Sexta, 9 de novembro de 2012
Do Instituto Humanitas Unisinos 
“Às vezes as pessoas não estão preparadas para assumir 
determinados cargos relacionados ao setor. Basta ver que a Dilma, quando
 foi ministra de Minas e Energia, fez muita coisa errada, e tampouco 
pensou em investir em energia eólica ou solar”, declara o engenheiro.
Confira a entrevista.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Carvalho
 explica que a interligação entre os dois sistema poderá ser “feita por 
meio de um sistema transmissão interligado, na forma de uma 'smart grid'
 (rede inteligente). A ideia é ligar os parques entre si e interligá-los
 com o sistema hidrelétrico através da malha de transmissão de energia. 
Então, nos períodos secos, se usará, sempre que possível, a energia 
eólica para não gastar a água que está acumulada, de tal maneira que, 
nos períodos secos, ainda haverá água suficiente nos reservatórios 
hidrelétricos”.
O engenheiro também comenta a MP 579,
 anunciada no mês de setembro pelo governo federal, e é enfático: “A MP 
significa, em última análise, um programa de privatização pior do que 
foi o do governo Fernando Henrique Cardoso. É ainda mais danoso para o sistema”. Sobre o Plano Decenal de Energia 2021, que está na pauta do governo, Carvalho reconhece os méritos da EPE, mas pondera que seus técnicos “não conseguem colocar em prática o que sabem e o que é lógico”. 
Joaquim de Carvalho
 é doutor em Energia pela USP, e mestre em Engenharia Mecânica, com 
ênfase em Energia Nuclear pela PUC-Rio. É pesquisador associado ao 
Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP. 
Confira a entrevista. 
IHU On-Line – Em que consiste a proposta de um sistema interligado hidroeólico para o Brasil? 
Na
 verdade, o Brasil pode prescindir de energia nuclear porque tem um 
potencial hidrelétrico que está entre os maiores do mundo e do qual só 
se tem aproveitado 30%. Além disso, tem um potencial eólico extremamente
 elevado. Os estudos mais recentes indicam algo em torno de 284 
gigawatts de potência. Com esses dois potenciais naturais, é possível 
desenvolver um sistema integrado hidroeólico. 
IHU 
On-Line – Como seria feita essa interligação dos parques eólicos com a 
rede hidrelétrica? Por que essa interligação traz benefícios 
energéticos? 
Joaquim Francisco de Carvalho – Por meio de um sistema transmissão interligado, na forma de uma "smart grid”
 (rede inteligente). Os parques eólicos deveriam ser interligados de tal
 maneira que, quando não houver vento em determinada região, haverá em 
outra, porque nunca há uma calmaria completa ao longo de todo o litoral.
 Então, ao interligar os parques entre si, quando um não opera por falta
 de vento, outros estarão operando. Isso é semelhante a uma carteira de 
ações na bolsa de valores. Quer dizer, investimento numa única ação é 
mais incerto do que investimento numa carteira de ações, ou seja, o 
conjunto das ações será mais estável do que cada ação individualmente. A
 ideia é esta: ligar os parques entre si e interligá-los com o sistema 
hidrelétrico por meio da malha de transmissão interligada. Então, nos 
períodos secos, se usará, sempre que possível, a energia eólica para não
 gastar a água que está acumulada, de tal maneira que não seja 
necessário racionar a energia por falta de água nos reservatórios. 
IHU
 On-Line – E como deve ser realizado o estudo ambiental para que as 
comunidades locais não sejam prejudicadas com o projeto, como acontece 
hoje com a construção de novas hidrelétricas?
Joaquim Francisco de Carvalho – Essa é uma polêmica que está sendo discutida por causa da construção de novas hidrelétricas na Amazônia.
 Dizem que a construção de novas hidrelétricas na região irá destruir 
todo o ecossistema da floresta. Porém, quem diz isso não fez os cálculos
 corretos, ou fala em nome do lobby das usinas nucleares, dos grupos 
interessados nas termelétricas convencionais e nas nucleares, que estão 
contra as hidrelétricas, porque as hidrelétricas tornam desnecessárias 
as nucleares e termelétricas convencionais. Além disso, os reservatórios
 hidrelétricos criam problemas para as mineradoras que cobiçam as 
reservas de minérios estratégicos existentes na Amazônia. Em suma, há 
fortes interesses que estão por trás dessa guerra contra as centrais 
hidrelétricas. 
