Quinta, 21 de agosto de 2014
Do MPF
Diálogo interceptado com autorização judicial revelou a
interferência indevida de ruralistas na tramitação do Proposta de Emenda à
Constituição 215 [veja movimentação da Pec 215 na Câmara dos Deputados], que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso
Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios
Conversa telefônica legalmente interceptada revela que o
líder ruralista Sebastião Ferreira Prado planejava o pagamento de R$ 30 mil a
advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que seria o
responsável pelo relatório da PEC 215, na Comissão Especial que aprecia a
matéria na Câmara dos Deputados. No diálogo interceptado, Sebastião afirma que
“o cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá
fazendo pra ele a relatoria é o Rudy [leia aqui], advogado da CNA, que é amigo e
companheiro nosso”.
O diálogo que revelou a interferência indevida de ruralistas na tramitação do
Projeto de Emenda Constitucional 215 (PEC 215) foi interceptado, com
autorização judicial, durante as investigações da organização criminosa
envolvida com as reiteradas invasões à Terra Indígena Marãiwatsédé, da etnia
Xavante, no nordeste de Mato Grosso.
Preso -
Sebastião Prado, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu
(Aprossum), está preso desde o dia 7 de agosto quando o Ministério Público
Federal e a Polícia Federal deflagraram a operação para desarticular a atuação
do grupo que coordenava e aliciava pessoas para resistirem à desocupação do
território indígena. O grupo recebia recursos de apoiadores de outros Estados
para financiar suas atividades, inviabilizando a efetiva ocupação do território
pelos índios.
A influência do movimento de resistência extrapolava os
limites de Mato Grosso e influenciava, também, conflitos na Bahia, Paraná,
Maranhão e Mato Grosso do Sul.
Inicialmente, Sebastião Prado foi preso temporariamente, mas
em requerimento apresentado à Justiça Federal no dia 11 de agosto, o MPF
sustentou que a manutenção da prisão de Sebastião Prado tutela o “direito
fundamental a um ordenamento jurídico constitucional estabelecido de modo
legítimo, livre de interferências indevidas, segundo os princípios democráticos
e republicanos que devem fundamentar a conformação ética, política e jurídica
da sociedade brasileira”. O MPF acrescentou que o fato de a conduta da
liderança ruralista direcionar-se a corromper a edição de ato normativo
destinado a transformar a própria ordem constitucional é circunstância
sobremaneira gravosa, a exigir do Poder Judiciário medida capaz de obstar tal
situação, ameaçadora do próprio estado de direito e da ordem republicana e
democrática.
Ao apreciar o requerimento do MPF, a Justiça Federal
entendeu que o lobby no âmbito do Congresso Nacional é um aspecto inerente ao
próprio processo político, sendo que, a princípio, nada há de mais em se tentar
influenciar o relator da PEC 215. Todavia, o juiz afirma que “o problema reside
exatamente no meio utilizado para se efetuar o lobby, no caso mediante
pagamento ao advogado (ou assessor) responsável pela elaboração do parecer,
envolvendo inclusive a Confederação Nacional da Agricultura – CNA”.
Acrescentou o magistrado federal que “o fato de o relatório
da PEC 215/2000 ter sido, supostamente, 'terceirizado' para a Confederação
Nacional da Agricultura (CNA), representa, a princípio, um desvirtuamento da
conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é
parte política diretamente interessada no resultado da mencionada PEC”.
Ao final da decisão que decretou a prisão preventiva
de Sebastião Prado, a Justiça Federal ressaltou que “o objeto da PEC é
exatamente poder rever a demarcação de terras indígenas já consumadas como é o
caso de Marãiwatsédé, o que justifica a atitude do investigado e demais
pessoas, ao tentarem a todo custo – segundo informações do MPF –, permanecer na
área da reserva indígena, em total afronta a decisão judicial, transitada em
julgado, na mais alta Corte deste País, no caso o Supremo Tribunal Federal”.
Diversas diligências investigatórias ainda estão em curso,
sendo que os documentos relacionados à possível participação de parlamentares
federais no caso foram remetidos à Procuradoria Geral da República para que
sejam adotadas as medidas cabíveis.
PEC 215 - A proposta de emenda à Constituição nº 215 inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas. Além disso, estabelece critérios e procedimentos de demarcação a serem regulamentados por lei.
PEC 215 - A proposta de emenda à Constituição nº 215 inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas. Além disso, estabelece critérios e procedimentos de demarcação a serem regulamentados por lei.