Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O aborto no centro da campanha

Segunda, 11 de outubro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    A candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff, reclamou, no fim de semana, contra o barulho que se está fazendo a respeito do aborto. Um barulho que, junto com alguns outros, já a prejudicou pesadamente, sob o aspecto eleitoral, na votação do começo do mês.

Disse a candidata e ex-ministra chefe da Casa Civil, após visita a uma instituição filantrópica, semana passada: “Essa discussão é legítima... ela só não pode ser o centro de todo o debate no Brasil”.

    Peço licença para discordar dela e dos que concordam com ela.
Pode. Pode ser o centro, sim. E, se for necessário para deixar bem claras as posições dos dois candidatos e seus partidos, bem como suas razões, deve. A sociedade precisa conhecer a fundo o assunto, já que se trata de uma questão vital, por natureza.

   Numa sabatina na Folha de S. Paulo, em 2007, a então ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República foi questionada: “Sobre o aborto, qual a posição da senhora? A legislação atual é adequada (considera crime o aborto, salvo em caso de estupro ou grave risco para a vida da gestante) ou a senhora defende uma ampliação?”.

   A resposta foi instantânea, rápida, segura, tranqüila e firme, como está evidente em vídeo feito na ocasião e disponível na Internet: “Olha, eu acho que tem de haver a descriminalização do aborto. Hoje, no Brasil, isso é um absurdo que não haja – a descriminalização”.

   Depois, em abril de 2009, em entrevista à revista Marie Claire, respondendo a uma pergunta da revista, que se declarava favorável à descriminalização, Dilma Rousseff respondeu: “Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morre porque tenta abortar em condições precárias. Se a gente tratar o assunto de forma séria e respeitosa, evitará toda sorte de preconceitos. Essa é uma questão grave que causa muitos mal-entendidos.”

    Note o leitor: “Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização”. À revista, em abril de 2009, reafirmou o que dissera ao jornal em 2007. Descriminalização, legalização – sinônimos óbvios, no caso, de liberação.

    Hoje, a candidata diz coisas confusas ou vagas a respeito. “Sou a favor da vida em todos os seus aspectos”. Eu, você e as torcidas do Flamengo e do Corinthians também são. E as dos outros times também.

   O aborto e o uso de drogas ilícitas resultam de um processo de desigualdade social que leva ao “esgarçamento” e à “corrosão” da família, teoriza, sensatamente, é claro, a candidata. “Você vê gravidez na adolescência, você vê situação de extremo risco... jovens recorrendo a aborto usando agulha de crochê e vê menino de sete anos usando crack”.

   É, tem isso tudo. E tem o aborto. Mas agora, que o bicho pegou, diz a candidata do PT (partido que tem a descriminalização do aborto no seu programa): “O aborto é uma agressão ao corpo da mulher”. É. E já era em 2007 e em abril de 2009. Mas não é só uma agressão ao corpo da mulher. É uma execução do ser humano absolutamente inocente e indefeso que se desenvolve ainda no ventre da mãe, a hospedeira. Este outro corpo humano vivo (inclusive animado por alma e espírito, segundo os espiritualistas) não é o corpo da mãe e tem o direito natural à vida.

   E a candidata governista promete que não mandará ao Congresso Nacional proposta para descriminalizar o aborto. Ora, um parlamentar qualquer pode propor e uma maioria (até coordenada nos bastidores por parlamentares governistas) pode aprovar. Se a candidata do PT comprometer-se solenemente com a nação a se opor firmemente a qualquer mudança legislativa que favoreça a prática do aborto, ela poderá tirar, como quer, o tema do centro do debate na campanha para o segundo turno.
- - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista político baiano.