Se se aproveitassem 80% do potencial hidrelétrico
 da Amazônia e deixassem 20% intacto para preservar as bacias 
hidrográficas mais sensíveis, pela diversidade biológica, seria inundada
 uma área conjunta inferior a 0,5% da área da Amazônia brasileira, ou 
seja, uma extensão perfeitamente assimilável pelo ecossistema regional. 
Então, essa é uma polêmica vazia.
A Amazônia tem
 cinco milhões de km², onde vivem 500 mil índios. Não tem cabimento os 
índios quererem ter soberania sobre toda esta extensão. Por outro lado, 
como cidadãos que são, têm todo o direito de reclamar e exigir que o 
governo os reassente em lugares mais adequados e em condições de 
urbanização, educação, saúde e saneamento dignas de sua condição humana.
 Ou seja, eles devem ser transferidos para regiões previamente 
urbanizadas, com acesso à água, energia elétrica, saneamento básico, 
etc. para viverem melhor do que vivem hoje. 
IHU On-Line –
 Mas os novos parques eólicos deveriam ser construídos em que regiões do
 Brasil? Comunidades também terão de ser realocadas?
Joaquim Francisco de Carvalho – Esse é outro problema, porque os parques eólicos
 também podem provocar prejuízos para as populações de pássaros, mas há 
estudos que definem as rotas migratórias desta fauna. Então, seria 
preciso construir os parques fora dessas áreas. Além disso, os parques 
causam poluição sonora, e seria necessário construí-los de modo que não 
ficassem nas proximidade de zonas urbanizadas. A respeito disso, é 
interessante assinalar que já se estudam técnicas para o isolamento 
acústico de habitações situadas em zonas de influência de parques 
eólicos. 
IHU On-Line – Já é possível vislumbrar qual seria o potencial energético do sistema hidroeólico?
Joaquim Francisco de Carvalho –
 Esse sistema pode gerar uma energia suficiente para que se possa 
consumir no Brasil o mesmo que se consome hoje na Alemanha, um país 
altamente desenvolvido. Com o avanço da tecnologia, será possível gastar
 menos energia elétrica para se obter o mesmo resultado. Então, será 
possível ter mais conforto com menos consumo de energia. 
IHU On-Line – E será possível reduzir o custo atual de R$ 80/Mwh da energia gerada pelo setor elétrico?
Joaquim Francisco de Carvalho
 – Esse já é um valor bastante barato. Mas esse é o valor cobrado pelas 
usinas novas. As antigas custam menos, porque o capital já está 
amortizado. 
Por outro lado, quando se privatizou o sistema 
elétrico, os novos proprietários começaram a cobrar o preço da energia 
como se as centrais fossem novas, e essas empresas receberam (e 
continuem recebendo) um lucro fabuloso. A Tractebel Energia, que funciona no Rio Grande do Sul, por exemplo, ganha muito dinheiro, porque comprou hidrelétricas que estavam amortizadas no Paraná e no Rio Grande do Sul, e vende a energia ao preço máximo do mercado. 
IHU On-Line – Como estão as pesquisas em relação ao sistema interligado hidroeólico?
Joaquim Francisco de Carvalho – As pesquisas estão paradas, porque quem deveria fazer esses estudos é a Empresa de Pesquisa Energética – EPE,
 empresa do Ministério de Minas e Energia. O problema é que a EPE estuda
 em cima de tudo que já existe para expandir o que já existe. Agora que a
 EPE está começando a reconhecer a importância da energia eólica. A energia fotovoltaica, solar, também é interessante para o Brasil, mas não há estudos nem investimentos suficientes. A Alemanha, que tem um clima menos favorável que o Brasil, está investindo muito nessa área. 
IHU On-Line – Há uma crítica de que a energia solar não tem espaço no planejamento da política energética. Quais as razões?
