Sábado, 5 de julho de 2014
Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos
A Copa do Mundo de Futebol está chegando ao seu fim. O Brasil, um dos países mais desiguais do mundo e com maior pobreza da América Latina, viveu semanas de fantasia durante as quais 32 países competiram para conseguir o título de Campeão do Mundo de Futebol. O Brasil,
que ganhou este campeonato nada menos que cinco vezes, tenta ganhá-lo
mais uma vez, satisfazendo o “orgulho nacional”, esse sentimento tão
utilizado pelas estruturas de poder financeiro, econômico, midiático e
político, para obter a adesão e a submissão das classes populares à sua
liderança. O nacionalismo futebolístico exerce um papel muito importante
para garantir a passividade e a cumplicidade das massas para o
establishment (a estrutura de poder) em qualquer país. O pressuposto que
sustenta este nacionalismo é que, se vencer a equipe nacional, o país
vai bem e está bem dirigido. O futebol é não apenas uma grande
distração, mas um grande elemento de engano nacional.
A reportagem é de Vicenç Navarro e publicada no jornal Público, 03-07-2014. Vicenç Navarro é professor de Ciências Políticas e Políticas Públicas na Universidade Pompeu Fabra. A tradução é de André Langer.
Teria sido útil para aqueles que tentam recuperar a decaída popularidade da Monarquia na Espanha que o dia da coroação do novo Rei, Felipe VI, tivesse coincido com a vitória da equipe espanhola no Brasil. Isto não aconteceu e o establishment
espanhol mobilizou-se imediatamente para indicar que a profunda derrota
do até agora campeão mundial, a equipe espanhola, era uma simples
anedota, algo que acontece com todos, inclusive com os filhos das
melhores famílias.
No Brasil, há indícios de que as classes populares não estão caindo nessa armadilha e estão resistindo à manipulação. Em 2008, quando o Brasil foi eleito para sediar a Copa do Mundo 2014,
a maioria da população estava de acordo com a decisão (74%). Este ano, a
porcentagem caiu para 48%. Uma causa deste colapso do apoio foi a tomada de consciência dos custos
(11 bilhões de dólares) destes investimentos, em estádios e obras
suntuosas, incluindo grandes hotéis, às custas da diminuição dos gastos
públicos sociais. Nas constantes mobilizações que aconteceram durante os
jogos (uma delas, de 10.000 manifestantes da Associação dos Sem Teto, cortou há alguns dias a rodovia que levava ao estádio Arena Corinthians, um dos monumentos faraônicos construídos para o Mundial)
aparece claramente esta percepção. Uma das faixas assinalava o número
de moradias e escolas que poderiam ter sido construídas com o dinheiro
utilizado para construir cada estádio (200 escolas públicas pelo Estádio
do Maracanã, por exemplo). E apareceram muitos
grafites com expressões orientadas à população estrangeira (Um dos mais
repetidos é Fuck the World Cup! Foda-se a Copa do Mundo). E os protestos
não vão diminuir. Na realidade, iniciaram um movimento contra os Jogos Olímpicos (outra mostra faraônica) que estão programados para o Rio de Janeiro, também no Brasil, dentro de dois anos a partir de agora, em 2016. Não é preciso dizer que os partidos da oposição no Brasil, a maioria da direita, estão tentando utilizar esta rebelião popular para desacreditar e deslegitimar o governo do Partido dos Trabalhadores, assim como denunciou o próprio Maradona na cadeia Telesur.
Mas, estas mobilizações brotaram de um mal-estar popular, criticou o
Estado brasileiro, pelas prioridades que mostraram através das suas
políticas públicas, tanto na preparação faraônica destes jogos como nos
gastos com a preparação dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.
O protesto internacional
Uma nova dimensão do protesto que está se convertendo em um movimento
internacional é que se realizem estes eventos em países em que há uma
clara violação dos direitos humanos, como é o caso do Catar, um país ditatorial, com um sistema de governo feudal. A ofensa de ter a Copa do Mundo de 2022 no Catar é semelhante a que se fizesse na África do Sul durante o período do apartheid, ou na Coreia do Norte hoje. Ao contrário, houve protestos apenas nos maiores meios. A riqueza do Catar
baseia-se na exploração do petróleo, realizada por trabalhadores
carentes de qualquer tipo de direitos trabalhistas, sociais e políticos,
que vivem e trabalham em condições de escravidão. Segundo o livro de Nathalie Baptiste Foreign Policy in Focus e seu artigo ‘Soccer in Democratic. The World Cup is Oligarchy’, Counter Punch, 20-06-2014 (do qual extraio grande parte dos dados apresentados neste artigo), já houve mais de 200 trabalhadores acidentados e mortes
na construção dos estádios. Um regime pode ser enormemente opressivo,
alcançando níveis de crueldade e, ao contrário, ser respeitável se tem
dinheiro e está aliado aos governos ocidentais.
A direção do Barcelona, um clube historicamente conhecido por sua tradição democrática antifascista, é hoje o maior promotor do Catar. Sua camiseta, que costumava patrocinar a UNICEF, atualmente patrocina o Catar. E sua direção foi o instrumento utilizado por aquele governo medieval para comprar votos que garantiram a escolha do Catar como sede do Mundial
dentro de seis anos. É a conversão de um clube que, de ponto de
referência para as forças democráticas do mundo, transformou-se em
porta-voz (legal) de um país feudal.