Quinta, 1 de fevereiro de 2012
Da Pública Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Há dois nomes muito presentes nos relatos de violências sofridas
pelos produtores do sul de Lábrea (Amazonas): Celso Ribeiro e Nilo
Lemos. Além de serem donos de grandes áreas de terra na região, os
fazendeiros têm outra coisa em comum: estão na lista de pessoas
investigadas pelos crimes de extração ilegal de madeira, grilagem de
terras públicas, lesões corporais e ameaça de morte a liderança rurais.
Muitos já tiveram prisão preventiva decretada.
Celso Ribeiro é dono da fazenda de gado Água Verde e foi prefeito da
cidade Senador Guimard, no Acre. Ele aparece no inquérito policial como
mandante da ação de quatro de seus funcionários, conhecidos como “De
Manaus”, “Daziel”, “Polaco” e “Sebastião” – todos com a prisão decretada
e posteriormente revogada.
Segundo produtores ouvidos pela reportagem, Celso começou a invadir
terra de pequenos produtores em 2009. Segundo os depoimentos, depois de
colocar uma cerca e uma porteira, um funcionário teria começado a fazer a
“ronda” para forçar a saída dos produtores que moravam há décadas no
local. Os relatos remontam que ele passava atirando para cima e, pelo
menos uma vez, o tiro pegou em uma casa.
“O Celso contratou uns 15 jagunços para ameaçar a gente”, diz uma
produtora que morava no local há mais de 30 anos e foi expulsa pela
quadrilha. Ela já foi ameaçada e não quer se identificar pois teme a
retaliação. “Eles passavam atirando para cima, diziam que íam fazer
nossa cabeça. Fizeram cerca e porteira para a gente não entrar na nossa
própria terra e colocaram uma guarita com guaxeba [segurança] armado”.
Celso não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.
Já “Doutor Nilo”, como Nilo Lemos é conhecido na região, é dono da
fazenda Rio Novo. A fazenda avança dentro de uma área onde viviam mais
de 30 seringueiros – muitos dos quais nasceram ali e pleiteavam
transformar a terra em área extrativista.
É possível ver as cercas e placas com o nome da fazenda fechando as
trilhas por onde os seringueiros chegavam em casa. Assustados com as
ameaças feitas por funcionários armados da fazenda, alguns seringueiros
localizados pela reportagem contam que tiveram de fugir.
Os que resistem
estão cada vez mais encurralados. Com as passagens bloqueadas, eles só
conseguem chegar em casa pelos rios. Mesmo assim, há dias em que o curso
amanhece bloqueado por toras de madeira, impedindo a passagem.
Esses relatos foram colhidos pela reportagem e estão formalizados em
denúncias encaminhadas pela Comissão Pastoral da Terra e Central Única
dos Trabalhadores para o governo federal e do Amazonas. Os seringueiros
não querem se identificar pois temem represálias.
Segundo os depoimentos colhidos pela reportagem, os seringueiros
convivem com violências cotidianamente. Uma deles ocorreu há quatro
anos. Depois de fechar as estradas e avisar que eles não podiam entrar
na terra onde vivem e trabalham, um grupo de pistoleiros passou a fazer
ronda na área. Em uma delas, três homens com rifles cruzaram com um
jovem de 14 anos que estava caçando dentro do terreno onde nasceu. Eles
revistaram o jovem e depois o humilharam com ameaças e agressões
físicas.
Segundo os relatos, o procedimento padrão do grupo com os adultos é
fazer uma revista e depois levar os seringueiros até a sede da fazenda
para “liberação”. Há diversas denúncias de seringueiros que tiveram de
andar quilômetros sob a mira de pistolas para conseguir a liberação.
Alguns pistoleiros usam linguajar de polícia, dizendo que o seringueiro
“está detido”. Há relatos de pessoas que viram o grupo usando farda com
estampa imitando a do exército: calça, camisa e bota coturno.
Procurado pela reportagem, Nilo Lemos não deu entrevista. A
reportagem recebeu o retorno de um homem que se identificou como filho e
advogado do fazendeiro, mas que não autorizou a publicação de seu
próprio nome. Ele disse que não há conflitos na fazenda Rio Novo e que a
reportagem será processada se publicar “essa informação inverídica”.
Caso conhecido
Além de fazer parte de inquérito policial, o caso da fazenda Rio Novo
é bastante conhecido por quem trabalha na região. “Nilo é um fazendeiro
grande, um grileiro, suas terras são quase todas públicas. A área dele
é tida como uma das que mais provoca conflitos agrários”, diz o
desembargador Gercino José da Silva Filho, ouvidor agrário nacional do
Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ele avalia que o caso é tão
evidente que dificilmente Nilo vai conseguir títulos para essas fazendas
quando o programa Terra Legal terminar o processo de regularização fundiária na região.
Mas pode haver entendimentos diferentes dentro do mesmo ministério. Segundo Shirley Nascimento,
secretária de Regularização Fundiária da Amazônia Legal, há, até agora,
21 títulos negados no sul de Lábrea. Mas a equipe não encontrou nenhuma
fazenda dentro dessas propriedades. “As áreas que tiveram o título
negado eram de floresta densa, não encontramos nada. Portanto, não tem
retomada da terra e não vamos dar notificação [para o fazendeiro
sair].”, afirma. A secretária não soube precisar, porém, se a fazenda
Rio Novo já foi analisada.
Durante a entrevista, a secretária não usou a palavra “grilagem”. Ela
substituiu o termo por “parcelamento de terra pública” e “uso indevido
de terra da união”. Quando perguntei se estava deliberadamente evitando a
palavra, Shirley explicou: “Algumas pessoas que têm hectares a mais de
terra podem ser regularizados, o médio proprietário não pode ser chamado
de grileiro. Não quero cometer injustiças”.