Joaquim Francisco de Carvalho –
 A razão é falta de vontade política. Às vezes as pessoas não estão 
preparadas para assumir determinados cargos relacionados ao setor. Basta
 ver que a Dilma, quando foi ministra de Minas e Energia,
 fez muita coisa errada, e tampouco pensou em investir em energia eólica
 ou solar. Ela só pensava em energia hidrelétrica, por causa do grande 
impulso da Eletrobrás, ou no gás natural, no óleo combustível e no carvão. Mas, antes disso, ela foi secretária de finanças do governo Alceu Colares, do PDT do Rio Grande do Sul; depois mudou para o PT, onde foi secretária de energia do governo Olívio Dutra.
 Na época em que foi secretária de Energia no Rio Grande do Sul, ela não
 conhecia o assunto, mas falava como se dominasse o tema. Além de ter um
 conhecimento supérfluo, não tem preparo técnico. No meio acadêmico Dilma
 não tem credibilidade porque divulgou um currículo em que se dizia 
doutora pela Unicamp, mas o caso é que ela não tem nem mestrado nem 
doutorado nessa instituição. Ela cursou uma graduação na Unicamp. Então,
 com essa atitude, ficou desmoralizada no meio acadêmico, e ninguém 
acredita nela. 
IHU On-Line – Quais foram os principais problemas do setor elétrico na última década?
Joaquim Francisco de Carvalho –
 O maior problema é que o governo inverteu o “time” e investiu em usinas
 fora do período necessário. Ou seja, investiram precipitadamente nas 
hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
 Poderiam ter construído outras hidrelétricas menores, antes de investir
 nestas. Mas a pressão do lobby das empreiteiras fez o governo agir 
assim. Dilma é muito movida pelo lobby das grandes 
empresas. Então, os investimentos públicos estão a reboque do interesse 
das grandes empreiteiras, e o planejamento energético não existe.
IHU
 On-Line – O senhor também faz uma análise crítica da Medida Provisória –
 MP 579, que diz respeito à renovação das concessões do setor elétrico? 
Joaquim Francisco de Carvalho – A MP 579
 irá privatizar o setor elétrico que sobrou de dentro para fora. Vai 
destruir tudo. A MP significa, em última análise, um programa de 
privatização pior do que o do Fernando Henrique Cardoso. É ainda mais danoso para o sistema.
IHU On-Line – Que análise o senhor faz do Plano Decenal de Expansão de Energia 2021? 
Joaquim Francisco de Carvalho –
 É um trabalho que tem seu mérito. A empresa de pesquisa tem um quadro 
de funcionários sérios e altamente competentes, que têm visão do futuro,
 só que politicamente eles não conseguem colocar em prática o que sabem e
 o que é lógico. O presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim,
 é um homem informado e capacitado, só que politicamente ele não se 
consegue fazer nada. Então, o problema desse plano é que eles não 
investem o que deveriam investir em programas como esse, de interligação
 hidroeólica, e tampouco investem em tecnologia de redes inteligentes.
Com
 uma rede inteligente, seria possível ter uma medição, em tempo real, da
 energia que está sendo consumida e, de outro lado, seria possível medir
 quais são as condições de gerar energia num determinado momento. Então,
 se tiver menos água e muito vento, a rede é abastecida com energia 
eólica; se tiver menos vento, aí se utiliza a água. Isso é uma rede 
inteligente. 
IHU On-Line – Não há investimento?
Joaquim Francisco de Carvalho – Os alemães estão investindo seriamente em redes inteligentes,
 que permitem que cada casa tenha o seu painel solar. Durante o dia, 
quando a família está fora, o sol incide na residência e não se gasta 
energia. A casa funciona, portanto, como uma miniusina, porque estará 
produzindo energia elétrica e injetando-a na rede. Aí, quando a família 
chega em casa e começa a usar a energia elétrica, a conta começa a 
contar, e a família começa a pagar pela energia, mas essa energia é 
descontada da energia fornecida durante o dia, que foi economizada. 
Então, isso é bom para todo mundo, contribui para o sistema como um 
todo, e torna a energia mais barata para as famílias. Esse é um tema que
 deveria estar presente no Plano Decenal de Energia.
 
 
 
