Do Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti 
O
 primeiro debate entre os presidenciáveis, promovido pela Band, foi bom 
para Aécio Neves, razoável para Marina Silva e ruim para Dilma 
Rousseff. 
Luciana Genro se revelou uma grata surpresa, mostrando a coerência que, num ou noutro momento, faltou a cada um dos grandes. 
De resto, Eduardo Jorge foi o responsável pelos alívios cômicos, enquanto o Zé Fidelis (*) da chanchada política atual e o pastor que ignorava o significado de fator previdenciário ofereciam
 uma segunda chance aos telespectadores que não haviam aproveitado o 
intervalo para assaltar a geladeira ou fazer xixi.
Aécio e Marina capitalizaram bem o sentimento popular de que o País 
estagnou e o governo arrogantemente nega o óbvio ululante. Martelaram 
muito este conceito, minando a imagem de Dilma, que jamais encontrou uma
 resposta apropriada.
O tucano se mostrou mais articulado, expressando-se melhor do que os 
rivais diretos. Foi um achado a afirmação sarcástica de que todos 
gostaríamos de viver no país mostrado nas propagandas do PT, mas, 
obviamente, ele já a trouxe pronta. Parabéns para o criador da frase, 
seja lá quem for...
A acriana fugiu de muitas perguntas, mas deve ter agradado aos 
brasileiros com perfil similar ao dos devotos evangélicos (e eles são 
uma parcela enorme do eleitorado!), com sua ênfase na união das boas 
pessoas para construir algo diferente da desgastada dicotomia PT-PSDB.
Nela o discurso político se confunde com a pregação pastoral, então o 
impacto que causa não é facilmente captado por nós, que fazemos 
abordagens racionais da política. [Exemplo clássico: em 1985, na eleição
 para prefeito de São Paulo, FHC parecia haver ganhado de goleada o 
debate com Jânio Quadros, mas a performance do velho canastrão ainda 
conservava para o povão, um encanto que nos era imperceptível. Contra a 
grande maioria dos palpites e desmoralizando pesquisas eleitorais, o 
personagem folclórico derrotou nas urnas o intelectual sofisticado.]
Dilma, citando números e realizações o tempo todo, parecia movida a 
decoreba. Seu triunfalismo se chocava com o estado de ânimo dos 
brasileiros, predominantemente negativo, angariando-lhe antipatia. E sua
 defesa do perfil de gerentona
 foi um erro, pois pode-se dar um crédito de confiança aos governantes 
visionários quando as coisas não vão bem (eles, ao menos, estariam 
plantando as sementes de dias melhores), mas quem tem como única 
serventia fazer o governo funcionar, precisa apresentar resultados. O 
povo, contudo, não os está vendo; e sua experiência cotidiana lhe indica
 que, quando tal acontece, os gerentes têm de ser demitidos.
Aécio e Dilma podem continuar na linha adotada nesta 3ª feira, aprimorando-a nos detalhes. 
Dilma precisa mudar radicalmente a sua, se quiser chegar ao 2º turno. Com mais do mesmo
 (auto-louvando-se por realizações do passado, não admitindo que o 
presente é insatisfatório nem se dispondo a qualquer autocrítica ou 
mudança de rumo), poderá despencar a ponto de ser superada pelo Aécio 
(que, por enquanto, está num patamar inferior ao que costuma ser 
atingido pelas candidaturas de direita).
O PT tem até meados de setembro para reformular a chapa. Dependendo da 
situação de Dilma lá pelo dia 10, talvez o partido a convença a 
renunciar, para que o Lula venha salvar a pátria. Caso contrário, estará
 flertando com a derrota.
Finalmente, o que mais me chocou, como homem de esquerda, foi ouvir a 
Dilma dizendo, embevecida (só faltava o acompanhamento de violinos...), 
que quer transformar o Brasil num país de classe média. Igualzinho aos 
EUA? Argh! 
Quem não esqueceu o marxismo aprendido no início da caminhada, quer mais
 é ver as classes sociais extintas no Brasil e no mundo, juntamente com 
todas as divisões artificiais entre os seres humanos. Nosso compromisso é
 com o igualitarismo e com uma sociedade sem estado, sem classes e sem 
fronteiras nacionais. 
Não com a expansão da classe média, que, por sinal, geralmente traz 
consigo um aumento do conservadorismo --o que talvez explique as 
dificuldades encontradas pelo PT na presente campanha.
* nome artístico de Gino Cortopassi, um dos grandes humoristas brasileiros da era do rádio.
    

 
 
 
