Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Reservas internacionais

Segunda, 8 de novembro de 2010
Da "Auditoria Cidadã da Dívida"
Despesa com reservas bate gasto com obras
A manchete de capa da Folha de São Paulo de hoje [8/11] confirma uma denúncia histórica, já feita nos últimos anos pela Auditoria Cidadã da Dívida: a grande elevação da dívida interna, feita para comprar os dólares das reservas internacionais. Estas reservas atingiram US$ 287 bilhões, e são compradas pelo governo com títulos da dívida interna, que paga os juros mais altos do mundo, razão pela qual o jornal diz:

“De 2003 a 2009, manter as reservas exigiu R$ 136,2 bilhões, R$ 3,5 bilhões mais que o dinheiro destinado a estradas, hospitais e escolas.”

Enquanto se gasta sem limite com a dívida, os gastos sociais podem ser limitados, por meio de algumas medidas que podem ser tomadas pela futura Presidente Dilma na área econômica, conforme antecipam alguns meios de imprensa. Enquanto o jornal O Globo (na coluna “Panorama Político”, de Ilimar Franco) mostra que podem ser realizadas as Reformas da Previdência e Trabalhista (para os novos trabalhadores) e aprovada a nova CPMF, a revista Istoé Dinheiro mostra que poderá ser estabelecido um limite para os gastos sociais em relação ao PIB, conforme defende o atual secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa e o coordenador da Campanha de Dilma, Antônio Pallocci.

Cabe comentar que estas medidas visam impedir a necessária expansão dos gastos sociais, para que os gastos com a dívida permaneçam sem limite.

Uma forma do governo federal obter recursos para pagar esta crescente dívida é o recebimento dos juros e amortizações das dívidas dos estados com a União, cujo índice de reajuste (o IGP-DI) gerou custo excessivo aos estados, conforme reconheceu o próprio Relatório Final da CPI da Dívida na Câmara dos Deputados. Neste sentido, a Folha Online mostra que o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, “tentará capitanear um movimento para retomar a discussão sobre a renegociação das dívidas dos Estados com a União.” Portanto, mais um exemplo de como o tema da dívida, apesar de ignorado por muitos no período eleitoral, acaba voltando à pauta.

Porém, ao invés de defender a auditoria e a revisão dos saldos desta dívida (devolvendo-se aos Estados os valores pagos a mais), Alckmin apenas defende a mudança dos juros e do índice – somente a partir de agora - e o aumento do prazo para pagamento.

Enquanto é implacável na cobrança das questionáveis dívidas dos estados – prejudicando a prestação de serviços como saúde e educação – o governo federal não mostra o mesmo empenho em cobrar as dívidas do BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social) com a União, decorrentes das recentes operações de empréstimos que implicaram em aumento brutal da dívida interna. A Medida Provisória 511, divulgada hoje, prevê que o governo poderá abater até R$ 20 bilhões da dívida que o BNDES deve à União, para que o Banco possa arcar com o não-recebimento de empréstimos feitos a empresas.

Ou seja: o governo federal faz nova dívida interna, pagando os juros mais altos do mundo, para poder financiar os empréstimos do BNDES às empresas (a juros bem mais baixos e a prazos bem mais longos), sendo que agora o Tesouro admite não receber de volta R$ 20 bilhões, que serão pagos, portanto, pelo povo. Mais uma ilegitimidade clara da dívida interna.

O Jornal Monitor Mercantil mostra que até mesmo a classe empresarial está reivindicando ao governo o estabelecimento de controles sobre o fluxo de capital que vem ao Brasil para ganhar com os maiores juros do mundo da dívida interna. O Presidente da CNI (Confederação Nacional da Industria) Robson Braga de Andrade defendeu medidas como a “quarentena”, ou seja, o impedimento às saída do capital estrangeiro por um determinado período. A grande entrada de dólares no país gera a desvalorização do dólar, prejudicando as exportações e barateando as importações, em prejuízo da industria nacional.

A recente decisão dos EUA de injetar na economia mais US$ 600 bilhões agravará este quadro, dado que boa parte destes dólares virá ao Brasil ganhar as maiores taxas de juros do mundo, mais a valorização do Real, conforme afirmou o próprio Presidente da CNI.

Nos últimos anos, o Banco Central tem comprado estes dólares e, apesar disso, a moeda americana se desvalorizou fortemente. Apenas o anúncio de tal injeção de US$ 600 bilhões pelos EUA já fez o dólar reverter a valorização ocorrida após as últimas medidas do governo para tentar impedir a queda da moeda americana.

A queda do dólar provoca grande prejuízo ao Banco Central, pelo fato deste carregar uma montanha cada vez maior de dólares que se desvalorizam frente ao real. E de acordo com a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”, não há limite para este prejuízo, que deve ser coberto pelo Tesouro, ou seja, pelo povo. Em 2009, esta conta chegou a R$ 147 bilhões, ou seja, o triplo de tudo que foi gasto com saúde pelo governo federal no ano passado.

Enquanto não há limite algum para os gastos que beneficiam o setor financeiro, o Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, trabalha para que o Orçamento para 2011 não aumente a previsão de gastos sociais, e assim “ajude” a gestão da Presidente Dilma. Conforme mostra o Jornal O Globo de sábado, o Ministro é contra qualquer aumento real do salário mínimo em 2011.

Já o Jornal Estado de São Paulo de domingo anuncia que o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não deve permanecer no cargo, para que os juros possam baixar logo no início do mandato da Presidente Dilma. O resultado imediato desta notícia foi relatado pelo Portal G1 de hoje, que mostrou o troco dos rentistas, aumentando os chamados "juros futuros", ou seja, simplesmente exigindo juros mais altos para comprar títulos da dívida interna.

Ou seja: conforme já comentado diversas vezes por esta seção, o volume monumental da dívida faz com que o governo tenha de, sistematicamente, ir ao mercado para tomar novos empréstimos para poder pagar os anteriores, tendo de aceitar os juros exigidos pelo mercado. Para alterar de fato esta situação, o governo precisa quebrar este círculo vicioso da dívida, por meio de uma auditoria que questione todo o seu estoque. 

A notícia do Estado de São Paulo de domingo também diz que a área econômica do novo governo deve conter muitos integrantes “desenvolvimentistas”. Porém, a própria futura presidente garante: "Não serão pessoas que serão responsáveis por isso", afirmou, referindo-se ao tripé formado por metas de inflação, câmbio flutuante e contas equilibradas. "Sou eu a responsável. E como responsável, eu asseguro: seja quem esteja à frente do cargo, eu assegurarei no País a questão da estabilidade econômica."

Ou seja: conforme comentado em edições anteriores desta seção, mesmo que a equipe econômica seja “desenvolvimentista”, a manutenção dos pilares da atual política econômica (como o superávit primário e o regime de metas de inflação) impede as mudanças necessárias para o país.

Na realidade, parece se aprofundar a atual estratégia governamental, de procurar transmitir à sociedade e aos movimentos sociais a idéia de um aparente “desenvolvimentismo”, baseado em algumas medidas isoladas, mas que não ameaçam o eixo principal da política econômica: o privilégio aos rentistas, às custas do povo.

Acessse "Auditoria Cidadã da Dívida".