Segunda,
14 de julho de 2014
Do
MPF
Em três pareceres enviados ao STF, Rodrigo Janot sustenta
que diversos pontos do novo código violam o dever geral de proteção do ambiente
e a exigência constitucional de reparação de danos ambientais
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao
Supremo Tribunal Federal (STF) três pareceres em ações diretas de
inconstitucionalidade (ADIs 4901, 4902 e 4903) que questionam artigos do
chamado novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Os três casos contrapõem o direito
à propriedade ao ambiente equilibrado, e o primeiro, segundo o PGR, não pode
ser visto como absoluto. Para o procurador-geral, pela relevância, complexidade
e alcance socioeconômico do assunto, audiências públicas sobre o assunto devem
ser realizadas. O relator das ações, de autoria do Ministério Público Federal,
é o ministro Luiz Fux.
ADI 4901 - A
ação ataca dispositivos da Lei 12.651/2012 em desacordo com a Constituição,
pois preveem redução indevida de áreas de reserva legal. De acordo com Rodrigo
Janot, há inconstitucionalidade, na lei, da dispensa de reserva legal em
empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto, em
áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou
autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais
funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou em que
sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica, e
em áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantar e ampliar
rodovias e ferrovias (artigo 12, parágrafos 6.º a 8.º da lei).
O parecer também considera inconstitucional a redução da
reserva legal por existência de terras indígenas e unidades de conservação no
território municipal (art. 12, parágrafos 4.º e 5.º); a possibilidade de
incluir, na reserva legal, coberturas vegetais que já constituem áreas de
preservação permanente (art. 15); e a autorização de plantio de espécies
exóticas para recompor reserva legal (art. 66, parágrafo 3.º). O procurador-geral
também considerou inconstitucionais a possibilidade de compensação da reserva
legal sem identidade ecológica e por arrendamento ou doação de área em unidade
de conservação ao poder público (artigos 48, parágrafo 2.º, e 66, parágrafos
5.º e 6.º) e a consolidação das áreas desmatadas antes das modificações dos
percentuais de reserva legal, principalmente as ocorridas a partir de 1996, por
intermédio de medidas provisórias (artigos 12 e 68).
ADI 4902 -
Na segunda ação, o procurador-geral da República aponta inconstitucionalidade,
na Lei 12.651/2012: da autorização para novos desmatamentos a proprietários e
possuidores de terras nas quais tenha havido supressão não autorizada de
vegetação antes de 22 de julho de 2008, independentemente de reparação do dano
(artigo 7.º, parágrafo 3.º); da determinação de suspensão de atividades em área
de reserva legal apenas para desmatamentos irregulares posteriores a 22 de
julho de 2008 (artigo 17, parágrafo 3.º); e da proibição de punição da
supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente (APPs) e em
áreas de reserva legal e de uso restrito anteriores a 22 de julho de 2008 pela
simples adesão do infrator a Programa de Regularização Ambiental (PRA) e pela
conversão de multas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da
qualidade do ambiente (artigo 59, parágrafos 4.º e 5.º).
Segundo Janot, são inconstitucionais ainda a suspensão de
punibilidade de crimes ambientais por mera assinatura de termo de compromisso
para regularização de imóvel ou posse rural perante órgão ambiental (art. 60);
a consolidação de danos ambientais ocasionados a APPs decorrentes de infrações
à legislação ambiental até 22 de julho de 2008 (arts. 61-A a 61-C e 63); a
autorização de constituição de reserva legal inferior aos parâmetros legais em
áreas de até quatro módulos fiscais (art. 67); e a permissão de crédito rural a
proprietários de imóveis rurais não inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR)
durante cinco anos após a publicação da lei (art. 78-A).
Na prática, ilícitos ambientais praticados antes de 22 de
julho de 2008 não sofreriam sanções e seus autores, segundo Rodrigo Janot,
seriam beneficiados. Ainda de acordo com o PGR, a distinção de tratamento fere
o princípio da isonomia. "O impedimento de obter novas autorizações para
supressão de vegetação em área de preservação ambiental deve atingir, sem
exceção, todos aqueles que hajam cometido dano ambiental e não os
repararam", sustenta o PGR.
ADI 4903 -
Nesta ação direta, o parecer aponta inconstitucionalidade, na lei, da permissão
ampla de intervenções em APPs por utilidade pública e interesse social (artigo
3.º); da permissão de atividades de aquicultura em APP (artigo 4.º, parágrafo
6.º); da intervenção em mangues e restingas para implantação de projetos habitacionais
(artigo 8.º, parágrafo 2.º); do uso agrícola de várzeas fora de comunidades
tradicionais (artigo 4.º, parágrafo 5.º); e do retrocesso ambiental na proteção
de nascentes e olhos d'água (arts. 3.º e 4.º).
Por fim, Janot considera inconstitucionais o retrocesso
ambiental na disciplina de APPs no entorno de reservatórios artificiais (art.
4.º); o retrocesso ambiental no tratamento legal de APPs no entorno de
reservatórios artificiais para abastecimento e geração de energia elétrica
(arts. 5.º e 62); o retrocesso ambiental na proteção de áreas com inclinação
(art. 11); o retrocesso ambiental na proteção das APPs ao longo de cursos
d'água (art. 3.º); e a equiparação entre agricultura familiar e áreas rurais
familiares e propriedades com até quatro módulos fiscais (art. 3.º, parágrafo
único).
A ação entende que a nova lei, no art. 3.º, permitiu
ampliação das possibilidades de intervenção em APPs, as quais eram
excepcionalmente admitidas em casos de utilidade pública e interesse social.
Para o PGR, não há justificativa razoável para permitir degradação de áreas de
preservação permanente para atividades recreativas, pois é sempre possível
encontrar alternativas mais adequadas. Também é desarrazoada a intervenção em
APP para a gestão de resíduos, ou seja, para a instalação de aterros
sanitários.
Em todas as ações, o procurador-geral da República
considerou que os artigos em discussão causariam forte retrocesso no tratamento
do ambiente por parte da lei e que haveria ofensa a compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil, como os previstos na Convenção sobre Diversidade
Biológica, promulgada no país pelo Decreto 2.519, de 16 de março de 1998.