houve mesmo queda”. Quis dizer, quebra.
Bem, desta vez não é como no Mensalão, que o presidente “não sabia”. A coisa é pior. Desta vez ele ainda não sabe, ao contrário de todo mundo e da própria Receita Federal, que confessa o crime.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
“Eu não sabia” era uma frase que indicava passado. Uma vez que o Mensalão foi denunciado pelo presidente nacional do PTB, o então deputado governista Roberto Jefferson, o presidente da República passou a saber. Alegou, em sua defesa, que até esse momento – momento em que Jefferson disse a ele em audiência, antes mesmo de dar uma entrevista que detonou o escândalo – não sabia de nada.
Mas não chegou a dizer que continuava sem saber, embora haja continuado sem agir para investigar e afastar do governo e seu entorno os envolvidos. O procurador geral da República apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal, na qual qualificava o ministro-chefe da Casa Civil na época que estourou o escândalo do Mensalão de “chefe da quadrilha”. No STF, o ministro Joaquim Barbosa (aliás, escolhido e nomeado por Lula) aceitou a denúncia.
No entanto, José Dirceu demorou a perder, se é que algum dia perdeu (o presidente Lula pode esclarecer isso, inclusive com a alegação de que Dirceu ainda não foi julgado e, por presunção, portanto, é inocente) a confiança do presidente da República. Assim é que permaneceu, durante o escândalo, bastante tempo no importante cargo de ministro-chefe da Casa Civil, um cargo que, pelo poder que tem, daria ao seu titular, caso este quisesse, condições efetivas de embaraçar as investigações, pelo menos no nível policial, já que a Polícia Federal é órgão do Poder Executivo.
Agora, estoura um outro grande escândalo na República. O tema é o sigilo fiscal. O escândalo dos Aloprados (esse apelido quem botou foi o próprio presidente Lula, um apelido que esconde boa parte da gravidade do caso, fazendo-o parecer coisa de gente apenas sem juízo e não de criminosos de alto nível) foi algo minúsculo quando comparado ao caso de agora.
O Poder Executivo federal, por intermédio de um órgão importante que o integra, a Receita Federal, violou o sigilo de pelo menos cinco pessoas ligadas ao candidato a presidente do PSDB, principal partido de oposição no país, incluindo o sigilo do vice-presidente deste partido, Eduardo Jorge. Violou também – é a descoberta mais recente – o sigilo fiscal de uma filha do candidato José Serra, com a utilização, para isto, de um procuração falsa, com assinatura falsa, obviamente, e sem firma reconhecida e com reconhecimento falsificado de firma.
E diante desta agressão ao estado de direito e à Constituição, que assegura e garante, em suas cláusulas pétreas, o direito à privacidade, como também garante o sigilo fiscal (assim como o sigilo telefônico e o sigilo da correspondência), o que diz o presidente Lula?
Ele diz que considera a Receita Federal confiável (sic) e, ante a insistência de repórteres que argumentaram com a quebra de sigilo fiscal, disse: “Primeiro, vamos ver se houve mesmo queda”. Quis dizer, quebra.
Bem, desta vez não é como no Mensalão, que o presidente “não sabia”. A coisa é pior. Desta vez ele ainda não sabe, ao contrário de todo mundo e da própria Receita Federal, que confessa o crime.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.